Greg Prudenciano – InvestNews https://investnews.com.br Sua dose diária de inteligência financeira Thu, 14 Nov 2024 14:14:37 +0000 pt-BR hourly 1 https://investnews.com.br/wp-content/uploads/2024/03/favicon-96x96.ico Greg Prudenciano – InvestNews https://investnews.com.br 32 32 Como Brasil e México se tornaram estratégicos para a Dubai Ports, sócia da Rumo e da Suzano https://investnews.com.br/negocios/como-o-brasil-e-o-mexico-se-tornaram-paises-estrategicos-no-mapa-da-dubai-ports/ Thu, 14 Nov 2024 10:00:00 +0000 https://investnews.com.br/?p=629714
Terminal da DP World no Porto de Santos, em São Paulo. Foto: Divulgação/DP Brasil

A DP World é uma dessas empresas estatais dos Emirados Árabes das quais você provavelmente nunca ouviu falar, mas deveria. Com uma operação bilionária financiada pelas receitas do petróleo de Dubai, a multinacional desempenha um papel importante – que ajuda a entender melhor a dinâmica do comércio global.

Forçada a se desfazer de ativos nos Estados Unidos no começo deste século (mais sobre isso adiante), a DP World voltou seus investimentos para outros países do continente americano, com destaque para o Brasil, segunda economia das Américas.

Ela também tem trabalhado em instalações portuárias no Canadá e, mais recentemente, engajou-se em conversas com autoridades mexicanas para iniciar operações no país presidido por Claudia Sheinbaum.

Para a DP, a conhecida deficiência do Brasil em infraestrutura logística é uma oportunidade de negócios. O CEO da DP Brasil, Fabio Siccherino, diz que o fortalecimento da exportação brasileira nos últimos anos deixou evidente a necessidade de investimentos na área – o país precisa diminuir o tempo de transporte das cargas até os portos, e também os custos dessas operações.

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“Quando a gente olha para a competitividade do Brasil no comércio global, percebe que há um gap muito grande entre a infraestrutura que a gente tem e a infraestrutura que a gente precisaria ter”, afirmou ao InvestNews o executivo.

Por aqui, a história da empresa começou em 2013, quando inaugurou no Porto de Santos o seu terminal de contêineres. Não é concessão, trata-se de um terminal privado.

A entrada no Brasil faz parte de uma expansão internacional da companhia de Dubai, cuja história se confunde com o processo de desenvolvimento do emirado como um centro global de comércio e logística, impulsionado pelos portos de Rashid e Jebel – os Dubai Ports” que formam o “DP” de seu nome.

London Gateway, porto da DP World no rio Tâmisa, que banha a capital britânica. Foto: Dan Kitwood/Getty Images

A empresa é controlada pela Dubai World, uma estatal de investimentos que administra um amplo portfólio de negócios para o governo de Dubai. É possível traçar um paralelo com a atuação do Mubadala, fundo soberano de outro emirado, Abu Dhabi, cujos tentáculos também são globais e alcançam negócios que vão rodovias ao Burger King no Brasil.

DP World… Brasil

À semelhança do Mubadala, a DP teve de aprender a fazer negócios no Brasil em meio a uma grande crise do capitalismo nacional. A DP World tinha a Odebrecht como sócia do terminal no Porto de Santos e só tornou-se dona por inteiro do ativo em 2017, quando comprou a parte da empresa brasileira. A partir daí, o terminal passou a funcionar sob a bandeira DP World Brasil.

Em março de 2024, a DP Brasil e a Rumo – braço de logística do grupo Cosan – anunciaram um acordo para a construção de um novo terminal no Porto de Santos que será usado para exportar grãos e importar fertilizantes.

A nova estrutura vai demandar R$ 2,5 bilhões em investimentos que sairão dos bolsos da Rumo, enquanto a DP Brasil será a operadora exclusiva do complexo em um contrato que tem validade para 30 anos. O complexo deverá movimentar, por ano, nove milhões de toneladas de grãos e 3,5 milhões de toneladas de fertilizantes.

O acordo com a Rumo não foi o primeiro da DP com uma grande empresa brasileira. Em 2017, a Suzano fechou contrato de 25 anos para exportar celulose a partir da estrutura da DP Brasil em Santos. O acordo exigiu investimentos bilionários e marcou a transformação do complexo, até então especializado na movimentação de cargas finalizadas, transportadas em contêineres, em vez de matérias-primas, que exigem outra gama de equipamentos.

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Hoje, a DP Brasil movimenta cinco milhões de toneladas de celulose da Suzano em Santos e tem feito novos investimentos para ampliar a capacidade do terminal no transporte de contêineres – ao custo de R$ 450 milhões.

A diversificação de serviços faz parte da transformação global da própria DP nos últimos anos. A companhia comprou mundo afora empresas de logística que atuam em outras etapas do transporte de mercadorias, algumas com atuação regional, outras com atuação global. A americana Syncreon foi comprada em 2021 por US$ 1,2 bilhão, reforçando a presença da estatal de Dubai no mercado de cadeias de suprimentos complexas.

Agora, a DP Brasil se prepara para novos projetos e está de olho no leilão do Porto de Itajaí (SC), que deve acontecer no ano que vem. A DP já tem um escritório na cidade e o CEO Fabio Siccherino disse que a empresa está mesmo interessada em tornar-se operadora do porto. A decisão final, porém, vai depender da modelagem do contrato oferecida pelo governo. O leilão deve acontecer em 2025.

A visão da DP é criar uma rede logística integrada que incorpore serviços de transporte interno, agenciamento de carga, desembaraço aduaneiro e entrega no destino final.

“Se a gente tem essa conectividade dos nossos terminais, por que não integrar tudo e oferecer algo mais competitivo? É nessa linha que a gente tem crescido e investido aqui no Brasil”

Fabio siccherino, ceo da dp world brasil

O sonho americano

Há 18 anos, a DP World sofreu um grande revés nos seus planos de atuação global. Era o início de 2006 e ela tinha comprado a britânica Peninsular & Oriental Steam Navigation. Com o negócio, ela se tornava a controladora de cinco terminais portuários na Costa Leste dos Estados Unidos.

Mas faltava combinar com os russos. Nesse caso, os congressistas americanos. Os ataques terroristas do 11 de Setembro tinham provocado uma onda anti-árabe, que perdurava. Um comitê da Câmara não queria que uma empresa estatal dos Emirados Árabes fosse proprietária de uma infraestrutura crítica no país. A pressão política forçou a empresa a se desfazer de seus ativos em território americano.

A Dubai Ports, então, focou no vizinho de cima dos EUA. No mesmo 2006, comprou a gestão de um terminal em Vancouver, no Canadá. Desde então, expandiu sua presença no país, focando principalmente em infraestrutura portuária.

Nos últimos meses, a DP olhou para o vizinho de baixo dos americanos. A empresa de Dubai intensificou o corpo-a-corpo com autoridades mexicanas e negocia com elas a instalação de um grande complexo industrial nos moldes da Zona Franca de Jebel Ali, que ajudou a consolidar a posição de Dubai como um centro global de comércio marítimo.

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O plano agora é aumentar a fatia do comércio com destino aos EUA “cercando” o país – ao norte, a partir das estruturas no Canadá, e ao sul, a partir do complexo no México. Uma vez dentro do território americano, as mercadorias passam por diversos centros de logística que a DP controla no país. A restrição só se dá mesmo na área de portos.

Pelo menos por enquanto. Ao The Wall Street Journal, o CEO da DP World, Ahmed bin Sulayem, disse que a empresa não desistiu dos portos americanos e que acredita que o sentimento em Washington é diferente do que era duas décadas atrás.

Mas aqui vai um destaque importante: a declaração de Sulayem ao jornal americano ocorreu alguns meses antes da vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos EUA. O republicano voltará à Casa Branca em janeiro de 2025 e, com ele, uma retórica nacionalista e protecionista que pode inviabilizar – ou no mínimo adiar – o sonho do porto americano próprio que há décadas a DP World acalenta.

(Colaborou Rikardy Tooge)

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Vai sobrar petróleo: os desafios para o futuro da Petrobras em cinco pontos https://investnews.com.br/negocios/com-o-petroleo-em-xeque-mundo-afora-petrobras-precisa-planejar-seu-futuro/ Tue, 05 Nov 2024 10:00:00 +0000 https://investnews.com.br/?p=627328

Para a Petrobras, manter o pagamento de gordos dividendos no longo prazo não será tarefa fácil.

Enquanto lida com o declínio na produção de petróleo em seus campos mais antigos e as dificuldades para prospectar e extrair o óleo de novas áreas, a empresa acompanha com lupa os debates sobre a demanda futura por combustíveis fósseis.

Hoje, a Petrobras está comprometida em revitalizar áreas maduras na Bacia de Campos e também e tenta provar ao Ibama que é possível extrair petróleo na foz do rio Amazonas de forma segura e ambientalmente responsável. Cada gota conta, mas o custo de buscar petróleo não é nada desprezível – no último ciclo de investimentos, a Bacia de Campos drenou US$ 22 bilhões.

As decisões de onde, quando e quanto investir em novos campos serão tomadas em meio a um cenário complexo. De um lado, a transição para fontes renováveis trabalha contra a demanda futura. Idem para as perspectivas menos otimistas de crescimento global e a produção rampante em países de fora da Opep, como os EUA, que enchem os estoques.

De outro, o risco de uma escalada bélica no Oriente Médio estimula investimentos na produção em áreas menos explosivas.

Por conta de tudo isso, é cada vez mais desafiador adivinhar qual será a variável mais importante para os investimentos em produção: o preço do barril nos próximos anos.

Felizmente, este é um dos trabalhos do Banco Mundial. Ele prevê que em 2025 a produção global de petróleo será maior do que a demanda em 1,2 milhão de barris por dia, um descompasso muito raro: nos últimos 30 anos, só aconteceu em 2020, no pico da pandemia, e em 1998, como consequência da crise financeira asiática.

Os argumentos do Banco Mundial são os três primeiros dos cinco listados abaixo – que compõem o conturbado plano de fundo no qual a Petrobras e seus investidores estão de olho:

1) É petróleo que não acaba mais

A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) pode muito, mas não pode tudo.

Embora o cartel venha segurando como pode a produção, nações que não fazem parte do grupo continuam extraindo mais e mais óleo, com destaque para a Guiana – que compartilha com o Brasil a Margem a Equatorial – e para os Estados Unidos. A maior economia do mundo, aliás, é também quem mais produz petróleo, quebrando recorde após recorde nos últimos anos.

2) Carro na tomada

O mercado automobilístico da China tem um papel importante na demanda global por petróleo. Sendo o maior do mundo, o rápido processo de eletrificação da frota chinesa exerce uma pressão negativa nos preços da commodity. Em 2021, elétricos e híbridos representavam 7% dos carros vendidos no país. Em julho de 2024, pela primeira vez, mais da metade dos novos carros eram desses tipos.

Nos Estados Unidos, segundo maior mercado de carros, elétricos e híbridos foram 18% das vendas no mesmo mês. No Brasil, onde o fenômeno é recente, eles ainda representam 7%. Mas o crescimento é veloz. No ano passado, eram só 4%.

3) Crescimento menor

Economia crescendo menos significa uma diminuição da necessidade de petróleo. E esse tende a ser o cenário nos próximos anos.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) espera um crescimento global médio de 3,1% ao ano daqui até 2029, o menor em décadas. A China também é protagonista desse processo e a perda de ritmo na economia chinesa deve afetar também o crescimento de países da América Latina. A Europa é outra região cujos países ficam entre o crescimento lento e a estagnação econômica.

Essas são as bases da projeção do Banco Mundial. Mas sabe como é: treino é treino, jogo é jogo… E o jogo da economia mundial neste momento está movimentado pelo Oriente Médio. O que nos leva ao próximo fator que pode chacoalhar a cotação do barril.

4) Notícias da guerra

O risco de o conflito do Oriente Médio escalar para uma guerra mais abrangente e que possa incluir grandes produtores globais de petróleo, como o Irã, também compõe o quadro global da commodity. Recentemente, subiu a tensão entre Israel e Irã, e especialistas tem destacado a possibilidade de ataques de Israel a poços de petróleo iranianos.

Convém lembrar que a Rússia ocupa o número dois no ranking dos países produtores e segue há dois anos e meio em guerra com a Ucrânia.

Até aqui, nem o conflito no Oriente Médio e nem a guerra no Leste Europeu fizeram os preços do petróleo disparar por longos períodos, mas possíveis interrupções no fornecimento de petróleo também fazem parte da análise.

5) A IA e o gás natural

Embora ainda seja um assunto um tanto abstrato para muita gente, a inteligência artificial já virou um desafio energético. E dos grandes. Para processar a montanha de dados que são as bases dos grandes modelos de linguagem (LLMs) da IA generativa, os data centers gastam uma quantidade absurda de energia.

Absurda mesmo. Em 2022, os data centers consumiram 3% da energia do planeta. Mas isso foi antes da explosão da IA. E um data center dedicado a LLMs consome de cinco a dez vezes mais energia que um “normal”. Faça as contas, considerando que a tendência é a construção de mais e mais data centers, conforme a IA vá se entranhando em nossos celulares, e nas nossas vidas.

Isso se transformou em um problema de relações públicas para as big techs, inclusive. Porque nos últimos anos elas assumiram compromissos ousados para reduzir a emissão de gás carbônico relacionada às suas atividades.

A explosão na demanda por energia protagonizada por Google, Amazon, Microsoft e companhia deu até uma nova vida aos debates sobre a energia nuclear – já que, apesar dos perigos, as usinas movidas a urânio providenciam energia de forma ininterrupta sem emitir gases estufa. Mas o fato é que o grosso da energia mundo afora segue dependendo de combustíveis fósseis. E o Google, por exemplo, aumentou em 48% suas emissões.

O petróleo é irrelevante para a produção de energia elétrica. O combustível fóssil que reina aí é outro: o gás natural – nos EUA, ele responde por 43% da matriz.

A Petrobras extrai muito gás natural – ele é um subproduto da dos poços de petróleo. Mas a companhia devolve a metade para o subsolo, pois custa caro canalizar o gás lá das plataformas martímas para a terra firme. Num cenário de valorização extrema do gás natural, talvez faça sentido a Petrobras investir nesse tipo de estrutura – e temos aí mais uma peça para o quebra-cabeças.

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‘Onde vai passar o jogo?’: a disputa entre Faria Lima, Globo e YouTube pelo futebol brasileiro https://investnews.com.br/negocios/onde-vai-passar-o-jogo-a-disputa-entre-faria-lima-globo-e-youtube-pelo-futebol-brasileiro/ Thu, 31 Oct 2024 10:00:00 +0000 https://investnews.com.br/?p=625145

Não vai ser simples assistir aos jogos do seu time no Campeonato Brasileiro de 2025. No de 2024, agora, ele sempre está em algum canal da Globo – ou no da TV aberta, ou no Sportv ou no Premiere. No ano que vem, o leque amplia para além do Grupo Globo. Alguns jogos vão estar na Record. Para ver outros, será necessário ir ao YouTube e acessar a CazéTV. Para mais outros, só no streaming da Amazon Prime Video mesmo.

Essa multiplicação de transmissões é reflexo de grandes mudanças na política interna dos times brasileiros – e também no mercado de mídia do país.

Nas últimas décadas, foram poucas as vezes em que a Globo viu ameaçado o seu domínio nas transmissões esportivas – se é que isso de fato chegou a acontecer. Houve derrotas pontuais, como quando a Record transmitiu com exclusividade os Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, mas o combo TV Globo+canais Sportv+Premiere sempre foi difícil de bater.

Os times preferiam a Globo, os anunciantes também. E o torcedor se acostumou a sintonizar no plim-plim na hora de ver os jogos – e também a resmungar quando a emissora não exibia a partida do seu time.

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Mas o mundo mudou, e o futebol brasileiro rachou. As duas ligas que congregam os principais clubes do Brasil, Libra e LFU, dizem trabalhar pela criação de um único bloco de times, mas o momento é de consolidação em torno dos dois pólos que elas representam – uma divisão fortalecida pela disputa comercial entre grupos de mídia e pela influência crescente do mercado financeiro no futebol do Brasil.

Libra e LFU são resultado direto da Lei do Mandante, aprovada em 2021, no governo Bolsonaro. A legislação mudou a lógica dos direitos de transmissão ao estabelecer que só o clube mandante, o que tem os chamados “direitos de arena”, pode negociar a veiculação de uma partida. Antes da Lei do Mandante, a negociação precisava envolver também o time visitante.

A emissora acertava os direitos de transmissão com os times grandes. Para os pequenos, era pegar ou largar. Ou aceitavam qualquer valor, ou o jogo não seria transmitido e eles não receberiam nada.

A nova regra “empoderou” o mandante – mesmo se o time fosse pequeno, a negociação toda teria de ser feita com ele. Isso abriu o mercado. Obrigou as grandes empresas de mídia a se preocuparem com as demandas dos times menores se quisessem garantir pacotes de jogos com valor comercial. Na prática, desafiou o controle que a Globo exerceu por décadas na transmissão de jogos dos times brasileiros.

Ilustração: João Brito

A Lei do Mandante também foi aprovada em meio a uma grande revisão de gastos do Grupo Globo. Os investimentos no streaming Globoplay drenaram parte dos recursos que iriam para a TV, os valores dos direitos de transmissão inflacionaram na década anterior por conta do aumento da concorrência – RecordTV e Esporte Interativo, que tinha sido comprados pela Turner, entraram nas disputas.

A Globo foi obrigada a escolher melhor o que comprar.

Libra, a aliada da Globo

Para usar a linguagem da política, dá para dizer que a Liga do Futebol Brasileiro, a Libra, é a situação, o lado conservador.

Ela é formada por 12 clubes das séries A, B e C. Dos dez times de maior torcida do país, seis estão na Libra: Flamengo, Palmeiras, São Paulo, Grêmio, Atlético-MG e Santos – e isso não é coincidência.

Em linhas gerais, a Libra é formada basicamente por times que estavam contentes antes de a Lei do Mandante entrar em vigor. São os times que escolheram ficar com a Globo.

Na proposta da emissora, afinal, a remuneração pelos direitos de transmissão passa por uma fórmula que dá mais peso – isto é, mais dinheiro – às equipes cujas partidas atraem mais audiência.

O acordo entre a Libra e o Grupo Globo inclui os direitos de transmissão do Brasileirão entre 2025 e 2029. Envolve a exclusividade na transmissão dos jogos cujos times da Libra forem mandantes, seja na TV aberta, na TV fechada, no streaming e/ou no pay-per-view.

Por este pacote, a Globo deverá pagar R$ 1,17 bilhão, 11% a menos do que o previsto quando o Corinthians estava na Libra – em julho, o alvinegro “virou a casaca” e fechou com a LFU.

Segundo o jornal Lance!, o acordo da Globo com a Libra segue os seguintes termos:

  • 40% distribuídos igualmente entre os times;
  • 30% pagos conforme o desempenho da equipe no Brasileirão;
  • 30% pagos conforme a audiência dos jogos.

As equipes da Libra ainda deverão receber 40% do faturamento com o pay-per-view, o que deve significar por volta de R$ 200 milhões ao ano para os times da Libra.

Antes de acertar com a Globo, a Libra sentou para conversar também com representantes da Mubadala Capital, gestora que representa os interesses de um fundo soberano homônimo dos Emirados Árabes. A Mubadala queria ser dona dos direitos de transmissão dos clubes da Libra pelo período de 25 anos, uma abordagem em linha com perfil agressivo da gestora.

As negociações com os árabes não avançaram, mas mostram como o mercado financeiro está de olho nos clubes de futebol do Brasil e para além dos investimentos feitos nos times que aderiram ao modelo da Sociedade Anônima de Futebol (SAF).

Ilustração: João Brito

LFU, a desafiante

De volta à metáfora da política institucional, a Liga Forte União (LFU) pode ser vista como a oposição. Nascida da junção de duas associações, a LFU congrega os descontentes do futebol brasileiro, times cujos presidentes argumentam que a divisão do bolo dos direitos de transmissão nos moldes do que a Globo vem fazendo aprofunda a desigualdade entre os clubes do país.

E não é pouco descontentamento. A LFU é composta por 32 clubes brasileiros das séries A, B e C do Campeonato Brasileiro. Entre eles, Vasco, Fluminense, Botafogo, Cruzeiro, Fortaleza, Sport e o já citado Corinthians.

A insatisfação desses clubes foi mais facilmente canalizada para a liga desafiante depois que a Faria Lima entrou na história. A XP Investimentos viu no racha entre as equipes uma oportunidade para aumentar sua influência no mercado de futebol do Brasil.

A XP tornou-se quase uma organizadora da LFU, atuando como consultora financeira e ajudando a financiar os clubes por meio da criação de um fundo voltado para a gestão dos direitos de transmissão, em parceria com a gestora Life Capital Partners (LCP).

Foi justamente a possibilidade de dinheiro extra que fez o Corinthians trocar a Libra pela LFU. Apesar de ter a segunda maior torcida do Brasil e estar baseado no maior mercado publicitário do país, o time passa por uma grave crise financeira e foi seduzido pela antecipação de R$ 150 milhões por meio de um empréstimo concedido pela XP.

Ao todo, até 2029, o Corinthians pode receber R$ 1,6 bilhão por fazer parte de LFU.

Entre 2025 e 2027, os times da LFU terão seus jogos do Campeonato Brasileiro transmitidos pela Record na TV aberta, pela Amazon Prime Video no streaming e pela CazéTV no YouTube – a plataforma do Google comprou os direitos de transmissão e os fará valer no canal de Casimiro Miguel porque tem uma parceria com a LiveMode, uma das donas da CazéTV.

Esse bloco de mídia encarna o desafio à hegemonia da Globo nas transmissões do futebol brasileiro. Essas empresas poderão transmitir um jogo por rodada. Record e CazéTV passarão o mesmo jogo; a Amazon, outro. A preferência de escolha será revezada entre elas. Tipo: se “na vez delas” Record e CazéTV decidirem por uma partida do Corinthians, a Amazon terá de transmitir outro jogo; e vice-versa.

Também existe a possibilidade, ainda em negociação, de os times dessa liga terem jogos transmitidos pelo Premiere – o pay-per-view da Globo.

Em relação ao dinheiro, a divisão na LFU se dará da seguinte forma:

  • 45% distribuídos igualmente entre os times;
  • 30% pagos conforme o desempenho da equipe;
  • 25% pagos conforme a audiência dos jogos.

LiveMode, Record, YouTube e Amazon não revelam os valores envolvidos nas negociações dos direitos de transmissão.

Faria Lima entra em campo

A presença de XP e Mubadala nas negociações que envolvem os direitos são mostra do interesse da Faria Lima no futebol brasileiro. A própria XP tem um fundo de private equity que investe na LiveMode.

Além da parceria com o YouTube que vai permitir a transmissão dos jogos pela CazéTV, aliás, a LiveMode também representa os interesses dos times da LFU na venda dos direitos de transmissão em diferentes campeonatos.

Outra empresa do mercado financeiro que investiu na LiveMode é a General Atlantic, que tem atuação global e administra US$ 83 bilhões em ativos (R$ 470 bilhões).

Recentemente, BTG Pactual, Itaú e outras gestoras engrossaram a lista de faria limers simpáticos às chuteiras.

O BTG estruturou um financiamento de R$ 165 milhões para o Vasco que, no limite, poderá fazer do banco de investimentos o controlador da SAF do time carioca. O Itaú anunciou a criação de uma estrutura para investimentos em esportes a ser comandada por Guilherme Ávila, que foi responsável por essa área na XP Investimentos.

As gestoras Outfield e Galápagos Capital criaram um fundo de investimento em direitos creditórios (FIDIC) de R$ 240 milhões para o São Paulo Futebol Clube, como parte da estratégia do time para reestruturação de sua dívida bancária.

A força da grana entrou em campo. Agora é ver se o jogo flui.

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AI Studio: a poderosa inteligência artificial do Google que pouca gente está usando https://investnews.com.br/tecnologia/ai-studio-a-poderosa-inteligencia-artificial-do-google-que-pouca-gente-esta-usando/ Wed, 30 Oct 2024 11:35:41 +0000 https://investnews.com.br/?p=626203

O Google está decidido a fazer do seu Gemini a inteligência artificial generativa mais pop do mundo, destronando o ChatGPT. Parte desses esforços está concentrada no Google AI Studio, uma ferramenta que a big tech oferece gratuitamente e cujas capacidades excedem às do GPT – inclusive às das versões que só os assinantes da ferramenta da OpenAI têm acesso por enquanto.

O papo é meio nerd, mas é bem simples: no ChatGPT, o usuário dispõe de quatro mil pedacinhos de texto que são usadas pela IA na hora de identificar um comando (input) e produzir um resultado (output). São os chamados tokens. No caso do Google IA Studio, o usuário pode alimentar a ferramenta com muito mais informações antes de pedir um retorno: são 2 milhões de tokens.

LEIA MAIS: O ChatGPT agora tem voz. E essa é a verdadeira revolução da inteligência artificial

Se no ChatGPT você pode subir a transcrição de uma vídeo do YouTube e brincar com a plataforma a partir dele, no Google AI Studio você pode subir a transcrição de todos os diálogos de uma temporada inteira de Dowton Abbey e pedir para a IA destacar todas as vezes que um personagem foi irônico. É muito mais contexto.

O Google AI Studio foi feito pensando nas necessidades dos profissionais dispostos a usar a ferramenta para criar funcionalidades e desenvolver aplicações que usem o Gemini – o GPT do Google – sob o capô, explica Pedro Burgos, consultor em inteligência artificial e apresentador deste episódio de “IA: Modo de Usar”.

“Mas o legal é que o Google disponibiliza pra qualquer um que quiser experimentar com funcionalidades mais avançadas”, pontua.

Gemini; Google; Welcome to Gemini era
Foto: Adobe Stock Photo

Com tanta capacidade de processamento, você pode gravar a tela do seu celular e rolar uma longa conversa daquele grupo do WhatsApp que te dá preguiça de ler – esse mesmo aí que você pensou. Aí basta subir o vídeo no Google IA Studio e soltar o comando: “liste todos os tópicos que foram conversados no grupo. Coloque um resumo do que foi conversado, quantas mensagens foram trocadas sobre aquele assunto, e quem participou da conversa”. Imagina o tempo que dá pra economizar com isso.

No vídeo que abre esta matéria, Burgos explica como acessar e como usar a ferramenta do Google, além de dar mais exemplos de como o usuário comum – aquele que não é um desenvolvedor de aplicativos – pode se beneficiar da plataforma.

Para usar, basta ter uma conta Google.

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O ChatGPT agora tem voz. E essa é a verdadeira revolução da inteligência artificial https://investnews.com.br/tecnologia/inteligencia-artificial/o-chatgpt-agora-entende-ate-o-seu-tom-de-voz-e-essa-e-a-verdadeira-revolucao-da-ia/ Wed, 16 Oct 2024 14:00:00 +0000 https://investnews.com.br/?p=622419

Olha quem está falando agora!

Dois anos depois de popularizar o conceito de inteligência artificial – pelo menos entre os entusiastas de tecnologia –, o ChatGPT pode finalmente fazer o resto do mundo começar a entender a IA.

O modo de voz avançado do ChatGPT chegou a usuários do Brasil há algumas semanas – e falando em português do Brasil. Agora, extrair o potencial do robozinho mais famoso do mundo não é privilégio dos “senhores dos prompts“: é tão simples quanto falar.

Falar mesmo, trocar ideia, bater um lero, prosear. Com o novo módulo, o ChatGPT tornou-se um agente digital que mimetiza com competência a comunicação oral humana. É uma notável evolução quando se compara à função de voz anterior.

O modo de voz avançado tem mais fluência, mostra que o GPT agora é capaz de ler contextos, responde com nuances e tem habilidade até para captar sutilezas sofisticadas da fala. Ainda incorpora tudo isso à sua memória infinita, o que, com o tempo, gera uma personalização bem interessante.

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Usar a IA mais quente do momento significou até aqui colocar em prática as habilidades da escrita, o que constitui um desafio enorme para muitas pessoas, especialmente no Brasil. Se você troca e-mails com frequência, sabe do que estou falando.

Em junho, o CEO da Meta, Mark Zuckerberg, disse que o usuário brasileiro usa quatro vezes mais a função de mensagens de voz no WhatsApp do que o resto do mundo. Quatro vezes mais. Somos um povo falante e que, por questões históricas conhecidas, excluiu a maior parte de sua população do processo de alfabetização mais complexo.

O profundo abismo educacional no Brasil significou também deixar a inteligência artificial fora do alcance da maioria. A possibilidade de falar com a IA representa potencial de inclusão. Uma IA que domina a linguagem falada é capaz de se conectar com seus usuários em níveis muito mais avançados do que uma que simplesmente troca mensagens com eles.

Custos e funcionalidades

Para quem se dispõe a pagar os US$ 20 mensais pela versão Plus, está garantida até uma hora diária de resenha com o ChatGPT. Quem usa a versão gratuita tem acesso a só 15 minutos por mês da funcionalidade, o que limita significativamente o alcance da ferramenta.

Assinante da versão paga, ativei a nova função para organizar as ideias que fundamentam este texto e aproveitei para questionar sobre as nada triviais 20 doletas.

“Quanto à questão do custo, é verdade que ainda é uma barreira, mas com o tempo, como ocorre com muitas tecnologias, o preço pode se tornar mais acessível, permitindo uma adoção ainda mais ampla.”

Modo de voz avançado do chatgpt do autor do texto

Otimista, não? Vamos torcer.

No episódio de IA: Modo de Usar que abre este texto, o especialista em IA Pedro Burgos faz uma demonstração sobre o modo avançado do GPT. Logo no comecinho do vídeo, você vai ver que é possível pedir para o produto da OpenAI mudar até o tom das respostas – no caso, Burgos se frustrou com uma explicação algo óbvia e tecnicista e pediu mais ânimo para a ferramenta, que imediatamente mudou de vibe.

LEIA MAIS: Você não precisa ser ‘o cara da TI’ para usar o ChatGPT como um cientista de dados

Parece uma coisa boba, mas essa capacidade de alterar a própria comunicação e imitar a emoção humana é a base do potencial revolucionário da nova função. É muito mais fácil engajar com o “novo GPT” porque ele realmente parece um humano falando, é bem parecido com uma ligação telefônica. Ele reage ao tom do usuário e “raciocina” enquanto fala, destaca Burgos.

É uma conversa, não a frustrante experiência de tentar acertar o comando da Alexa. E isso faz toda a diferença para a parte da humanidade que não está interessada em entender o conceito de “prompt“.

As funcionalidades são quase infinitas, e algumas delas estão demonstradas no vídeo. Praticar novos idiomas, se preparar para uma entrevista de emprego, treinar para uma apresentação no trabalho, ter um guia culinário enquanto cozinha, fazer meditação. Dá até para cantar para a IA e pedir dicas sobre como melhorar a técnica vocal – sim, eu testei essa função enquanto escrevia este texto e ganhei conselhos sobre dicção e projeção da voz.

Karaokê, me aguarde.

A imagem mostra a silhueta preta de uma pessoa de perfil, segurando um celular próximo à boca, com ondas sonoras brancas no fundo azul saturado.
Foto: Getty Images/ Mensent Photography

Agora, vamos às limitações – e aos avisos

Se a conexão homem-máquina é facilitada por meio da voz, fica também mais fácil usar errado o novo modo de voz do ChatGPT.

Na “entrevista” com a nova ferramenta que baseou parte deste texto, o GPT alerta sobre o risco de uma ligação emocional que torne o usuário dependente do modo de voz avançado para tomar decisões ou para a validação pessoal. Ele reconheceu também o risco de uma humanização excessiva da ferramenta que leve o usuário a negligenciar relações verdadeiramente humanas.

Lembre-se: o ChatGPT parece seu amigo. E conversar com ele num tom amistoso pode tornar a experiência de uso mais agradável e produtiva, mas ele não é seu amigo – simplesmente porque ele é, na verdade, um complexíssimo modelo matemático que usa seus cálculos para saber como uma palavra costuma se ligar à outra no idioma em que está sendo usado.

É estranho escrever isso, mas realmente chegamos a esse ponto: é feito para parecer uma pessoa, é útil que pareça ser uma pessoa, mas a IA não é uma pessoa.

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O modelo de linguagem também tem suas limitações. As informações usadas no treinamento do modo de voz avançado do ChatGPT vão até o mês de outubro de 2023. Isso significa que ele não sabe a previsão do tempo de amanhã ou o resultado do último jogo entre São Paulo e Corinthians.

Conversas muito longas ou contextos muito complexos também são um problema para a ferramenta e podem gerar respostas desconexas ou incompletas. E, como é possível em toda IA, há riscos de incorreções, alucinações, inadequações ou vieses.

Os programadores têm todo o interesse do mundo – financeiro, claro – para que o ChatGPT seja o mais neutro possível e não se sinta à vontade para opinar sobre temas polêmicos, mas como isso não vale para as informações que serviram de base para o seu treinamento, todas essas coisas são possíveis. Com o tempo, atualizações tendem a diminuir o problema.

E mais um alerta: a OpenAI diz que o modo avançado de voz às vezes pode sofrer um pouco para entender afirmações irônicas. O poeta Oscar Wilde já disse que “o sarcasmo é a mais baixa forma de humor, mas a mais elevada forma de inteligência”.

Pelo menos por enquanto, a humanidade está a salvo.

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Crise da Enel frustra estratégia de Lula e vira revés na relação entre Brasil e Itália https://investnews.com.br/economia/crise-da-enel-frustra-estrategia-de-lula-e-vira-reves-na-relacao-entre-brasil-e-italia/ Tue, 15 Oct 2024 10:00:00 +0000 https://investnews.com.br/?p=622071
O CEO da Enel, Flavio Cattaneo, apresenta planos de investimentos no Brasil ao presidente Lula em reunião do G7, em junho de 2024

Crédito: Divulgação/Enel

“O G7 foi uma oportunidade para selar uma renovada relação de confiança entre a Enel e o Brasil, como mostraram os encontros ocorridos neste sábado”. Foi assim que a Enel noticiou em seu site as reuniões ocorridas em 15 de junho na região de Puglia – o “salto da bota” no mapa da Itália.

O Brasil não faz parte do G7 – o “clube dos países ricos” é composto por Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos –, mas foi especialmente convidado pela Itália, anfitriã do encontro.

Como a Enel é uma empresa de capital misto cujo controle está nas mãos do governo italiano – ou seja, funciona na prática como extensão do poder e dos interesses do Estado –, o resort Borgo Egnazia virou o lugar ideal para tentar desbotar a memória do apagão que deixou milhões de paulistas no escuro em novembro de 2023. Daquela vez, a Enel levou seis longos dias para restaurar completamente os serviços de distribuição de energia elétrica na Grande São Paulo.

Depois de se reunir com Giorgia Meloni, a primeira-ministra da Itália, o presidente Lula conversou com o CEO da Enel, Flavio Cattaneo. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, também participou do encontro.

Pelo menos ali, o corpo a corpo da estatal italiana pareceu ter funcionado: depois de prometer R$ 20 bilhões em investimentos no Brasil até 2026, último ano do governo Lula, o chefão da distribuidora de energia ouviu do presidente brasileiro que o governo federal estaria disposto a renovar os acordos de concessão, segundo noticiou a imprensa italiana. O contrato da Enel em São Paulo vai até 2028.

Da esquerda para a direita: Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia, Giorgia Meloni, primeira-ministra da Itália, Lula, presidente do Brasil, e Flavio Cattaneo, CEO da Enel

Créditos: Divulgação/Enel

Além dos R$ 20 bilhões, a Enel prometeu que “não haverá mais apagão em nenhum lugar em que eles forem responsáveis pela energia”, afirmou Lula (a Enel também tem contratos de distribuição no Ceará e no Rio de Janeiro).

“Então vamos saber se vamos resolver esse problema energético, porque a gente não pode permitir que a capital mais importante do Brasil fique sem energia.”

presidente Lula

Mas a gente permitiu.

Um temporal na Grande São Paulo ocorrido na última sexta-feira (11) expôs novamente a fragilidade da rede elétrica no coração econômico do Brasil. 2,6 milhões de pessoas ficaram sem energia logo na sequência. Enquanto este texto era escrito, no começo da noite de segunda-feira (14), 400 mil imóveis ainda estavam sem luz, a Enel evitava cravar uma data para a normalização dos serviços e políticos das duas pontas do espectro ideológico estão fazendo de tudo para se afastar da Enel.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, acusou de leniência a Agência Nacional de Energia Elétrica, a quem cabe regulamentar o setor no país – a Aneel está vinculada ao governo federal por meio do Ministério de Minas e Energia. O ministro Silveira, do MME, rebateu dizendo que a diretoria atual da Aneel foi formada no governo Bolsonaro, do qual Tarcísio fez parte. Tanto um quanto o outro começaram a falar em dar fim à concessão da Enel em São Paulo.

Algumas horas antes do temporal, e de encampar a revogação do contrato, Alexandre Silveira falava em renovar a concessão da Enel. E o fez participando de um evento com políticos e empresários em Roma, organizado pelo Esfera Brasil. No mesmo painel do ministro, estava o executivo da Enel Alberto de Paoli, cujo título na empresa é de “diretor do resto do mundo” – sim, o nome do cargo é esse mesmo.

Mas a revogação da concessão pode acontecer de fato?

Revogando uma concessão

Dar fim a uma concessão não é algo trivial. A Aneel já intimou a Enel a prestar esclarecimentos e ameaçou abrir um processo de recomendação da caducidade junto ao Ministério de Minas e Energia. O MME deu nesta sexta-feira um prazo de três dias para que a Enel restaure a energia, mas não disse o que vai acontecer se houver descumprimento.

Nunca houve no Brasil um processo que tenha levado à caducidade de um contrato de distribuição de energia, que precisaria ser aberto pela Aneel e, para ser efetivo, teria de ser assinado pelo ministério.

O Ministro de Minas e Energia Alexandre Silveira

REUTERS/Adriano Machado

Mas o caminho para chegar provavelmente seria tortuoso. O processo de caducidade precisa ser bem fundamentado tecnicamente, afinal o objetivo é atestar se a concessionária de fato atendeu ou não os requisitos do contrato de concessão. Também há outras punições possíveis, mais leves, como multas.

E tudo pode ser judicializado – até as multas. Por conta do apagão de novembro de 2023, a Aneel aplicou duas penalidades à Enel que somam R$ 260 milhões. Nada foi pago, porque as multas foram suspensas pela Justiça.

Passado complicado

Prova de que dar fim a uma concessão ainda em andamento não é das coisas mais fáceis é o histórico da própria Enel no Estado de Goiás.

A distribuidora foi praticamente enxotada pelo governador Ronaldo Caiado, que entre 2018 e 2022 conviveu com sucessivas crises no fornecimento de energia. Apagões geraram prejuízos a produtores rurais e geraram revolta. Em 2021, produtores despejaram leite estragado em frente à unidade da Enel em Palmeira de Goiás como protesto pelas quedas de energia que impediam a necessária refrigeração do leite.

Sob pressão, a Enel vendeu por R$ 1,6 bilhão a unidade goiana, que em janeiro de 2023 passou a ter a brasileira Equatorial como concessionária.

O desfecho foi comemorado por Caiado, mas a nova distribuidora ficou em último lugar no ranking de serviços prestados ao consumidor em 2023 entre as concessionárias de grande porte que atuam no Brasil. A lista é divulgada anualmente pela Aneel e leva em consideração a duração e a frequência de interrupções da energia elétrica – a Enel-SP está em 21º lugar na lista, que tem 29 posições.

A Enel

Com quase US$ 80 bilhões em valor de mercado, a Enel é a segunda empresa mais valiosa da Itália. Só está atrás da Ferrari, que vale US$ 5 bilhões a mais. E está presente em 28 países, de todos os continentes.

A empresa foi fundada em 1962 pelo governo italiano como fruto de um projeto de unificação de toda a estrutura elétrica do país, juntando sob uma só entidade a geração, a transmissão e a distribuição de energia.

Embora seja hoje uma companhia de capital aberto, o Ministério da Economia da Itália tem 23,6% das ações da Enel e controla a companhia. É uma espécie de Petrobras deles. A petroleira vale US$ 92 bilhões, um patamar parecido com o da italiana, e tem 36% das suas ações nas mãos do governo brasileiro.

Sede da Enel na Itália 5/02/2020 REUTERS/Flavio Lo Scalzo

Com a crise de imagem no Brasil, mesmo que não haja a caducidade da concessão em São Paulo, a renovação do contrato, que se encerra em 2028, está sob risco. E o governo italiano pode usar novamente seu peso geopolítico para tentar ajudar a empresa.

A Itália tem sido ativa na longa disputa judicial que envolve a empresa ítalo-argentina Ternium e a brasileira CSN em relação à Usiminas, uma briga que já dura mais de 10 ano e inclui mais de R$ 5 bilhões em multas e em honorários advocatícios.

Na semana passada, o vice-primeiro ministro da Itália, Antonio Tajani, se reuniu com o ministro-chefe da Casa Civil Rui Costa para falar do imbróglio jurídico, que agora está com o Supremo Tribunal Federal (STF).

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A Pfizer foi incrível contra a Covid, mas ela precisa de um Ozempic para chamar de seu https://investnews.com.br/negocios/a-pfizer-foi-incrivel-contra-a-covid-mas-ela-precisa-de-um-ozempic-para-chamar-de-seu/ Mon, 14 Oct 2024 10:00:00 +0000 https://investnews.com.br/?p=620984 Pfizer/Reuters
09/11/2020 REUTERS/Dado Ruvic/Foto ilustrativa

Ajudar a salvar o mundo da Covid não foi suficiente. Dois anos depois de chegar aos US$ 100 bilhões de faturamento e de se tornar a primeira farmacêutica a fabricar em escala global uma vacina de RNA mensageiro, a Pfizer acumula apostas frustradas, vê concorrentes muito à frente na corrida pelas drogas de emagrecimento e tenta desesperadamente cortar custos para controlar sua enorme dívida.

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Fragilizada, a empresa de 175 anos tornou-se alvo de investidores acostumados a chacoalhar as estruturas das empresas nas quais fazem seus aportes. Neste caso, por US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5,62 bilhões, ou 0,6% do valor de mercado da Pfizer), o fundo ativista Starboard Value conquistou o espaço para pressionar o CEO Albert Bourla e questionar suas decisões recentes.

As ações da Pfizer valem hoje praticamente metade do que valiam no fim de 2021, quando o preço de cada papel chegou na casa dos US$ 60. O desempenho das ações está muito abaixo do S&P 500 e de concorrentes como Eli Lilly e Novo Nordisk, que protagonizam a popularização de remédios para o emagrecimento.

Quem tem medo da Starboard?

Fundo ou investidor ativista não tem nada a ver com ativismo político ou ambiental – pode até acontecer, mas não costuma ser o caso. A estratégia da Starboard é “investir em empresas profundamente desvalorizadas e se envolver com os times de gestão e com o conselho de diretores para destravar valor em benefício dos acionistas”, resume o site da gestora.

Em outras palavras, a Starboard faz aportes em empresas que passam por dificuldades e usa a influência advinda dessa participação para fazer uma “faxina” interna na empresa. O objetivo – surpresa! – é fazer o valor da ação subir e realizar o lucro da operação.

Embora menos comum por aqui, essa estratégia também existe no Brasil. Gestoras como a Tarpon Capital e a Esh Capital ganharam as manchetes por seus investimentos ativistas em empresas como a BRF e a Gafisa, respectivamente.

Mas a estratégia da Starboard para a Pfizer ainda permanece um mistério. O endividamento da farmacêutica disparou de US$ 36,2 bilhões em março de 2023 para US$ 69,9 bilhões um ano depois, fruto de investimentos em Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) e de uma agressiva política de aquisições em marcha desde 2020 – Arena, Biohaven, Global Blood e Seagen foram parar no carrinho de compras da Pfizer no período, sendo esta última uma aquisição que custou US$ 43 bilhões.

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O endividamento limita o espaço para alguma grande compra capaz de redefinir o futuro da empresa. Endividar-se ainda mais simplesmente seria muito perigoso.

O playbook de gestoras como a Starboard costuma incluir a degola do CEO. Albert Bourla não é exatamente o queridinho dos investidores da Pfizer – afinal, as ações da farmacêutica estão caindo 30% nos últimos dois anos. Mas a big pharma tem suas idiossincrasias: fazer de Bourla um bode expiatório agora pode não surtir efeito no longo prazo, uma vez que o desenvolvimento de novos produtos leva tempo.

Além disso, o alto endividamento da Pfizer significa que a empresa conta com seu próprio departamento de P&D para expandir o portfólio – uma demorada obra da qual Bourla é o arquiteto.

O CEO da Pfizer, Albert Bourla, em painel do Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça. 18/01/2024 Créditos: Stefan Wermuth/Bloomberg

Aumentar a venda dos produtos também não é nada fácil. Novos medicamentos levam anos para chegar às gôndolas das farmácias ou às listas de compras de governos. Que tal cortar custos? Sempre é possível, mas a Pfizer já está fazendo isso: seus dois programas de redução de gastos atualmente em andamento miram uma economia de US$ 4 bilhões e já levaram a centenas de demissões.

Emagrecimento

O que a Starboard pode fazer, então? Entre as hipóteses levantadas por especialistas estão desinvestimentos de certos produtos hospitalares, venda da participação da Pfizer na empresa Haleon – dona de marcas como Sensodyne, Centrum e Advil – e talvez algumas pequenas aquisições ou acordos para tornar a Pfizer um player mais relevante no mercado de medicamentos voltados para o emagrecimento rápido. Esta, aliás, parece uma estratégia incontornável para a empresa, com ou sem pressão da Starboard.

Um Ozempic para chamar de seu

Os medicamentos que geram emagrecimento rápido viraram uma mina de ouro para as poucas farmacêuticas que até aqui conseguiram apresentar estes produtos aos consumidores, mas chegar lá não é nada trivial: o Ozempic e o Wegovy demandaram da dinamarquesa Novo Nordisk US$ 68 bilhões em P&D ao longo dos últimos 30 anos.

Valeu a pena: a companhia deve faturar US$ 65 bilhões só em 2024 com as vendas desses dois remédios.

Outro expoente desse mercado é a americana Eli Lilly, dona dos emagrecedores Mounjaro e do Zepbound, que ajudaram as ações da farmacêutica a sair do patamar dos US$ 363 no começo de 2023 até o pico de US$ 950 em julho – o nível atual é de US$ 915 por ação da empresa.

A ascensão dos concorrentes aumentou a pressão dos investidores sobre a Pfizer, que viu as vendas de seus revolucionários imunizantes contra a Covid-19 despencarem depois do fim da pandemia. A companhia aposta no emagrecedor Danuglipron para fazer frente ao Ozempic e similares, com o diferencial de oferecer aos consumidores um tratamento feito por meio de pílulas em vez das canetas injetáveis vendidas pelas outras farmacêuticas.

Mas a realidade está sendo dura com a Pfizer. O Daniglipron ainda está na fase de testes e uma versão de duas doses diárias foi descontinuada pela empresa no fim do ano passado após pacientes apresentarem altas taxas de náuseas e vômitos como efeito colateral. Um outro teste de tratamento oral para obesos foi abandonado depois que exames atestaram potenciais danos aos fígados dos pacientes.

O Daniglipron continua sendo a esperança da Pfizer para fincar sua bandeira em um mercado que se estima nos centenas de bilhões de dólares para os próximos anos, mas a pesquisa só deverá ser concluída no primeiro trimestre do ano que vem – e isso se tudo acontecer conforme o planejado. A companhia não divulgou previsão de quando o medicamento poderá chegar às farmácias.

A pressão para viabilizar logo uma droga que engorde a linha final do balanço da Pfizer fica ainda mais evidente diante das apostas frustradas da empresa. As vendas de vacinas contra a Covid-19 foram superestimadas – um problema que também aconteceu na Moderna e que ajudou a AstraZeneca a abandonar este mercado. O CEO da Pfizer, Albert Bourla, até pediu desculpas publicamente pelas projeções frustradas.

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Quebra de patentes

A Pfizer tem ainda um desafio adicional. Produtos que hoje respondem por boa parte do faturamento da empresa terão suas patentes quebradas até 2030. Esse iminente aumento de concorrência para medicamentos como o anticoagulante Eliquis e o Xeljanz, usado no tratamento da artrite, representa mais um grande desafio para a receita da Pfizer nos próximos anos.

Ninguém pode tirar da Pfizer o papel histórico desempenhado contra a Covid. Mas o desafio de agora é tão grande quanto aquele. Conseguirá a Pfizer manter-se competitiva no concorrido mercado das gigantes farmacêuticas?

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Todo mundo contra a Enel: sob pressão da esquerda e da direita, Aneel ameaça com perda da concessão https://investnews.com.br/negocios/todo-mundo-contra-a-enel-sob-pressao-da-esquerda-e-da-direita-aneel-ameaca-dar-fim-a-concessao/ Sun, 13 Oct 2024 13:35:50 +0000 https://investnews.com.br/?p=621880 enel
Enel Brasil 14/07/2022 REUTERS/Ian Cheibub

Em novembro de 2023, a Enel viveu uma grande crise de imagem depois que um temporal deixou milhares de pessoas sem luz por seis dias na maior cidade do país. A situação rendeu um sem-número de reportagens e postagens nas redes sociais e a repercussão levou o prefeito Ricardo Nunes a defender uma medida extrema: o fim da concessão.

O tempo passou, promessas foram feitas e altos executivos da Enel apostaram no corpo a corpo com ministros e com o próprio presidente Lula para contornar a crise. A Enel falou em investir R$ 20 bilhões no Brasil até 2026.

Agora, a empresa italiana responsável pela distribuição de energia na Grande São Paulo voltou ao centro da discussão depois que chuvas e rajadas de vento deixaram 2,6 milhões de pessoas sem energia na sexta-feira (11). Coisa de momento, certo? Não mesmo. Até a manhã deste domingo, quase um milhão de consumidores seguiam sem luz.

Governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas 06/12/2022 REUTERS/Adriano Machado

O novo quiprocó estimulou políticos de diferentes pontos do espectro a falarem sobre a possível caducidade da concessão da Enel e tem servido até de ensaio para embates que podem acontecer nas próximas eleições gerais. Afinal, 2026 é logo ali.

A dias do segundo turno contra Guilherme Boulos, Nunes disse que a Enel é “inimiga do povo de São Paulo” e que espera que a cidade logo “possa se livrar dessa empresa.”

Defensor das privatizações e candidato a herdeiro do espólio eleitoral de Jair Bolsonaro, o governador Tarcísio de Freitas foi às redes sociais para defender a perda da concessão e também para espinafrar o governo federal.

No Instagram, escreveu que “se o Ministério de Minas e Energia e, sobretudo, a Aneel, tiverem respeito com o cidadão paulista, o processo de caducidade será aberto imediatamente”.

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, rebateu. “Gostaria de lembrar ao governador Tarcísio que a atual composição da Aneel foi nomeada com mandato pelo governo anterior, do qual ele foi destacado integrante”, escreveu no X. “A Aneel bolsonarista não deu andamento ao processo de punição, nem mesmo a uma fiscalização adequada.”

Depois de tentar colar no governo anterior os desgastes de imagem da Aneel, Silveira ficou mais à vontade para criticar a agência. Disse que a Aneel “claramente se mostra falha na fiscalização da distribuidora de energia” e acusou a agência de descompromisso com a população.

“A agência reguladora não deu qualquer andamento ao processo que poderia levar à caducidade da distribuidora, requerido já há um ano pelo Ministério, o que deve ensejar a apuração da atuação da Aneel junto aos órgãos de controle”, disse em nota o MME.

Com políticos da direita e da esquerda levantando a pauta do fim da concessão, a Aneel afirmou em nota que “instaurará processo de recomendação da caducidade da concessão” caso a Enel não apresente uma “solução satisfatória e imediata na prestação do serviço”.

Ministro de Minas e Energia Alexandre Silveira 06/12/2022 REUTERS/Adriano Machado
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O Brasil virou peça-chave para as montadoras chinesas. E uma nova onda de carros vem aí https://investnews.com.br/negocios/o-brasil-virou-peca-chave-para-as-montadoras-chinesas-e-uma-nova-onda-de-carros-vem-ai/ Fri, 04 Oct 2024 10:00:00 +0000 https://investnews.com.br/?p=619692
Jaecoo, marca que a Cherry quer lançar no Brasil. Créditos: Adobe Stock

Não tem mais volta: na nova ordem do mercado automobilístico global, é a China quem dá as cartas. Enquanto as montadoras chinesas prosperam lá dentro e expandem suas atuações para outros países, players americanos, europeus e japoneses fazem o que podem para proteger seus mercados – inclusive apelando para o velho protecionismo.

Nessa nova ordem, o Brasil se tornou um campo de batalha incontornável. Agora, está em marcha no país uma nova onda chinesa, com mais e mais montadoras da Terra do Meio traçando estratégias para fincar os pés no nosso mercado, o sexto maior do mundo.

Esta é a terceira onda de carros chineses no Brasil. A primeira acabou em trauma, em 2011, quando o lobby da indústria automobolística nacional – isto é, montadoras estrangeiras que produzem por aqui já há décadas – levou a então presidente Dilma Rousseff (PT) a aumentar em 30 pontos percentuais o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de carros importados de fora do Mercosul. Isso frustrou os planos de empresas como Jac Motors e Chery – esta última acabou se aliando à Caoa para permanecer relevante no Brasil, um casamento que agora está à beira do divórcio.

A segunda onda ocorreu nos últimos dois anos, protagonizada por BYD e GWM. Ambas aprenderam com os erros de suas antecessoras e desembarcaram no Brasil com estratégias comerciais mais robustas. Chegaram com planos – que estão de fato saindo do papel – para produzir localmente, um sinal de foco no longo prazo e de interlocução com os governos federal e estaduais.

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E mais importante: elas praticamente inventaram o mercado de elétricos por aqui – da noite para o dia. Em 2024, até agosto, foram vendidos 40,5 mil modelos 100% elétricos. Trata-se de um aumento de 617% em relação ao mesmo período de 2023. BYD e GWM respondem por 84% das vendas nesse mercado. Um domínio absoluto – com a BYD bem na frente, diga-se; o market share dela nesse filão é de 77%; GWM vem em segundo, com 11%.

Entre os modelos híbridos – segmento em que mesmo as montadoras tradicionais têm seus representantes no Brasil –, 43% das vendas são de montadoras chinesas.

A nova onda, agora, é composta por novos projetos das chinesas já instaladas por aqui e também por estreantes, caso de Zeekr, Neta e GAC. A maior parte delas foca nos carros para a classe média alta, com SUVs e sedãs parrudos.

“Primeiro eu importo e testo mercado. Começo a fazer as primeiras vendas, defino os parceiros e estruturo a rede concessionária. Depois, venho com a produção nacional”.

Ricardo Bastos

O resumo feito pelo executivo Ricardo Bastos ao InvestNews é a respeito da estratégia da GWM, da qual ele é diretor de relações institucionais, mas vale também para outras montadoras chinesas que chegam ao Brasil. Neta e GAC, por exemplo, também devem testar as águas do mercado por meio de modelos importados.

Bastos, que também é presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico, explicou que a GWM quer estrear a produção local na fábrica de Iracemápolis (SP) ainda no primeiro semestre de 2025. A unidade já pertenceu à alemã Mercedes-Benz e agora vai fabricar o Haval H6, campeão de vendas da chinesa.

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Por aqui, a estratégia comercial da GWM difere da adotada na China e em outros mercados. O que costumam ser marcas separadas no exterior, no Brasil são linhas de produtos sob uma só GWM. Lá fora, Haval e Ora são quase como se fossem montadoras diferentes. Aqui, não: é “GWM Ora”; GWM Haval”.

E nos próximos meses devem aportar por aqui duas novas linhas: a Wey, de SUVs urbanos à la VW T-Cross, e a Tank, de SUVs com carinha mais off-road, como o Ford Bronco.

A Chery também tem novos planos para o Brasil, mas antes precisa resolver seu imbróglio com a Caoa. A montadora foi a primeira entre as chinesas a realizar o sonho da fábrica própria no Brasil, tendo inaugurado em 2014 sua planta em Jacareí (SP). As vendas, porém, iam mal. E em 2017 a Chery aceitou, por US$ 60 milhões, se tornar parte de uma joint venture com a Caoa.

Nasceu ali uma nova montadora, a Caoa Chery – cujo futuro segue indefinido. A Chery mudou a estratégia global e decidiu restringir sua marca ao mercado chinês. Internacionalmente, quer atuar com as marcas Omoda e Jaecoo – e quer fazer isso sozinha, sem sócias como a Caoa. O problema é que metade da fábrica no interior de São Paulo – onde quer produzir os Omodas e Jaecoos – pertence à Caoa, que reluta em vender o ativo. A planta está fechada desde 2022.

SUV da Jaecoo. Créditos: Adobe Stock

A Chery quer estrear as novas marcas no Brasil também nos primeiros seis meses do ano que vem, mas é difícil que isso aconteça sem que o casamento com a Caoa seja devidamente encerrado.

Quem não está nem aí pra fábrica própria é a Zeekr. A marca pertence à gigante chinesa Geely – também dona da Volvo e da Lotus – e sabe que não vai inundar as ruas do Brasil com seus carros elétricos de luxo. Apelidada por especialistas do setor como a “Porsche elétrica”, a marca foca nos endinheirados e vai importar da China carros que deverão custar a partir de R$ 300 mil – caro para o mercado “normal”, barato pra quem costuma comprar BMW e Mercedes.

“É uma tremenda experiência por um custo bem menor do que este consumidor está acostumado a pagar”, explica Ronaldo Znidarsis, CEO da Zeekr Brasil, que fala em trazer ao país um “carro de luxo mundial”. E 100% elétrico.

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Sem o objetivo de atingir as massas, a Zeekr não é adepta da estratégia da verticalização – quando a própria montadora produz o máximo possível de componentes do carro. O que ela faz é priorizar fornecedores de renome, como Yamaha, Bosch, Qualcomm e Continental. Seus carros são desenhados pelo estúdio de Stefan Sielaff, designer que fez carreira na Audi.

Interior de carro da Zeekr, do grupo Geely. Créditos: Adobe Stock

Como a China chegou lá

A China aprendeu a fazer carros bons. E, no caso dos elétricos, tornou-se rapidamente a maior fabricante do mundo. Em termos de tecnologia automobilística, os últimos 40 anos foram revolucionários para o país comandado por Xi Jinping.

Nos anos 1980, marcas ocidentais como a Volkswagen viram na China seu Eldorado e toparam fazer parcerias com fabricantes locais – vários deles estatais –, o que significava transferência de tecnologia. Conforme a China se tornou a grande fábrica do mundo, o país desenvolveu tecnologia própria na produção de baterias, tudo regado a muito incentivo fiscal.

Quando a eletrificação dos carros finalmente virou realidade, por volta de uma década atrás, a China estava com a faca e o queijo na mão para virar uma potência automotiva.

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No ano passado, superou a marca de 30 milhões de carros fabricados – os EUA vêm num distante segundo lugar, com apenas 10 milhões. No mesmo ano, tornou-se também a maior exportadora de veículos do mundo, deixando para trás referências como o Japão e a Alemanha.

Como quase toda a indústria chinesa, a automobilística também passou a produzir para a exportação, o que tem rendido reclamação de montadoras como Tesla, Volkswagen e Stellantis, que acusam o regime comunista de financiar indevidamente a produção local para suplantar a concorrência mundo afora.

Por que o Brasil?

Com o lobby das montadoras tradicionais, Estados Unidos e União Europeia começaram a subir barreiras para evitar que seus mercados sejam inundados por carros chineses. A UE abriu investigação para apurar os subsídios dados por Pequim às montadoras locais. Nos EUA, o presidente Joe Biden impôs uma tarifa de 100% aos elétricos chineses.

Com os grandes mercados ocidentais se fechando aos chineses, fabricantes de lá focaram em outros países. E o Brasil, sexto mercado do mundo, virou prioridade para muitas delas. Cada um joga com as cartas que tem.

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Acredite se quiser: o ChatGPT vai ser sua melhor companhia para turismo e viagens https://investnews.com.br/tecnologia/acredite-se-quiser-o-chatgpt-vai-ser-sua-melhor-companhia-para-turismo-e-viagens/ Tue, 01 Oct 2024 21:00:00 +0000 https://investnews.com.br/?p=619024

Se você ainda não está usando o ChatGPT para dar um up nas suas viagens, está marcando bobeira. O chatbot da OpenAI pode ser muito útil desde a etapa de preparação do seu turismo – como na elaboração do roteiro – e brilha mesmo durante a viagem.

LEIA MAIS: Usando o ChatGPT em toda a sua potência: 4 dicas essenciais

Neste episódio de “IA: Modo de Usar“, o consultor em inteligência artificial Pedro Burgos mostra como o chatbot mais famoso do mundo pode acabar sendo a melhor companhia para a sua “turistada”.

Tire dúvidas. Todas elas

Você pode pensar no ChatGPT como um guia turístico que tem um conhecimento enciclopédico sobre… tudo. E eternamente paciente. Então, não se acanhe: faça perguntas e use a câmera do seu celular para mostrar ao aplicativo o que seus olhos estão contemplando e que demanda alguma explicação, contexto histórico ou até um fun fact.

Depois de usar o Perplexity para construir o roteiro de uma viagem em família ao Parque Nacional do Iguaçu, Burgos usou e abusou do ChatGPT. “Estou em Foz do Iguaçu. Que bicho é esse?”, foi a pergunta que o robozinho da OpenAI ouviu várias vezes depois de ver fotos como esta aqui abaixo.

Créditos: Arquivo pessoal/Pedro Burgos

Ok, essa foi fácil. Mas como os bichinhos não paravam de borboletear ao redor do casal Burgos – pousando de novo e de novo neles –, surgiu outra dúvida: “O que a borboleta está fazendo?”

“Quando uma borboleta pousa em uma pessoa e parece ‘mover um ferrão’, o que você provavelmente está observando é o movimento da tromba (ou probóscide), que é a estrutura alongada que elas usam para se alimentar”, respondeu o ChatGPT, sem nenhuma empáfia. E essa eu duvido que você sabia.

Assim, o chatbot vai transformando a sua caminhada em uma ampla trilha de conhecimento. Ele sabe onde você está, conhece a fauna e a flora da região e tem na sua memória infinita todas as fotos e vídeos que se pode ter sobre cada detalhe.

O mesmo pode ser feito em passeios urbanos, claro. Apontar a câmera para o prédio do Museu de Arte de São Paulo, o Masp, e perguntar como aquele vão livre gigante fica suspenso é receber uma simpática aula sobre a mágica do projeto de Lina Bo Bardi.

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Aliás, vale perguntar pro GPT mais sobre a história de Lina, conhecer outros projetos, os móveis projetados – e dá pra fazer isso de uma maneira bastante fluida usando o modo conversa porque você pode interromper a robozinho.

Em museus, o ChatGPT dá um show à parte, conta Burgos. “Eu estava em uma exposição sobre objetos asiáticos antigos e achei uma imagem interessante, mas a legenda não ajudava. Saquei o app, coloquei a foto e tive uma aulinha”, resume.

“A ideia não é substituir o olhar o objeto de arte por olhar o celular no chat – ninguém quer um monte de gente parada olhando pra tela em um museu. O objetivo é usar a IA pra apreciar mais, gastar mais tempo vendo o que é bonito.”

Chega de ‘sorry about my english’

O ChatGPT também pode ser bastante útil para evitar aquelas situações lost in translation. Em praticamente qualquer idioma, você pode tornar o robozinho um tradutor personalizado.

Não tem constrangimento ou cansaço. Basta tirar o celular do bolso, dizer para ele fazer as vezes de tradutor para um idioma específico e mandar o chatbot traduzir o que você disser ao seu interlocutor. O caminho de volta também é feito prontamente.

Duas pessoas que nunca se viram na vida, em uma praça de uma cidade qualquer do mundo podem se comunicar com privacidade e sem engasgos.

Essa função também pode ser aproveitada em outras ferramentas, como o Google Tradutor. O Google também tem a ferramenta Lens, que permite a tradução instantânea de placas, cardápios e o que mais for necessário.

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“E isso é só uma amostra do que dá pra fazer hoje, focando só em algumas funções da tal IA generativa. As IAs dos smartphones mais novos também estão transformando a experiência de viagem”, pontua Burgos.

“Dá para editar as fotos com um toque nos últimos celulares da linha Samsung Galaxy. O novo iPhone 16 tem inclusive um botão próprio pra usar a IA, e na apresentação eles mostraram diversas utilidades parecidas com o que eu experimentei, mas sem precisar entrar em um app específico do ChatGPT.”

Turistas caminham pela Esplanada no Trocadéro, com vista para a Torre Eiffel em Paris, França
Crédito: Adobe Stock Photo
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