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Super Bowl, F1 e a batalha pela supremacia esportiva no deserto

A transformação de Las Vegas em um centro esportivo global reflete a farra esportiva que a Arábia Saudita usou para melhorar sua imagem global.

Por Andrew Beaton The wall street Journal
Publicado em
9 min
traduzido do inglês por investnews

Publicado originalmente em 22 de fevereiro

Por Joshua Robinson, Andrew Beaton e Peter Champelli

LAS VEGAS — A transformação de Las Vegas em uma meca do esporte há muito era vista como uma impossibilidade. Sua dependência dos cassinos parecia algo desconfortável. Estava atrelada a vícios desagradáveis. E seu foco singular nos turistas fez parecer que Vegas nunca poderia fornecer a base permanente de fãs para apoiar grandes equipes.

Então, a mudança aconteceu de uma só vez. 

Em menos de uma década e com mais de US$ 7 bilhões, a Sin City se transformou de uma cidade do boxe e das apostas para a casa do deserto de um Grande Prêmio de Fórmula 1, de uma das franquias mais famosas da NFL, de um time de hóquei vencedor da Stanley Cup, de uma equipe campeã da WNBA e, em um domingo recente, da principal extravagância esportiva dos Estados Unidos: o Super Bowl.

O estranho é que Las Vegas não está sozinha em sua farra esportiva. A meio mundo de distância, outro oásis no deserto trabalha exatamente na mesma coisa, exatamente no mesmo ritmo frenético. 

O Reino da Arábia Saudita, uma das sociedades mais restritivas do planeta, pode parecer o oposto extremo de Vegas em quase todos os sentidos. Mas esses dois locais agora têm uma coisa em comum além de muita areia e calor. 

Las Vegas e a Arábia Saudita assumiram a missão de dominar o esporte mundial.

“O que aconteceu nos últimos oito, dez anos é notável”, diz Steve Hill, presidente e executivo-chefe da Las Vegas Convention and Visitors Authority (Autoridade de Convenções e Visitantes de Las Vegas). A cidade é agora “um dos, se não o, centro desportivo dos Estados Unidos e do mundo”.

Não é por acaso que, no fim de semana do Super Bowl, o LIV Golf também estava na cidade como o circuito apoiado pela Arábia Saudita em todo o mundo. O que significa que, à medida que a ascensão de Vegas como potência esportiva é cimentada pela realização do maior evento esportivo dos Estados Unidos, também é o lar da própria incursão saudita audaciosa no negócio. 

Muitas outras organizações esportivas já se instalaram em ambos os lugares. O boxe, pilar original dos esportes de Vegas, foi um dos primeiros a tentar a sorte no Reino. Em 2019, os promotores do Matchroom Sport organizaram a primeira grande luta de premiação na Arábia Saudita, quando Anthony Joshua derrotou Andy Ruiz pelo cinturão mundial dos pesos-pesados. Cinco anos depois daquela noite de US$ 60 milhões, o reino agora é uma parada regular no circuito de boxe, tão familiar para os lutadores quanto o MGM Grand. 

Em maio deste ano, Tyson Fury vai enfrentar Oleksandr Usyk pela indiscutível coroa dos pesos-pesados e uma bolsa avaliada em mais de US$ 150 milhões. A medida gerou muitas críticas aos organizadores, que são acusados de vender a tradição do boxe. 

“Sei que as pessoas estão falando das grandes lutas indo para a Arábia Saudita”, disse o chefe do Matchroom Boxing, Eddie Hearn. “Bom, porque não vamos ter essas lutas sem isso… O boxe não é só nos EUA. Não é só no Reino Unido.”

A Fórmula 1, esporte que não evita uma expansão esportiva global, também colocou Las Vegas e a Arábia Saudita no centro de sua estratégia. A Liberty Media, dona da série, realizou suas primeiras reuniões com Las Vegas para falar sobre a realização de um Grand Prix na Strip em 2021. Naquele mesmo ano, a F1 se expandiu para seu mais novo território do Golfo com o primeiro GP da Arábia Saudita em Jeddah. 

“Quando você vê o que aconteceu na Arábia Saudita e o que atraiu as partes interessadas de Las Vegas quando aparecemos pela primeira vez”, disse Renee Wilm, CEO do GP de Las Vegas, “percebe que está colocando esse destino em um palco global, como nenhum outro esporte realmente consegue”.

Não faz muito tempo que o surgimento de Vegas como um centro esportivo – não de esportes de combate –, era impensável. A cidade não tinha uma única grande equipe esportiva e, pior ainda, essas mesmas ligas claramente evitavam tudo o que a cidade representava. As apostas esportivas eram tratadas como uma atividade nefasta que poderia envenenar seus produtos. 

A NBA, Associação Nacional de Basquete, foi a primeira a se interessar seriamente pelo mercado quando começou a sediar jogos de uma de suas ligas aqui em 2004. Três anos depois, o All-Star Game da NBA ocorreu em Las Vegas. Mas isso também foi um reflexo da distância que a cidade ainda tinha que percorrer: o jogo foi realizado em uma arena universitária pertencente à Universidade de Nevada Las Vegas. Embora esse evento tenha sido visto como um sinal do desejo da área de sediar permanentemente uma franquia, a infraestrutura simplesmente ainda não estava pronta. 

Uma década depois, porém, uma confluência de forças mudou toda a paisagem. A população de Vegas estava crescendo. A atitude dos Estados Unidos em relação ao jogo estava sendo amenizada. E a cidade finalmente construiu uma arena digna de uma franquia esportiva profissional. 

A T-Mobile Arena, inaugurada em 2016, tornou-se a casa dos Golden Knights da NHL (Liga do hóquei) um ano depois. Também em 2017, a NFL (Liga de futebol americano) aprovou o plano do dono dos Raiders, Mark Davis, de transferir a franquia para Las Vegas, com o início da construção do Allegiant Stadium em setembro. No ano seguinte, a WNBA (liga feminina de basquete) se mudou para a cidade com os Aces, que mais tarde foram comprados por Davis. A NBA ainda não seguiu o exemplo com uma franquia por aqui, mas testou o terreno ao organizar a final de seu In-season Tournament. E a principal liga de beisebol parece estar a caminho, já que o Oakland espera se mudar até 2028.  

Apesar de todos os bilhões de dólares que foram investidos, remodelando o horizonte da cidade para incluir novas instalações esportivas de última geração, o que acabou tirando o último cheiro de desconforto nacional de Vegas aconteceu do outro lado do país. Em 2018, a Suprema Corte derrubou a lei federal que proibia os estados de autorizar apostas esportivas. 

“Eles legalizaram as apostas esportivas e não éramos mais os malvados”, diz a prefeita Carolyn Goodman, no cargo desde 2011. “Uma vez que isso aconteceu: bingo!” 

Para a cidade, o esporte logo se tornou mais do que apenas outra forma de gerar receita. Também se transformou em um catalisador para que Vegas, cidade com cerca de 150 mil quartos de hotel, construísse uma maior capacidade urbana para seus moradores e o número crescente de turistas. A população aumentou mais de 10%, para cerca de 650 mil desde 2010, e a cidade espera cerca de 350 mil visitantes cada vez que recebe um grande evento, como o Super Bowl ou um Grande Prêmio.  

Goodman falou longamente sobre como lidar com os desafios que isso traz, incluindo a necessidade de renovar sua estrutura viária para aliviar os problemas de tráfego de Vegas.

“Somos um trabalho em andamento”, diz a prefeita. “Estamos tentando construir todas essas estruturas para termos uma cidade de classe mundial, mas somos muito jovens.”

A Arábia Saudita está no mesmo caminho. Embora a região tenha séculos de história, o processo de modernização de cidades como Jeddah e Riad tem efetivamente menos de uma década. Quando começou, no entanto, a enxurrada de dinheiro ameaçou atrapalhar tudo o que tocava. Liderada pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, a ideia era diversificar a economia saudita e aumentar a presença do Reino no cenário mundial. O papel do esporte e do entretenimento visava um país culturalmente relevante para o Ocidente, transformando o deserto em um destino.

Frequentemente, essa atitude é acusada de ser uma manobra para desviar o interesse do histórico de direitos humanos da Arábia Saudita, mas essas preocupações não impediram que uma enxurrada de atletas e artistas corresse para lá em busca de lucros. 

A figura responsável por isso é uma autoridade saudita excêntrica: Turki Al-Sheikh. Ex-agente político e amigo de infância do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, Sheikh agora atua como chefe da Autoridade Geral de Entretenimento, criada em 2016. Ele conta com estrelas do futebol como Lionel Messi entre seus amigos pessoais e comprou um time de futebol espanhol chamado Almeria para ser seu hobby. 

Nos últimos 18 meses, supervisionou uma grande incursão no futebol que virou de cabeça para baixo o esporte favorito do mundo. Clubes cheios de dinheiro apoiados pelo fundo soberano do Reino desembolsaram bilhões para contratar uma lista de estrelas encabeçada por Cristiano Ronaldo. Este mês, Sheikh também revelou um novo torneio de tênis de seis jogadores em Riad em outubro, chamado “The 6 Kings Slam” (Slam dos Seis Reis), envolvendo Novak Djokovic, Carlos Alcaraz e Daniil Medvedev.

Internacionalmente, porém, a incursão saudita mais proeminente no esporte foram os bilhões que seu Fundo de Investimento Público despejou no golfe. Desde que o LIV estreou em 2022, atraiu nomes como Phil Mickelson, Brooks Koepka e Jon Rahm do PGA Tour. O empreendimento iniciante do Reino rapidamente afetou um dos principais esportes profissionais do mundo, e agora o PIF e o Tour tentam unir a indústria novamente no contexto de preocupações antitruste do Departamento de Justiça dos EUA. 

Esta semana, esses dois mundos colidem com o LIV no Las Vegas Country Club. E não é difícil ver como o empreendimento saudita está tentando garantir um pouco do brilho da Sin City. 

“Já estamos em Vegas, eletrizados, e além disso há o Super Bowl, e agora você chega a um lugar onde pregamos: ‘Golfe, mas mais estridente’”, disse o ex-campeão do Masters e jogador do LIV Patrick Reed esta semana. “Há muitos eventos acontecendo por aqui, e sinto que será grande para nós.” 

traduzido do inglês por investnews