Na “Divina Comédia”, poema escrito pelo italiano Dante Alighieri no século XIX, paraíso, inferno e purgatório são o pano de fundo da trama central do autor em busca por iluminação. A jornada começa em uma peregrinação na qual Dante passa pelas dores do inferno em uma floresta escura, seguindo posteriormente para a purificação do purgatório e a iluminação no paraíso, porém, com um “bônus track”: Beatriz, a amada encontrada.
Fora da ficção, analistas do mercado financeiro dizem passar por tormenta semelhante a fim de encontrar os melhores ativos em diferentes cenários. E a Kinea, gestora de recursos independente, apontou em sua recente carta – uma direta analogia à obra de Dante – o que esperar para 2024 e como navegar pelas incertezas buscando “Beatriz” em forma de estabilidade e retorno financeiro.
“Em nosso trabalho de pesquisa na Kinea, passamos por provações semelhantes na análise e seleção de ativos. Entretanto, como no caso das esferas celestiais de Dante, as esferas do mercado estão sempre em constante movimento, e é sempre necessário adaptarmos a novas potenciais realidades”.
kinea, em carta.
Veja abaixo um compilado da visão da gestora sobre diferentes ativos e cenários que podem se seguir, conforme o histórico de 2023. Renda fixa e bolsa de países emergentes devem enfim chegar ao paraíso, com moedas e juros globais caminhando do lado oposto.
O inferno
“No portão de entrada do inferno de Dante estava escrito: “Deixai toda a esperança, ó vós que entrais”. Em nossa analogia, que ativos devemos considerar pouco esperançosos para o próximo ano?”
O comentário dos gestores aponta para o contexto da Europa, cujas moedas devem sofrer em 2024 diante da combinação de uma economia fraca e uma maior convergência inflacionária.
“A Europa nos parece propícia para ser posicionada nesse papel: nem pujante o suficiente para se diferenciar como a economia norte-americana, nem cheia de estímulos o suficiente para se recuperar como a China. Entretanto, é nas moedas que imaginamos uma maior fragilidade para 2024”.
O ambiente econômico é desafiador para o continente europeu, dado o aperto fiscal e de crédito, somado a maior inflação, o que aponta para um início de corte dos juros pelo Banco Central. E a medida tende a impactar o euro, o que o coloca como um ativo de pouca esperança no ano que vem.
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A gestora aponta que a fraca atividade e controle inflacionário abre espaço para seguir aplicando em juros europeus, seja na parte curta da curva, como na longa.
Já sobre novas tendências, é a inteligência artificial que deve ditar o rumo e, consequentemente, transformar em inferno os negócios que ficarem obsoletos, a exemplo de buscadores online (Google), e de edição de imagens (Adobe, dona do Photoshop). Isso porque, se usuários não interagirem mais com websites e simplesmente entrarem com suas perguntas e pedidos via inteligência artificial, os analistas creem que essas empresas podem sofrer de modo significativo.
Mas a introdução foi apenas uma provocação do que deve ser analisado nas próximas cartas.
O purgatório
China, petróleo e taxas longas de juros foram citadas como as que mais devem “penar” em 2024.
No caso do país asiático, os estímulos na economia não foram suficientes, o que se traduziu em um desempenho abaixo da média de ativos de renda variável, commodities ou moedas. Mas a visão dos gestores é de que nem tudo está perdido e que o purgatório não será permanente.
“No entanto, há esperança neste reino, pois o purgatório não é permanente, e os mercados chineses podem ainda subir, purificados, para se juntar aos ativos celestiais. Imaginamos que toda a sequência de estímulos econômicos dos últimos meses venha a impactar positivamente a economia ao longo de 2024.”
Sobre o petróleo, o controle no preço pelos sauditas não vem sendo suficiente, dado o aumento na produção e oferta de grandes players globais. E isso aponta que os atuais cortes na produção são insuficientes para “apertar o mercado”.
Ainda assim, a Kinea aponta que suas análises apresentam uma balança “mais equilibrada para 2024”, uma vez que os estoques permanecem em queda no ocidente, mas ainda elevados na Ásia, particularmente na China. “Dessa forma, imaginamos a commodity em um purgatório ao longo dos próximos trimestres”.
No entanto, o ciclo não está fechado, já que as taxas longas de juros estariam “entre a cruz e a espada”, na visão da gestora. Se de um lado, estão previstas elevadas emissões de títulos de longo prazo nos EUA ao longo dos próximos trimestres, por outro, espera-se que os BCs ao redor do mundo iniciem cortes em 2024, o que reflete na curva longa das taxas.
“O tema de cortes das taxas básicas de juros ao redor do planeta nos leva ao nosso terceiro capítulo: o paraíso de Dante e nossos ativos preferidos para os próximos trimestres”.
O paraíso
Política monetária, emergentes e alguns setores específicos da bolsa são os tópicos que devem iluminar 2024, diz a gestora na carta. E tudo está correlacionado com o corte dos juros em diversas economias. O Brasil, assim como seus pares emergentes estão na frente de potências como Estados Unidos ou Zona do Euro em relação ao avanço no recuo das taxas.
Sobre o processo de flexibilização da política monetária ao redor do mundo, a carta aponta que a medida deve impulsionar ativos de risco. “Bolsas emergentes, que sofreram com o aperto global, inclusive a brasileira, devem apresentar boa performance, partindo de valuations ainda bastante deprimidos”, diz o documento.
A expectativa da casa é que a bolsa brasileira deva surfar em um ambiente positivo, fruto de melhoria no ciclo de crédito, combinado com uma Selic mais baixa.
Já quanto à bolsa americana, a aposta da Kinea está em setores ligados à inteligência artificial, semicondutores e mineradoras de urânio, sendo esses setores considerados como forte tendência para o próximo ano.
Empresas como TSMC, NVidia, Amazon, Meta, Microsoft, Novo Nordisk, Mercado Livre, Ura, entre outras, estão no radar dos gestores.
Já os setores de biotecnologia e defesa também devem entrar no radar caso um governo republicano volte ao poder. As eleições nos EUA serão em 2024, e Donald Trump vai brigar pelo assento na Casa Branca.
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