A eleição americana tem um terceiro candidato: a economia
A economia dos EUA cresceu rapidamente durante o governo Biden, mas os preços dispararam. De qual desses dois os eleitores vão se lembrar?
A vice-presidente Kamala Harris e o ex-presidente Donald Trump estão no topo da cédula eleitoral desta terça-feira (5). O terceiro grande ator da eleição nos Estados Unidos é a economia, que moldou as narrativas de ambas as campanhas e manteve a disputa em circunstâncias críticas.
Mas o modo em que a economia pode influenciar os resultados não é algo simples. Por um lado, ela vem crescendo de forma constante, gerando milhões de novos empregos e elevando os salários. Por outro lado, os preços estão muito mais altos do que quando o presidente Biden assumiu o cargo, e os imóveis estão menos acessíveis, e esses fatores pesam no humor dos americanos.
Kamala não colocou tanta ênfase nos números de empregos e crescimento quanto Biden, mas concentrou sua mensagem no que chama de “economia de oportunidade”. Trump disse que promoveria uma série de tarifas e de cortes de impostos, ao mesmo tempo em que pintava um quadro mais sombrio da economia. No fim de semana, ele alertou que a vitória de Kamala levaria a “uma depressão econômica ao estilo de 1929”.
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Os americanos deram notas baixas à economia durante o governo Biden graças à sua frustração com os preços. Porém, não é possível descartar a forte divisão partidária que atua para ampliar esta crise. Pesquisas da Universidade de Michigan feitas com consumidores mostram que os republicanos classificam a que a economia americana está pior do que esteve quando a pandemia começou, no último ano da presidência de Trump. Os democratas a classificam como melhor do que jamais esteve durante o mandato de Trump.
Apesar dessas avaliações pessimistas, o que as pessoas têm feito com seu dinheiro mostra um cenário diferente. Na semana passada, o Departamento de Comércio informou que, ajustados pela inflação, os gastos do consumidor aumentaram 3% no terceiro trimestre de 2024 em relação ao mesmo período do ano anterior. Durante os primeiros três anos do governo Trump, antes da pandemia, os gastos cresceram a uma taxa anual de 2,6%.
A interação entre crescimento robusto e preços altos pode ser uma das principais razões pelas quais as pesquisas mostram uma disputa acirrada. Essa interação também pode ser vista em um modelo de previsão presidencial de longa duração, que o economista da Universidade de Yale, Ray Fair, desenvolveu na década de 1970. Analisando dados que remontavam ao início dos anos 1900, ele descobriu que três variáveis econômicas foram relevantes na previsão da votação presidencial.
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A primeira é a taxa de crescimento per capita do PIB real, ou ajustado pela inflação, nos três trimestres anteriores à eleição. Quanto mais crescimento a economia tiver proporcionado durante o ano eleitoral, melhor será para o candidato do partido no poder.
O PIB per capita cresceu a uma taxa de 2% nos três primeiros trimestres deste ano, o melhor ritmo para uma eleição desde que o ex-presidente George W. Bush conquistou seu segundo mandato em 2004. O PIB per capita cresceu a uma taxa ainda melhor, de 2,8%, durante toda a presidência de Biden até o terceiro trimestre — a melhor desde o ex-presidente Lyndon Johnson — mas o trabalho de Fair sugere que os eleitores se concentram mais no desempenho recente da economia.
O poder do PIB per capita em prever os votos é um reflexo de como, quando a economia está crescendo, outras coisas também costumam estar indo bem, como o aumento do emprego e dos salários.
Contudo, o trabalho de Fair mostra que os eleitores parecem ter uma memória mais longa para a inflação do que para o crescimento econômico. A segunda variável em seu modelo são as mudanças em uma medida de inflação chamada índice de preços do PIB. Fair descobriu que são as mudanças de preço ao longo de todo o mandato presidencial que importam. Quanto mais os preços subirem, pior será para o partido no poder. O índice de preços do PIB expandiu a uma taxa anual de 4,5% nos primeiros 15 trimestres da presidência de Biden, o ritmo mais rápido desde o primeiro mandato do ex-presidente Ronald Reagan.
A longa memória dos eleitores sobre a inflação é óbvia este ano. A revolta com os acentuados aumentos de preços que ocorreram no início da presidência de Biden persistiu, embora a inflação tenha esfriado. E persistiu mesmo quando as análises econômicas dos dados do Departamento do Trabalho mostraram que o salário da maioria dos trabalhadores subiu mais do que os preços.
A variável final no modelo de Fair é o que ele chama de “trimestres de boas notícias” — o número de trimestres durante o mandato presidencial em que o crescimento do PIB per capita excedeu 3,2%. Houve quatro deles durante o governo Biden. Três para Trump antes da eleição de 2020.
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Com base nas três variáveis econômicas, além de algumas medidas não econômicas, como há quanto tempo o partido do presidente está no poder, o modelo de Fair prevê que Kamala obterá 49,5% e Trump 50,5% dos votos. Em outras palavras, o que as médias das pesquisas mostram: uma corrida virtualmente equilibrada.
Isso não significa que os resultados reais serão coisa do acaso. O modelo de Fair não inclui nenhuma das questões não econômicas que podem motivar os eleitores ou o quão eficazes foram as campanhas.
Na verdade, o modelo gerou erros maiores do que o normal nas duas últimas eleições presidenciais, embora na direção oposta das pesquisas. Ele previu que Trump garantiria a maior parte dos votos de 2016, em vez da candidata democrata Hillary Clinton (que acabou perdendo no Colégio Eleitoral). E mostrou Trump ganhando na votação em 2020, enquanto as pesquisas previam que Biden venceria com mais folga do que a que realmente houve.
Além disso, a imagem da economia que as pessoas levam consigo para a cabine de votação sempre pode mudar de um modo que nenhum modelo consegue captar. O relatório de emprego de sexta-feira mostrou que os EUA ganharam insignificantes 12 mil empregos no mês passado. Esse número foi fortemente distorcido pela perda de empregos por causa dos furacões Helene e Milton e da greve na Boeing. Mas os eleitores que leem apenas as manchetes podem se sentir um pouco mais severos.
Ou podem encher o tanque do carro na terça-feira e chegar a uma conclusão diferente. Um galão de gasolina comum custava em média US$ 3,10 na segunda-feira, de acordo com a AAA (um serviço público atualizado diariamente pelo Oil Price Information Service) em comparação com US$ 3,43 há um ano e um pico de US$ 5,02 em junho de 2022. A gasolina influencia fortemente a visão das pessoas sobre a inflação: é uma compra frequente e o preço é exibido em placas imponentes.
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Vença Kamala ou Trump, será possível apontar para a economia e dizer com sinceridade: “É por isso”. Mas também não será o único motivo.
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traduzido do inglês por investnews