Carreira – InvestNews https://investnews.com.br Sua dose diária de inteligência financeira Sat, 07 Sep 2024 17:24:31 +0000 pt-BR hourly 1 https://investnews.com.br/wp-content/uploads/2024/03/favicon-96x96.ico Carreira – InvestNews https://investnews.com.br 32 32 Patrick Gorman, o headhunter gringo que recruta brasileiros para cargos C-Level em startups https://investnews.com.br/carreira/patrick-gorman-o-headhunter-gringo-que-recruta-brasileiros-para-cargos-c-level-em-startups/ Sat, 07 Sep 2024 11:00:00 +0000 https://investnews.com.br/?p=613391 (DE NOVA YORK) Candidatos costumam sentir aquele frio na barriga ou uma certa ansiedade em uma entrevista de emprego importante. Mas poucos se dão conta de como o processo de recrutamento exige preparação de empregadores, especialmente fundadores de primeira viagem. Como ensiná-los a conduzir uma entrevista bem-sucedida? Como fazer com que o candidato ou candidata sentado à sua frente baixe a guarda e conte o verdadeiro motivo pelo qual ele deseja a vaga? 

“Há exercícios que capacitam um fundador a acreditar em si, usar a voz como instrumento, ou treinar a habilidade da escuta,” diz o americano J. Patrick Gorman, especialista em recrutar executivos para altos cargos (C-level) para startups, empresas de tecnologia que recebem investimentos de fundos de venture capital. 

Radicado em Austin, no Texas, depois de 11 anos vivendo em São Paulo, Gorman diz que é preciso reparar em algumas respostas clichês, que sinalizam que, no fundo aquele candidato não quer estar ali. 

Montagem com um retrato em preto e branco de Patrick Gorman, um homem branco, de barba, cabelos curtos e olhos claros, sentado em uma cadeira. À esquerda, recorte de uma imagem genérica de um homem de terno, de pé, com o rosto sobreposto por grafismos. Ao fundo, grafismos geométricos em tons de roxo. Ilustração do headhunter Patrick Gorman
Montagem sobre foto do headhunter J Patrick Gorman / Ilustração de João Brito

“Já vi uma candidata abocanhar um donut durante a entrevista com meu cliente. Tem de tudo”, alerta ele, que já alocou cerca de mil profissionais em empresas dos Estados Unidos e do Brasil e é autor do livro “Recruit the Remarkable: A First-Time Founder’s Guide to Hiring Exceptional People” (Recrute o Notável: Um Guia Para os Fundadores de Primeira Viagem Contratarem os Excepcionais), lançado este ano pela editora Group Gorman e disponível no kindle por R$ 74,30. 

No livro, ele despeja conhecimentos acumulados em seus vinte anos como headhunter, atuando nos bastidores de grandes contratações de empresas americanas e brasileiras, especialmente em startups em suas fases iniciais. Na lista estão nomes como Nubank, Loft, Uber, QuintoAndar, PayPal, Creditas, Neon, Genial Care e 99

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Logo na primeira página de seu livro, Patrick ressalta que a prioridade de um fundador é manter a cultura da empresa. E conta que muitos fundadores levam meses para contratar profissionais alinhados com esta cultura, por meio de erro e acerto. “Se fosse fácil, você não precisaria de mim e muito menos deste livro”, escreve. 

Fluente em português, ele diz que os fundadores mais renomados do Brasil compartilham traços comuns: escutam seus candidatos, colocam o recrutamento em primeiro lugar, respiram autoconfiança, acreditam piamente no que fazem e conhecem suas capacidades de execução.

“Ajudei essas startups a recrutar pessoas com mentalidade global, uma pitada de audácia, e credibilidade para além de suas fronteiras geográficas. Ao mesmo tempo, elas têm habilidade de dirigir uma empresa e gerenciar pessoas na cultura local,” diz.

Gorman reforça que, ao recrutar brasileiros, suas entrevistas não diferem tecnicamente das feitas por headhunter locais. “No entanto, estou olhando para aquele brasileiro sob a lente de americanos, analisando se aquele candidato se encaixa na minha cultura,” conta. Patrick explica a razão: uma startup que tem investidores e capital de risco dos EUA, Europa ou Ásia precisa de uma liderança que fale a mesma língua cultural. 

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Em empresas brasileiras que recebem aportes do Vale do Silício (como Sequoia Capital), da General Catalyst, General Atlantic ou de bancos como a Goldman Sachs, líderes precisam informar seus resultados para pessoas que não falam português e nunca viveram no Brasil. Além disso, esse grupo de executivos precisa realizar road shows para buscar mais investimentos à medida que as empresas crescem. 

“Minha tarefa é a de analisar se esses brasileiros terão postura para construir essa ponte”, afirma ele, que também pinça brasileiros para trabalharem em empresas americanas que atuam no Brasil. 

Adaptação a novas culturas

Compreender a nova cultura, do país e da empresa, são essenciais no processo. E de adaptabilidade cultural Patrick entende. Nascido em Chicago, ele ingressou na consultoria Arthur Andersen em 1997, à época uma gigante com 85 mil colaboradores globais e uma das chamadas “Big Five” entre as empresas de consultoria e auditoria.

Numa bela tarde de 2001, um sócio da Arthur Andersen anunciou que um dos clientes, a texana Enron, de energia, estava em maus lençóis. Resultado: metade da equipe foi demitida. A outra metade passou para a KPMG, que adquiriu a operação. 

Gorman foi convidado a ficar, mas preferiu recomeçar a vida em Nova York, cidade pela qual se apaixonou durante a temporada em que participou da abertura de capital (IPO) da Coach, empresa de bens de couro no mercado de luxo. Seguindo os passos de dois colegas da Arthur Andersen, ele se tornou headhunter, ingressando em uma empresa chamada ExecuSearch. 

Foi lá que ele conheceu a colega que se tornaria sua sócia na iFind, empresa de recrutamento de executivos que ele fundou. A dupla começou com o pé direito: o primeiro cliente trazido por sua co-fundadora foi o banco Goldman Sachs. A parceria durou cinco anos, até Gorman vender sua parte, assinando um contrato de um ano de non-compete.

Temporada brasileira

O timing foi ideal. Na época, conheceu uma brasileira, com quem acabou se casando e tendo um filho, hoje adolescente. Aos dois anos, a criança já era bilíngue, mas Gorman só falava “bom dia” e “pão de queijo”. Para ganhar fluência no português, resolveu deixar Manhattan e se mudar para o Brasil com a família. 

Em 2012, Gorman aportou em São Paulo sem nenhum contato profissional, sem falar o idioma e sem emprego. Segundo sua mãe, o filho deu uma mordida na “humble pie”, ou na “torta da humildade”. “Aprendi que o Brasil não tinha que mudar – era eu que teria que me adaptar.” 

Aos poucos, ele entrou no nicho das startups de tecnologia que começavam a borbulhar em São Paulo. “Este mercado tem alta demanda por profissionais de liderança com experiência profissional no exterior, diplomados nas melhores escolas de business. É uma combinação muito rara”, diz o headhunter, que costuma recrutar brasileiros formados nas dez melhores faculdades de MBA do hemisfério norte, como INSEAD, Stanford, Harvard, Kellogg ou London Business School.

Dicas para profissionais que vão para os EUA

Aos brasileiros que vão morar nos Estados Unidos a trabalho, Gorman costuma dar um recado: americanos não são frios. “Existe uma atitude de positividade, autoconfiança e patriotismo, na cultura americana, que pode ser interpretada como arrogância. Nossa cultura do ‘yes, we can’ provavelmente está relacionada à forma como derrotamos o Império Britânico para ter o nosso país.”

O headhunter reforça ainda a cultura da produtividade, foco no trabalho e competição. Diz ser aceitável que um americano questione sobre a profissão logo nos primeiros minutos de conversa com alguém que acaba de conhecer. Ele recomenda ainda que brasileiros tentem fazer amizades com americanos e aprendam as regras do beisebol e feriados como o de Ação de Graças (Thanksgiving). 

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“Nosso vocabulário gira em torno do beisebol, da forma como o português tem tiradas saindo do futebol”, avisa. 

Na contramão, para os estrangeiros indo para o Brasil, ele avisa que o convite de um brasileiro para jantar na casa dele ou para um churrasco no quintal é um sinal de que o estrangeiro foi incluído no círculo de amizades. “Isso não acontece todos os dias. Se alguém te convidar, jamais recuse!  A partir daí, vocês verão que os brasileiros são amigos maravilhosos. Você pode contar com eles”, diz. 

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A moedinha número 1 de Silvio Santos https://investnews.com.br/carreira/a-moedinha-numero-1-de-silvio-santos/ Sat, 17 Aug 2024 15:58:23 +0000 https://investnews.com.br/?p=608924 Rio de Janeiro, 1930. Alberto Dom Abravanel queria que o bebê se chamasse “Dom”, no sentindo de “senhor”. O cartório não deixou. Mas o comerciante nascido na Grécia bateu o pé. Se não pode “Dom”, então, vai outra palavra que lembre “senhor”: Senor.

A mãe, Rebeca Caro, uma imigrante nascida na Turquia, não gostou. Passou a chamar o bebê de “Silvio”.

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Alberto era dono de uma loja de artigos para turistas na Lapa, centro do Rio. Os negócios iam bem, mas sua mente não. Ele tinha se viciado em jogo. Tudo o que ganhava com a loja ia embora no cassino. Rebeca, então, pediu para que o filho de 14 anos arrumasse um trabalho.

Silvio Santos em 2015 (Foto: Divulgação/SBT)
Silvio Santos em 2015 (Foto: Divulgação/SBT)

Mas Senor foi mais original. Viu um camelô vendendo capinhas de título de eleitor na avenida Rio Branco, e uma lâmpada acendeu em sua cabeça.

“Quando o tal camelô acabou de vender uma remessa de carteirinhas, saí atrás dele para ver onde tinha mais. Comprei uma por 2 cruzeiros e vendi na rua pelo dobro, falando que era a última. Passei a vender mais e mais. Dizem que a moeda que usei para comprar a primeira carteirinha era a moedinha número 1 do Tio Patinhas. Nunca mais parei de faturar”, ele disse em depoimento no livro “A Fantástica História de Silvio Santos”, de Arlindo Silva.

Enquanto faturava, Senor chamou a atenção de um fiscal da prefeitura. O fiscal, chamado Renato Meira Lima, tinha como dever prender os camelôs do centro do Rio. Ao ver o jovem interagindo com o público, com toda aquela desenvoltura e o vozeirão, decidiu ajudar.

Em vez de levar Senor Abravanel para a delegacia, lhe deu o cartão de um amigo que trabalhava na Rádio Guanabara. O empreendedor adolescente, então, visitou a rádio e participou de um concurso de locutores.

Ficou em primeiro lugar – batendo outro jovem, Chico Anysio. Mas ficou só um mês no trabalho novo. Ganhava muito mais como vendedor ambulante.

Nesse meio tempo, passou a usar os concursos de locução como fonte de renda extra, de olho nos prêmios em dinheiro. Ganhou vários seguidos. O pessoal das rádios entendeu que estava ficando chato, e passou a barrar o rapaz. Aí Senor passou a se inscrever usando seu nome caseiro – Silvio. E um produtor sugeriu um sobrenome artístico que soasse melhor com a nova alcunha: Santos.

Aos 18 anos, foi servir o Exército, na Escola de Pára-Quedistas de Deodoro. E entendeu que o serviço militar não era compatível com o comércio informal. “Tive de maneirar nas atividades de camelô. Imagina a cara dura que seria se eu fosse pego vendendo bugigangas!”, disse no livro de Arlindo Silva. “Foi aí que decidi ser locutor, algo mais condigno com minha condição de pára-quedista do Exército Brasileiro. E deixei de vender coisas nas ruas”.

Silvio foi trabalhar na Rádio Continental, em Niterói. A ponte ainda não existia. Ele pegava balsa todos os dias.

Silvio Santos no Palácio do Planalto, em 2010, em visita ao presidente Lula. Crédito: Agência Brasil

Foi aí que outra luzinha acendeu na cabeça dele. Silvio fez um acordo com a administração da barca e montou alto-falantes ali. A ideia era fazer um programa de rádio para a travessia, de meia hora. Ele colocava músicas e, entre uma canção e outra, fazia comerciais – faturando com a venda de espaço publicitário.

E deu um passo adiante. Passou a organizar um bingo na barca.

Ele não era o único radialista com negócios paralelos. Um colega de São Paulo, Manuel da Nóbrega, tinha criado um negócio chamado “Baú da Felicidade”. Vendia um baú de brinquedos em 12 prestações, para que pais dessem às suas crianças no Natal. Era bom para ambas as partes. As prestações faziam os brinquedos caberem no orçamento das famílias, e Manuel da Nóbrega investia o dinheiro ao longo do ano, multiplicando o caixa. Uma operação bancária, basicamente.

O business model era bom, mas o negócio ia mal. Não engrenava. Manuel, então, chamou Silvio para ser seu sócio – acreditando no tino comercial do colega. O resto é história.

“Nunca tive medo de o Baú não dar certo. Negócio é negócio. Se perder, perdeu”, disse numa entrevista ao jornal O Estado de São Paulo em 1987. “Se amanhã eu acordar e disserem que o país é comunista, vou perguntar: ‘Ah é? E como faço para ser o chefe do Partido?”

Do mundo não se leva nada, afinal.

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Morre Silvio Santos: o maior apresentador da TV brasileira foi, antes de tudo, um comerciante https://investnews.com.br/carreira/morre-silvio-santos-o-maior-apresentador-da-tv-brasileira-foi-antes-tudo-um-comerciante/ Sat, 17 Aug 2024 15:38:21 +0000 https://investnews.com.br/?p=608904
Silvio Santos no Palácio do Planalto, em 2010, em visita ao presidente Lula. Crédito: Agência Brasil

O empresário Senor Abravanel morreu neste sábado, aos 93 anos, em São Paulo, e levou consigo Silvio Santos, ícone da comunicação e maior apresentador da TV brasileira. Ele estava internado no Hospital Albert Einstein desde o começo de agosto, onde tratava uma broncopneumonia causada por H1N1.

Silvio será lembrado sempre como um grande comunicador, mas era, antes de tudo, um comerciante.

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Em 65 anos de carreira, acostumou geração após geração de brasileiros a vê-lo no programa de TV que leva seu nome – o Programa Silvio Santos foi transmitido nas TVs Paulista, Globo, Record, Tupi e no SBT. A atração chegou até o Guiness, o Livro dos Recordes, como o programa de auditório mais longevo com um mesmo apresentador na história da televisão mundial.

O combo palco, auditório e câmeras foi a plataforma a partir da qual Silvio Santos construiu não só uma audiência cativa, mas também criou seus fãs, fidelizou clientes para suas empresas e construiu um grupo empresarial que agora deixa como legado. Em entrevista à Folha de S. Paulo – raríssima, Silvio era conhecido por ser avesso a elas –, ele disse com todas as letras: “Silvio Santos é um produto meu”.

A aversão a entrevistas era sintoma do cuidado de Silvio para controlar sua imagem junto ao público. Além de colocar a comunicação sempre a serviço da lógica comercial, a mitologia em torno de Silvio Santos lhe colocava em posição vantajosa quando algo não saía como planejado.

Quando era Senor Abravanel quem ganhava as manchetes, o apelo popular sempre reforçado pela extensa iconografia associada a Silvio Santos – a entonação, os bordões, as músicas, os aviõezinhos de papel, o microfone preso à camisa e por aí vai – acabavam por enfraquecer o escrutínio do público, e até o da imprensa.

As fraudes no Banco Panamericano, por exemplo, quase lhe custaram o patrimônio do Grupo Silvio Santos. O banco acabou ajudado pela estatal Caixa Econômica após uma reunião entre Silvio e o presidente Lula, então no seu segundo mandato. Depois, o banco foi comprado pelo BTG Pactual.

Silvio Santos em 2015 (Foto: Divulgação/SBT)
Silvio Santos em 2015 (Foto: Divulgação/SBT)

Primogênito de um casal de imigrantes judeus sefarditas, Silvio também era cioso de sua imagem de self-made man. A história do garoto camelô que virou dono emissora de TV já foi contada e recontada milhares de vezes, boa parte delas pelas próprias empresas do Grupo Silvio Santos ou por jornalistas que escreveram biografias feitas sob encomenda pelo próprio Silvio.

Biógrafos independentes tiveram muita dificuldade em comprovar várias das histórias que compõem “o mito Silvio Santos”, mas é fato que chegar ao grupo dos donos de TV no Brasil sem ter um sobrenome quatrocentão não é algo comum. Para chegar lá, de novo, usou o charme de comunicador.

Para botar de pé o SBT, Silvio valeu-se de muito lobby junto a uma fã ilustre, a então primeira-dama Dulce Figueiredo. A partir dela foi feita a ponte com o último presidente da ditadura militar e Silvio, já muito famoso, ganhou a disputa pela concessão pública.

Em 2017, Silvio disse no palco de seu programa que se não fosse por João Figueiredo estaria hoje “vendendo caneta da praça da Sé”. Improvável. Quando ganhou a concessão, Silvio já não vendia canetas em praças havia algumas décadas, mas o episódio ajuda a entender a relação entre ele e o poder.

Silvio sempre se esforçou para estar bem aos olhos do mandatário de turno. Nos anos 90, o SBT veiculava boletins laudatórios sobre o dia a dia dos chefes do Executivo. “Minha concessão de TV pertence ao governo, e eu jamais me colocaria contra o meu patrão”, costumava dizer.

Em 2023, a Forbes estimou a fortuna de Silvio – basicamente o patrimônio do Grupo Silvio Santos – em R$ 1,6 bilhão. Estão aí incluídos o SBT, a Jequiti, a Liderança Capitalização, que comercializa a Tele Sena, o Hotel Jequitimar e a Sisan, do setor imobiliário.

Recentemente, a Jequiti virou alvo da Cimed, que ofereceu R$ 450 milhões pela empresa de cosméticos. O SBT é hoje a terceira rede de TV do Brasil – em audiência, está atrás da Globo e da Record –, e segue como uma importante plataforma para venda de outros produtos do Grupo Silvio Santos, apesar da perda de audiência nos últimos anos.

O Programa Silvio Santos, hoje apresentado por uma das herdeiras de Silvio, Patrícia Abravanel, permanece como uma das maiores audiências da emissora. Por conta da idade avançada, Silvio estava afastado da TV e dos negócios do grupo já havia dois anos.

A questão agora é como será o futuro do grupo e da TV sem o homem que lhe conferiu viabilidade econômica e uma marca tão forte.

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Conselheiro recebe em média R$ 80 mil por mês; saiba se você pode seguir a carreira https://investnews.com.br/carreira/profissao-conselheiro-como-funciona/ Wed, 14 Aug 2024 10:00:00 +0000 https://investnews.com.br/?p=607720 “O conselho de administração da Petrobras era 70% do meu tempo – pelo menos –, e 5% do meu salário. Era só confusão. Mas eu não trocaria essa experiência por nada”, recorda Guilherme Affonso Ferreira, um investidor experiente que entrou no conselho da estatal em 2015, no período da maior crise da história da principal empresa do país, o da Operação Lava Jato, quando as dívidas ultrapassavam os US$ 130 bilhões e o futuro da Petrobras era incerto.

No conselho da Petrobras, Ferreira e seus pares colocaram em curso um grande programa de venda de ativos que reduziu o endividamento bruto da companhia para US$ 84,4 bilhões no fim de 2018, ano em que o investidor saiu do colegiado.

“Eu penso que tivemos uma oportunidade única para dar um choque na empresa. O governo queria distância da Petrobras e isso nos deu independência para a tomada de decisões”, acrescenta Ferreira, evidenciando a importância de um conselho de administração, também chamado de board of directors, para uma empresa.

Executivos experientes miram a “profissão conselheiro” (Daniela Arbex/InvestNews)

Obrigatório para companhias de capital aberto e mandatório para quem deseja atrair investidores, o conselho de administração se profissionalizou e ganhou relevância estratégica para as empresas a partir da crise de 2008 (a chamada “crise das hipotecas” ou do subprime), quando regras de governança foram aprimoradas e conselheiros passaram a ser responsabilizados.

Trabalhar como conselheiro virou profissão de fato e a atividade ganhou escolas de formação. Nos últimos tempos, a busca desses profissionais por aprimoramento técnico está tão aquecida que provocou até overbooking em turmas nos dois principais cursos de formação do país ouvidos pelo InvestNews, do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e da Fundação Dom Cabral (FDC). E isso com cursos que duram três meses e custam R$ 11,8 mil.

A remuneração é um dos grandes atrativos – os conselheiros receberam por mês, em média, R$ 80,6 mil em 2023, segundo pesquisa “Liderança Empresarial: Um estudo sobre CEOs e Conselhos de Administração”, feita pelas casas Vila Nova Partners e Drixx IT Advisors.

Para a figura de presidente do colegiado, o valor foi quatro vezes maior: R$ 334 mil mensais. Um bom executivo pode ocupar uma cadeira em mais de um conselho, desde que não haja conflito de interesse entre as companhias – por exemplo, se as duas empresas não forem concorrentes diretas.

Assentos nos conselhos de grandes companhias, como Vale e Petrobras, são alvo de disputas super acaloradas. Na Vale, no ano passado, os 13 profissionais do conselho de administração tinham uma remuneração prevista de R$ 17,55 milhões no total.

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O valor enche os olhos, mas, além da questão financeira, a possibilidade de participar de um conselho atrai executivos pelo desafio, marca no currículo e, em alguns casos, por permitir o uso da experiência acumulada ao longo de anos de carreira com uma jornada mais flexível.

Grande desafio, mas também grande responsabilidade. A Lei das Sociedades Anônimas prevê que administradores de empresas, entre eles os conselheiros de administração, podem ser processados por eventuais prejuízos na companhia, respondendo com o próprio patrimônio.

No ano passado, por exemplo, a pedido de um dos credores da Americanas (o Bradesco), a Justiça de São Paulo bloqueou o patrimônio de seis ex-conselheiros da empresa. Em 2017, o Tribunal de Contas da União (TCU) chegou a bloquear os bens dos conselheiros da Petrobras que aprovaram a compra da refinaria de Pasadena (EUA) em 2006.

Grandes empresas costumam contratar seguros conhecidos como D&O (Directors and Officers) para conselheiros de administração para evitar que eles respondam com bens pessoais em questões judiciais.

Não basta só fazer curso de formação

Há hoje alguns cursos de formação para profissionais interessados em integrar um conselho. Mas a verdade é que, dada a complexidade de um conselho, isso não basta. É preciso experiência em gestão e governança prévia para que o executivo esteja apto a fazer parte desse comitê. Isso faz da posição de conselho uma espécie de “pós-profissão” para ex-CEOs e CFOs.

Guilherme Affonso Ferreira, que abre esta reportagem e também é fundador da Teorema Capital, já passou por mais de 30 conselhos de administração em sua carreira. Sua primeira experiência foi ainda nos anos 1980 na fabricantes de fertilizantes Manah – o cenário atual é bem diferente do visto há 40 anos.

“A dinâmica mudou muito do meu início para agora. Antigamente, existia essa visão de ser um ‘clube do cafezinho’ em que o conselho ficava em discussões mais triviais. Hoje em dia não é assim”, diz Ferreira, que passou ainda pelo board do Unibanco na época da fusão com o Itaú, Arezzo e que hoje faz parte dos conselhos da B3, M.Dias Branco e Mitre.

Novos tempos

Elismar Alvares, professora e criadora do curso do Programa de Desenvolvimento de Conselheiros (PDC) da Fundação Dom Cabral, lembra que a legislação jogou mais responsabilidades sobre os conselheiros de administração a partir da crise de 2008. “O conselho precisou se tornar mais profissional ao longo do tempo e passou a ter um papel mais ativo na governança das empresas. Hoje não é uma função decorativa.”

Além de ser obrigatório em empresas de capital aberto, a profissionalização do conselho é uma demanda crescente de investidores, inclusive estrangeiros.

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A Trígono Capital, casa com R$ 2,6 bilhões sob gestão e especializada em small caps, por exemplo, faz valer seu direito de representação em 26 cadeiras entre conselhos de administração e fiscal de empresas como Kepler Weber, Banco da Amazônia, Tupy e Ferbasa, segundo o gestor Werner Roger. Todos os conselheiros indicados pela casa são profissionais e há uma exigência para que eles façam algum curso de formação na área, como o PDC da Fundação Dom Cabral, onde também se formou.

Werner Roger, gestor da Trígono Capital (Divulgação)

Roger orgulha-se de ter construído uma espécie de banco de talentos, composto por executivos, advogados e outros profissionais capacitados para exercer a função de conselheiros. No começo, conta, o gestor “garimpava” nomes, tentando inclusive evitar de cair na tentação de escolher sempre os mesmos para a função e também é contra gestores participarem de conselhos.

Quem são, de onde vêm, como votam

Atualmente, há pouco mais de mil conselheiros nas empresas listadas em Bolsa no país, segundo levantamento do escritório Moreira, Menezes, Martins Advogados, que considerou a composição dos colegiados de companhias listadas na B3 até maio de 2024.

Dos 1.002 conselheiros eleitos, a pesquisa processou informações de 861 deles: o grupo é predominantemente masculino de pele branca e tem pouca renovação – 88,7% deles foram reeleitos. Um sinal de que a diversidade ainda é um desafio para esse nicho.

Os conselhos de administração das companhias costumam se reunir mensalmente. Antes de cada reunião, recebem a pauta e material com informações completas dos assuntos tratados.

Além dos encontros mensais, a participação do conselheiro no dia a dia varia de empresa para empresa – a maioria possui comitês internos para avaliar mais de perto o desempenho dos times de RH e financeiro, por exemplo. Em alguns casos, é recomendável que o conselheiro visite a companhia e converse com diretores para entender os desafios de curto prazo.

João Nogueira Batista, executivo experiente e que atualmente é conselheiro da Braskem, reforça que seu papel é o de ser um guia estratégico e não um administrador da companhia. “A experiência executiva é, sem dúvida, importante”, diz Batista, que até março ocupava o cargo de CEO da Marisa. “Mas nós temos que ter uma visão mais de longo prazo, não focar tanto nos resultados imediatos”, acrescentando que são necessárias sinergia e colaboração entre conselheiros e diretoria. Batista fez o curso de especialização do IBGC.

João Nogueira Batista, conselheiro da Braskem (DIvulgação)

Especialização

Embora não exista uma “faculdade” para conselheiros, há cursos para aperfeiçoamento e criação de networking entre quem deseja seguir a carreira. Um dos mais famosos é o do IBGC, que há mais de 15 anos oferece cursos de capacitação. Adriane de Almeida, diretora de ensino e inovação do IBGC, diz que o público é majoritariamente composto por pessoas com mais de 50 anos. 

O IBGC abre uma turma por mês para 40 pessoas. O curso, que dura três meses (72 horas) e custa R$ 11,8 mil, tem aulas sobre governança corporativa, legislação e casos práticos. Após o curso, o aluno pode fazer parte de um banco de currículos.

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É importante destacar que, para fazer o curso, o profissional passa por uma análise de currículo. Pessoas com experiência executiva e sucessores de empresas familiares acabam sendo os perfis mais aprovados pelo IBGC. “A certificação é a ‘cerejinha’ do bolo. Não será ela que fará do profissional um conselheiro, mas fará dessa pessoa um conselheiro melhor”, explica Adriane.

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Scott Galloway doa US$ 12 milhões para programa de bolsas da UCLA e da UC Berkeley Extension https://investnews.com.br/carreira/scott-galloway-doa-us-12-milhoes-para-programa-de-bolsas-da-ucla-e-da-uc-berkeley-extension/ Wed, 24 Jul 2024 14:56:50 +0000 https://investnews.com.br/?p=602643 O autor e empreendedor social Scott Galloway doou US$ 12 milhões para as universidades americanas UCLA e UC Berkeley Extension. Os recursos serão destinados ao financiamento de um programa de bolsas de estudo para o que os americanos chamam de “estudantes não tradicionais”.

Esse conceito de estudante não é usual aqui no Brasil. Mas, de maneira simplificada, são aqueles alunos que entram na faculdade mais tarde por questões financeiras, alunos de supletivos ou aqueles que não conseguem pagar sua matrícula em dia, segundo classificação do Centro Nacional de Estatísticas da Educação (NCES, em inglês) dos Estados Unidos.

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A doação de Galloway, uma das maiores cifras destinadas à educação continuada e profissional, será dividida igualmente entre as duas universidades, disseram as lideranças da UCLA e da UC Berkeley Extension.

“A acessibilidade financeira da UCLA e da UC Berkeley mudaram minha vida”, disse Galloway, que foi aluno das duas universidades e tem como seu livro mais recente a obra “The Algebra of Wealth”, que será lançada no Brasil no início de agosto. “Espero que essa doação coloque os recursos educacionais de ambas as universidades ao alcance de mais pessoas e forneça habilidades que levem ao crescimento de bons empregos na economia da ‘Main Street’ [empreendedorismo].”

Os recursos irão para o programa UC Excelerator, previsto para começar no outono americano. Será voltado principalmente para graduados de faculdades comunitárias e aqueles com experiência universitária limitada. O programa fornecerá a esses alunos cursos focados na carreira, oportunidades de networking e acesso a líderes da indústria – tudo sem custo.

Autor e empreendedor Scott Galloway (UCLA/Divulgação)

“Graças à doação, os alunos aceitos no programa terão aulas gratuitas que promovem o desenvolvimento profissional e os ajudam a começar uma nova carreira. As ofertas do UC Excelerator na UCLA vão se concentrar em negócios e empreendedorismo. Já o programa da UC Berkeley se concentrará em análise de dados, gerenciamento de instalações e gerenciamento de projetos”, escreveram as universidades, em comunicado.

Scott Galloway formou-se na UCLA em economia pela UCLA em 1987 e concluiu um mestrado em administração de empresas pela UC Berkeley em 1992. Membro do corpo docente da Stern School of Business da Universidade de Nova York desde 2002, Galloway iniciou várias empresas focadas em inteligência empresarial e comércio eletrônico, escreveu vários best-sellers do New York Times e é apresentador dos podcasts “Pivot” e “ProfG”.

Brasil tem seu Galloway

A doação do autor vai em linha outra grande doação que ocorreu recentemente aqui no país. No começo deste mês, o professor da USP Stelio Marras doou um imóvel que recebeu de herança, avaliado em R$ 25 milhões, para o Fundo Patrimonial da USP.

O antropólogo de 54 fez toda sua vida acadêmica na Universidade de São Paulo, se formando bacharel em ciências sociais e mestre e doutor em antropologia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e decidiu retribuir sua alma mater.

À época da doação, o professor salientou que os rendimentos com a doação sejam usados integralmente para o USP Diversa, que concede bolsas de estudo para alunos em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

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Executivos brasileiros são os menos educados do mundo, diz estudo suíço https://investnews.com.br/carreira/executivos-brasileiros-sao-os-menos-educados-do-mundo-diz-estudo-suico/ Wed, 10 Jul 2024 14:16:57 +0000 https://investnews.com.br/?p=597890 O repertório dos executivos brasileiros deixa a desejar, para dizer o mínimo. É o que aponta a 36ª edição do Ranking Mundial de Competitividade, elaborado pelo Instituto Internacional de Desenvolvimento Gerencial (IMD na sigla em inglês) – renomada escola de negócios da Suíça.

O estudo, divulgado em junho, colocou o Brasil da 62ª posição entre 67 países, e avalia quatro indicadores: Performance Econômica, Eficiência Governamental, Eficiência Empresarial e Infraestrutura (veja no gráfico mais abaixo). Cada um deles é formado por dezenas de “subfatores”. Tipo: em Eficiência Governamental, avaliam ítens como Transparência, Finanças Públicas, Barreiras Tarifárias… Em Eficiência Empresarial, temos Dívida Corporativa, Mão de Obra Qualificada, Educação em Gestão

E é este último item que destacamos aqui. Ele avalia a bagagem cultural/educacional dos profissionais que ocupam os cargos mais altos – e estreou nesta edição do ranking. Se a baixa performance do Brasil em critérios mais tradicionais não é surpresa para ninguém, neste daria para esperar algum consolo. Mas não. Ficamos em último lugar nessa subcategoria: 67ª posição entre 67 países.

Para chegar a essa conclusão, o IMD fez uma pesquisa quantitativa com 100 executivos brasileiros de diferentes setores, regiões e portes de empresas. No Brasil, a pesquisa ficou sob a responsabilidade do Núcleo de Inovação e Tecnologias Digitais da Fundação Dom Cabral (FDC).

Hugo Tadeu, diretor desse núcleo da FDC e líder da pesquisa no Brasil, aponta a falta de formação adequada em áreas críticas. “Essa história da formação de executivos, na verdade, tem um lastro: a qualidade geral da nossa educação. Quantos executivos chegam ao mercado […], ou já são vice-presidentes, mas não têm domínio, por exemplo, de finanças?”

Hugo Tadeu reitera a necessidade de formar profissionais que entendam de fato os assuntos mais complexos. Ele exemplifica. “Todo mundo agora fala de inteligência artificial. Aí você começa a fazer daquelas perguntas mais simples. O que é um modelo de regressão linear? […] Ninguém sabe responder. Muita gente está falando sobre IA, sem saber necessariamente sobre aquilo que está falando.”

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Baixa formação em exatas

Singapura ocupa o primeiro lugar no ranking geral. No item Educação em Geral, o ouro fica com a Suíça. “Destaca-se [lá] a ênfase no aprendizado prático, com aplicação dos conhecimentos técnicos em casos reais e desenvolvimento de projetos”, diz a pesquisa.

É fato que o Brasil tem escolas de negócios renomadas. Fundação Dom Cabral, Fundação Getulio Vargas (FGV) e Insper, por exemplo, figuram entre as 100 melhores do mundo, segundo o ranking do Financial Times. Mas “são pequenas ilhas de excelência” na visão de Hugo Tadeu.

Outro problema brasileiro, do ponto de vista do diretor da FDC, é a carência de profissionais interessados por áreas que contribuem melhor para acelerar a competitividade. Falta gente com formação em exatas – em inglês, as áreas contidas na sigla STEM – ciência (science), tecnologia (technology), engenharia (engineering) e matemática (maths) .

“Isso vai na contramão do que observamos, no ranking, com países muito bem colocados que criaram políticas de longo prazo com foco em ganhos de produtividade e que priorizaram o STEM”, diz.

O relatório do IMD conclui que, para o Brasil, “é necessário investir em educação executiva, com programas específicos e focados em habilidades fundamentais para profissionais de alto nível”.

E Hugo destaca que “já passou da hora” de conselhos e lideranças discutirem temas como inovação, pesquisa e desenvolvimento. “Isso ainda é bem distante da realidade das empresas brasileiras.”

Veja aqui os 10 primeiros, e os 10 últimos, países do ranking, com as posições de cada um nas categorias principais.

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O estoicismo é pop, mas será que as pessoas entendem mesmo essa filosofia? https://investnews.com.br/carreira/o-estoicismo-e-pop-mas-sera-que-as-pessoas-entendem-mesmo-essa-filosofia/ Sat, 08 Jun 2024 10:50:00 +0000 https://investnews.com.br/?p=586584 Serenidade para aceitar as coisas que você não tem como mudar. Não, este não é um texto sobre a Oração da Serenidade, que costuma abrir as reuniões dos Alcoólicos Anônimos, mas sobre como o estoicismo – e a suposta atitude resignada comumente atribuída ao estilo de vida estoico – se tornou um um fenômeno cultural, sobretudo para aqueles que buscam na filosofia antiga um guia para lidar com os desafios profissionais.

A atitude “relaxa, você não tem como controlar tudo ao seu redor” foi um bálsamo para Raul Perazza. O gerente de produtos digitais da Ambev foi apresentado ao estoicismo em uma sessão de terapia.

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“Eu vinha tratando uma ansiedade bastante ligada ao trabalho e meu psicólogo indicou o livro O Ego é seu Inimigo, do Ryan Holiday”. A experiência valeu a pena para Raul, que a definiu como “libertadora”.

“O estoicismo te leva a aceitar as coisas como elas são; a entender que elas estão acontecendo porque têm de acontecer. O seu papel é viver dentro dessa condição”, explica. “É um pouco duro, mas poupa sofrimento e faz com que você gaste menos energia desejando que as coisas fossem diferentes”.

Estátua de Marco Aurélio (161 d.C. – 180 d.C), imperador romano e pensador do estoicismo

Perazza leu uma das mais de 130 mil cópias do maior bestseller de Ryan Holiday no Brasil. A Intrínseca, que publica a maioria das obras do autor americano por aqui – incluindo O Ego é seu Inimigo – diz que os livros de Holiday já venderam mais de 320 mil cópias no país. Um fenômeno e tanto, já que uma tiragem média no Brasil fica por volta de cinco mil cópias.

Mas Holiday não inventou a roda, claro – muito menos o estoicismo.

A corrente filosófica floresceu na Grécia Antiga, onde tornou-se dominante por 600 anos, sendo a linha mais longeva daquela civilização. Foi popular ainda Roma Antiga, até padecer nas mãos do cristianismo ascendente. Tem Warren Buffet e Bill Gates entre seus admiradores contemporâneos. Até por isso, virou inspiração para executivos e profissionais em geral que buscam na filosofia helenística princípios que ajudem na progressão de carreira.

O trabalho de Holiday e de outros autores – quase todos americanos – foi dar verniz popular aos conceitos do estoicismo, transformando a corrente de pensamento milenar em dicas e histórias inspiradoras, encapsuladas nos livros que hoje vendem como pãozinho quente.

Para Rebeca Bolite, editora-executiva da Intrínseca, não se trata de mais uma onda de autoajuda, embora reconheça que as obras servem ao propósito de confortar leitores que buscam dicas práticas para lidar com os dilemas cotidianos, sobretudo os de âmbito profissional. “Muitos adeptos do estoicismo são pessoas de sucesso, como CEOs e grandes atletas”, lista. “Essas pessoas encontraram nas virtudes do estoicismo um norte para o dia-a-dia”.

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Resiliência, foco, disciplina, equilíbrio emocional. Todos são conceitos tipicamente atribuídos ao pensamento estoico e que costumam ser reforçados nos livros de autores popularizados pelo fenômeno. Essa dimensão prática do estoicismo também é citada por Lucas Oggiam, diretor da consultoria de recrutamento PageGroup, como chave para o sucesso da corrente filosófica entre as pessoas mais preocupadas com o andamento da carreira.

“Existem partes do estoicismo que são excepcionalmente correlacionadas com a vida dos executivos. Se você conseguir controlar a ansiedade para direcionar melhor suas ações, vai ter uma performance melhor e gerir bem o seu tempo”, opina Oggiam.

Mas será que o homem moderno está lendo direito o estoicismo? Há verdadeiros estoicos andando entre nós?

Não é bem assim

Superficial, incompleta e falsa. São essas as palavras escolhidas por Andytias Matos, doutor em filosofia pela Universidade de Coimbra para definir a “onda estoica” contemporânea. Não que ele não veja valor em livros que simplificam e popularizam as complexas escolas filosóficas, mas é que no caso do estoicismo o buraco é mais embaixo.

Professor em filosofia do direito na UFMG e autor de A Filosofia como Forma de Vida: uma introdução ao estoicismo grego-romano, o acadêmico argumenta que o pecado capital deste pretenso “neo-estoicismo” é a ênfase no indivíduo.

A corrente estoica, explica Matos, é uma “doutrina total” da realidade, da sociedade e do indivíduo. Não pode ser picotada conforme a conveniência do leitor para então ser diluída em um mero conjunto de práticas cotidianas. Se isso acontecer, pontua, temos qualquer coisa, menos o estoicismo.

Sim, complicou um pouco, o que faz deste um bom momento para recorrer a uma metáfora.

Considere uma árvore: nas raízes está a lógica, que é a razão da palavra, o discurso. O tronco é a física, o mundo natural, onde vivemos. E os frutos são a ética, que é a razão da vida, o modo de conduta. Lógica, física e ética são as três dimensões essenciais do pensamento estoico em que um aspecto é separado do outro, mas um está em consonância com o outro.

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Matos explica que, para os estoicos, o sofrimento, a tristeza, o insucesso e a dor existencial existem na medida em que os seres humanos estão desconectados da razão. É a partir dessa premissa que o estoicismo desenvolve teorias e práticas com a proposta de reconectar o homem à racionalidade.

Isso significa tentar harmonizar as ideias (aquilo que se alcança por meio do exercício da razão) com a prática (a ação humana no mundo).

“O estoicismo é um exercício contínuo de transformação de si e do mundo que nos cerca – e essa transformação de si exige uma ação concreta no mundo. Não é passividade”, sintetiza o professor da UFMG, que cita a contribuição do pensamento estoico para o fim da escravidão no mundo romano como exemplo de como essa filosofia não deve ser confundida com resignação. “Como eles agiram? Não de forma revolucionária, espetacular. Mas de uma forma diária, cotidiana, tranquila, buscando a transformação social”.

Andytias Matos recomenda que os interessados no assunto leiam diretamente os autores estoicos clássicos, como o imperador romano e filósofo estoico Marco Aurélio. “São autores extremamente claros na sua escrita”.

Orquestrando a publicação de mais livros sobre estoicismo na Intrínseca, Rebeca Bolite vê como legítima a apropriação do estoicismo pela cultura popular, ainda que isso possa acontecer de maneira superficial.

“Uma coisa não inviabiliza a outra. O estoicismo ficou embalado agora pelo Ryan Holiday, mas as pessoas também vão ler as Meditações de Marco Aurélio”, argumenta.

“A gente vai passar e o estoicismo vai continuar. Fenômenos são fenômenos e não existe muito controle sobre eles”, filosofa – estoicamente? – a editora.

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Carreira nos Estados Unidos: como preparar o visto? https://investnews.com.br/carreira/carreira-nos-estados-unidos-como-preparar-o-visto/ Thu, 16 May 2024 22:44:20 +0000 https://investnews.com.br/?p=578660 A engenheira civil Ayla Souza, de 37 anos, recebeu quatro propostas de trabalho de companhias dos EUA. A vaga de gerente de projetos para cuidar de uma estação de tratamento de água no Texas foi a que mais brilhou os olhos – e ela ocupa a posição desde março do ano passado.

Mas antes de ter o privilégio de escolher onde trabalhar por lá, a brasileira de Recife procurou – ainda morando no Brasil – algumas oportunidades pelo LinkedIn. Porém, sem um visto de trabalho americano, nada vingava. 

“Havia interesse por parte das empresas, mas quando passava para a fase seguinte, o processo não evoluía. Eles diziam que não tinham verba para patrocinar o meu visto naquele momento”, diz Ayla. 

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A engenheira Ayla Souza na obra onde trabalha nos EUA. Crédito: Arquivo pessoal

O patrocínio acontece quando a empresa se responsabiliza por bancar os custos de emissão do visto que vai garantir ao profissional o direito de trabalhar em solo americano.

Diante do que aconteceu com Ayla, que não conseguiu um patrocinador disposto a arcar com sua ida para os Estados Unidos, Alberto Buss, sócio e diretor comercial da SG Global Group, uma assessoria de imigração, explica: o profissional que não tiver um visto de trabalho vai mesmo se deparar com entraves.

“Em todo formulário de aplicação para uma vaga nos Estados Unidos, a primeira pergunta é se o candidato está legalmente habilitado para trabalhar no país”, diz. 

De acordo com o especialista, mesmo quando uma empresa resolve bancar a ida do profissional, é bem provável que ela tente “amarrá-lo” a um contrato que exija sua permanência na companhia por um tempo mínimo ou “desconte” os gastos da remuneração oferecida.

“Um enfermeiro nos Estados Unidos vai ganhar US$ 40 por hora trabalhada. Se uma instituição médica vai patrocinar o candidato, em vez de pagar US$ 40, ela vai pagar US$ 23”, diz.

Big techs

As big techs são conhecidas por bancar a ida de estrangeiros para os EUA. Essas empresas usam uma certificação trabalhista chamada de Perm. O documento permite ao empregador contratar um profissional estrangeiro para trabalhar permanentemente por lá, desde que comprove que não conseguiu encontrar mão de obra local para preencher uma determinada posição.

“Os Estados Unidos são agressivos em relação a esse controle. Eles entendem que a mão de obra americana só pode ser dispensada se não existir no mercado”, explica George Cunha, advogado do escritório George Cunha, focado em advocacia internacional.

Mas desde o ano passado, com a onda de demissões pelas empresas de tecnologia, os incentivos à obtenção de Perms têm diminuído. De acordo com informações do site de notícias Business Insider, Google e Amazon teriam interrompido processos de aplicação de vistos para estrangeiros. A Meta manteve os patrocínios, mas o processo teria ficado mais lento.

Logo da Amazon 06/10/2021 REUTERS/Pascal Rossignol

Os cortes de vagas retroalimentam o problema. Cunha explica: “O ministério do trabalho americano ficou mais rigoroso. Eles estão chamando aquelas pessoas que foram demitidas nos últimos seis meses. Se eventualmente entenderem que podem suprir a vaga, não vão conceder o certificado [para a empresa]”.

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Vistos

Existem 178 tipos de vistos para os Estados Unidos (pois é…). Para as empresas que vão contratar mão de obra estrangeira, o visto padrão é o H-1B.

Já para quem não quer depender de um patrocinador, um dos mais indicados é o EB2-NIW. Ele é concedido para pessoas que têm qualificação ou habilidades específicas que possam ser aproveitadas nos EUA, mesmo sem que haja uma oferta de trabalho. Ele pode ser solicitado para quem mais de cinco anos de experiência em sua área de atuação. E dá ao direito ao Green Card.

“Por ser um visto de trabalho, de residência permanente e sem a necessidade de um patrocinador, ele te dá toda a liberdade do mundo. Se decidir empreender, trabalhar para os outros, ou transitar de carreira, o visto te permite”, diz Alberto Buss, da SG Global.

Foi esse visto que Aya conseguiu. Ela iniciou o processo em janeiro de 2022, quando estava em Nova York para estudar inglês e viu de perto um mar de oportunidades na área da engenharia.

“Me deram seis meses de permanência e apliquei para o EB2-NIW dentro deste período. Uma vez que se aplica dentro da permanência concedida, você consegue uma extensão, enquanto o processo é analisado. Mas não pode sair dos EUA”, explica a engenheira. 

A experiencia profissional já seria suficiente para o pedido de visto, mas Ayla, que já tinha tido uma pequena empresa de engenharia e consultoria no Brasil, construiu, junto com uma consultoria especializada em imigração, um plano de negócios que pudesse levar para solo americano. “É preciso provar para os Estados Unidos que você merece ser aceito”.

Ayla, que teve o visto aprovado em julho de 2022 (um ano após sua chegada como turista), desembolsou US$ 22 mil em todo o processo – entre custos migratórios e assessoria.

O plano de negócios foi um “plus a mais” de Ayla para obter seu EB2-NIW. Não se tratava de uma exigência. Tampouco haverá cobrança das autoridades para que ela empreenda. Mas a engenheira não quer deixar sua ideia só no papel. “Os EUA oferecem um ambiente muito favorável ao empreendedor, tanto no quesito oportunidades quanto no aspecto fiscal. Atualmente estou analisando o mercado e fazendo networking”.

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Marcelo Tas: 41 anos de carreira em ‘modo beta’ https://investnews.com.br/carreira/marcelo-tas-41-anos-de-carreira-em-modo-beta/ Sat, 04 May 2024 11:00:00 +0000 https://investnews.com.br/?p=576629

“O povo daqui gosta do governo que tem aqui. Espero que o povo de lá também esteja gostando do governo que tem lá porque o presidente é o meu pai”. A honestíssima declaração de Sarney Filho em 1985 foi ao repórter Ernesto Varela, em plena Praça Vermelha, no coração da Rússia soviética, durante o Festival da Juventude Comunista. 

Essa descrição parece inverossímil, mas é bem acurada. A única imprecisão é que Ernesto Varela, o repórter, era na verdade um personagem sob o qual estava Marcelo Tas, então com 25 anos de idade e uma cabeleira razoável. Atrás da câmera, um Fernando Meirelles que se acostumava a ser chamado de Valdecir pelo repórter de mentirinha. 

“Agora eu sei dar nome para a [produtora] Olhar Eletrônico, que foi a primeira empresa em que eu trabalhei. Ela era uma startup. Uma startup que fazia um produto que ninguém sabia se ia ter público: o vídeo”, explica ao InvestNews Marcelo Tas, agora aos 64 anos e dono de uma conhecida e lustrosa careca. “Muitas vezes você está testando um formato ou um produto e, enfim, a coisa não vai dar certo. Mas pode ser que dê.”

O olhar para trás não é à toa. Tas passou os últimos dois anos em conversas, anotações e escritas para botar de pé sua autobiografia profissional Hackeando sua carreira – como ser relevante num mundo em constante transformação. No livro, lançado pela Planeta, fica claro o permanente “modo beta” de Tas. 

Ele foi Ernesto Varela, Professor Tibúrcio e o Telekid (“‘Porque sim’ não é resposta!), foi roteirista e diretor do Castelo Rá-Tim-Bum, coordenou o Telecurso 2000, apresentou o CQC, comanda o Provocações, comenta no Jornal da Cultura. A lista completa é muito maior, mas essa coleção já dá conta de mostrar como é difícil definir a ocupação de Marcelo Tas. “Comunicador” talvez dê conta da maior parte de uma carreira que começou quando ele ainda cursava engenharia civil na Poli-USP. 

Para Tas, permitir-se uma vida cheia de experiências diversas é essencial. Mas refletir sobre elas e articular essas vivências é ainda mais importante. 

“A grande brincadeira é você ligar pontos diversos na sua vida. É uma delícia, é muito árduo e é o melhor caminho para a criatividade, não tenho dúvida. Até para resolver problemas… principalmente para resolver problemas.”

Às vezes, os problemas podem ser metaforicamente chamados por Tas de “encruzilhadas”. Uma delas veio aos 30 anos, quando um acidente lhe custou uma fratura em cada calcanhar e fez com que ele tivesse de lidar com a ideia de não poder caminhar, dois anos de recuperação e muita fisioterapia. “Aquilo me pegou, fiquei no fundo do poço mesmo. É possível que eu nunca mais ande?”, pensou. 

A parada obrigatória no momento em que a carreira decolava ensinou uma lição preciosa sobre o cuidado com a saúde. “Sempre cuidei do corpo. Mas aí comecei a cuidar muito melhor. Minha saúde melhorou muito depois desse tombo”. 

“Essas encruzilhadas servem para ampliar os campos de visão. Podem servir para isso, depende muito de você…”

Mas os momentos de parada não precisam ser fruto do acaso ou do azar. Logo depois de chegar à Globo, em 1987, Tas foi aprovado para uma bolsa de estudos na New York University. Quando veio o convite para fazer o Video Show, ele avisou à chefia que, se a bolsa saísse, ele iria para a Big Apple e pronto. Dito e feito. 

“Eles não acreditaram que eu ia ter essa coragem, mas se eu não tivesse feito a NYU, ficado lá um ano e meio e aprendido tudo o que eu aprendi, nunca teria feito o que veio na sequência”.

Foi na NYU que Tas conheceu os computadores Apple – nos quais ele se inspirou para criar o Telekid do Castelo Rá-Tim-Bum, um garoto que responde aos porquês das crianças por meio de pesquisas feitas em um walkie-talkie que abria janelas virtuais com as respostas. E isso em 1994, antes de qualquer coisa remotamente parecida com o Google. 

Os escritos do psicólogo e Nobel de Economia Daniel Kahneman foram da companhia de Marcelo Tas durante o processo de escrita do livro. O especialista da escola comportamental ajudou o comunicador a formar seus raciocínios a respeito das tomadas de decisão necessárias na carreira. 

O “modo beta” de Marcelo Tas não impediu que projetos longos acontecessem. Na passagem atual pela TV Cultura já são oito anos. Oito anos também foi o período na Band, quando planejou e apresentou a versão brasileira do formato argentino Custe o Que Custar (CQC). Ele se orgulha dessas relações duradouras, mas alerta: “Quando você chega no piloto automático, é perigoso, mesmo que você esteja monetariamente gerando valor”. 

“Às vezes você vai ficar muito rico até, mas aí vai ter aquela tristezinha no final do espumante em Veneza”, brinca. Aqui, Tas fala de um amigo que conquistou muito dinheiro durante a carreira. 

“No final do espumante, virou para mim: ‘No fundo eu queria ter sido como você. Porque você fez o que quis’. Mas eu lembro do que ele queria: ele queria ficar rico, e conseguiu”. Tas tira uma lição: “Se você tem como meta ficar rico, tome cuidado: você pode conseguir. E talvez isso não signifique que você vai estar feliz”. 

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Carreira: o lado bom de trabalhar numa empresa em recuperação judicial https://investnews.com.br/carreira/carreira-o-lado-bom-de-trabalhar-numa-empresa-em-recuperacao-judicial/ Mon, 15 Apr 2024 10:55:00 +0000 https://investnews.com.br/?p=569564 Quando Vitor Mallmann foi convidado para assumir a cadeira de diretor de uma companhia que tinha acabado de entrar em recuperação judicial, ele não hesitou em aceitar o convite. 

“Muita gente me perguntou: você veio pra quê? Eu falei: ‘vai ser extremamente desafiador, mas quero botar esse troféu na minha prateleira'”. 

Era a primeira vez que o executivo – que assumiu simultaneamente a cadeira de diretor financeiro, de relação com investidores e de recursos humanos – trabalharia em uma companhia em recuperação judicial.

No caso, a empresa era a fabricante de telhas Eternit (ETER3), que entrou com seu pedido de RJ em março de 2018, com uma dívida de R$ 250 milhões. 

O cenário problemático se instaurou em 2017, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu o amianto em território nacional. O minério, altamente cancerígeno, era, até então, a principal matéria-prima usada pela Eternit para fabricar telhas – segmento responsável por boa parte da receita da empresa. Sem saída, a companhia teve de recalcular a rota. 

O fato é que encontrar executivos dispostos a fazer essa transição e encarar desafios como o enfrentado pela Eternit não é trivial. 

É natural que profissionais recusem logo de cara oportunidades em companhias que estão passando por processos mais turbulentos. 

Mas há um lado meio cheio no copo das empresas em RJ. Para atrair profissionais, muitas vezes a saída é apelar para remunerações mais agressivas, com bonificações atreladas aos resultados. 

“Quando o movimento é bem sucedido, os executivos acabam tendo um diferencial de remuneração, se comparado ao mercado”, diz Fernando Guedes, sócio-sênior do Grupo Hub, empresa de Rh que atua no recrutamento de executivos. 

Guedes exemplifica. Um CFO ou CEO em situação normal de mercado pode receber de bônus o equivalente 100% a 150% do salário anual. Numa companhia em RJ, o executivo que reperfila dívidas, negocia reduções de juros e otimiza débitos fiscais pode receber – na modalidade de sucess fee (precificação por resultados) – um bônus que pode chegar a quatro vezes o salário anual (300%). 

Claro que não é nada fácil passar por desafios como esse – muita gente pula fora do barco ao longo do processo. Na Eternit, por exemplo, 164 pessoas pediram demissão (10% do quadro na época), quando a companhia entrou em RJ.

Paulo Almeida, professor da Fundação Dom Cabral, e um dos coordenadores do curso “Liderando na Crise”, desenvolvido na pandemia, explica que existem duas boas práticas recomendadas em momentos turbulentos. 

“Primeiro, não se deve esconder a situação real dos seus liderados. Segundo, se deve comunicar o tempo todo”.

Paulo Almeida, professor da Fundação Dom Cabral

O professor orienta encarar a realidade de peito aberto, nada de mentiras ou informações pela metade. “Pressupõe uma comunicação clara, transparente e a todo instante para evitar, como falam as boas práticas, rumores e fofocas”, diz.

Na prática

19 de março de 2018, quase meia noite, a Eternit comunica ao mercado, em fato relevante, que havia ajuizado seu pedido de recuperação judicial.

No dia seguinte, a diretoria reúne os líderes em uma conferência para falar sobre o momento difícil que estava por vir. Os líderes, por sua vez, seriam os responsáveis por cascatear a mensagem para as equipes. O tom era positivo, mas, ao mesmo tempo, exista um cuidado para não ser fantasioso.  

A empresa sabia que o caminho era mostrar às equipes o que seria feito na prática para mudar o rumo daquela história. 

“Normalmente, a gente imagina o pedido de recuperação judicial como aquela etapa pré-terminal. A falência. É a UTI que o sujeito entra e não sai. No nosso caso, não foi assim. A gente procurou explicar a razão pela qual o plano de recuperação estava sendo feito e um plano de voo”. 

Vitor Mallmann, diretor financeiro, de relação com investidores e de recursos humanos da Eternit. Crédito: Divulgação

O plano de recuperação ainda não estava pronto, mas à medida que o documento ia sendo construído – até ser aprovado pelos credores, em junho de 2019 – Mallmann conta que a empresa buscava repassar aos funcionários cada etapa do processo. 

O plano passava por vender ativos não operacionais, como imóveis acumulados ao longo de 80 anos de existência da companhia. A empresa também apostou no fibrocimento, um material composto por cimento, água e fibras de reforço, para substituir o amianto. 

Com os planos saindo do papel, a Eternit voltou a fazer investimentos. Em 2021, a empresa anunciou a compra da concorrente Confibra e em março deste ano inaugurou em Caucaia, no Ceará, uma fábrica de telhas de fibrocimento.

Vitor Mallman, o diretor financeiro, resume: “Nos últimos três anos, a empresa investiu R$ 500 milhões aproximadamente. Para uma empresa que entrou em RJ com uma dívida de R$ 250 milhões, diria que foi um projeto bem sucedido”. 

Liderança presente

Paulo Almeida, da Fundação Dom Cabral, explica que a presença da liderança num processo de RJ é extremamente necessária. 

A varejista Americanas, que entrou em recuperação judicial em janeiro do ano passado, depois do episódio da fraude contábil de R$ 20 bilhões, busca fazer a lição de casa. 

Com a chegada no novo presidente Leonardo Coelho, em fevereiro de 2023, a companhia implementou novos programas, como o “Papo com o CEO” – prática que permite aos funcionários agendar horário para falar com o executivo, em encontros com pequenos grupos.  “Estas pessoas têm um poder de contribuição real para o futuro do negócio”, conta Ana Paula Martins, gerente de RH da Americanas.

A varejista também criou um núcleo ligado ao RH com uma equipe de psicólogos e assistentes sociais para ajudar na recuperação da autoestima nesse momento de indefinição sobre o futuro.

“Nos valemos de uma sensação enraizada de pertencimento. Temos uma gama enorme de funcionários com mais de dez anos de empresa, que estão aqui desde o primeiro emprego e se desenvolveram profissionalmente”.

Como meio de engajar os funcionários, a companhia aderiu ao Programa Empresa Cidadã e incluiu novos benefícios, como Gympass. Também estruturou trilhas para a formação de lideranças e uma política de remuneração mais alinhada às práticas de mercado.

No caso de Americanas, ainda é cedo para saber se o plantio de hoje dará frutos lá na frente. 

Na Eternit, o resultado está mais claro. A empresa quitou as dívidas com credores e pediu, em outubro do ano passado, o fim de sua recuperação judicial. 

Parece que Vitor Mallmann vai conseguir colocar o troféu na prateleira. 

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