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O que Fernanda Torres e Demi Moore ensinam sobre mulheres e mercado de trabalho?

Fernanda Torres e Demi Moore exibem prêmios do Globo de Ouro
Fernanda Torres e Demi Moore exibem prêmios do Globo de Ouro 2025. Foto: Mario Anzuoni/Reuters

Fernanda Torres e Demi Moore ganharam a cena na edição 2025 do Globo de Ouro, uma das principais premiações do cinema de Hollywood, realizada neste domingo (3). Fernanda fez história ao ser a primeira brasileira a ganhar a estatueta, de melhor atriz em filme de drama, e a americana levou a sua na categoria melhor atriz em filme de comédia ou musical. Ambas chamaram a atenção pelos discursos bem elaborados sobre os desafios contemporâneos enfrentados pelas mulheres no mercado de trabalho.

A brasileira de 59 anos fez questão de dedicar seu prêmio pela atuação em “Ainda Estou Aqui” à mãe, a também atriz Fernanda Montenegro, e à sua personagem, Eunice Paiva, que lutou contra a Ditadura Militar do Brasil (1964-1985) para manter a família unida diante do desaparecimento e assassinato do marido, Rubens Paiva. Demi Moore, de 62 anos, falou sobre como não se deixar abater às críticas de quem joga contra a sua carreira.

Os discursos causaram grande repercussão, sobretudo, nas redes sociais. “Cada vez que uma mulher rompe uma barreira histórica abre as portas para um futuro mais igualitário”, afirma a consultora Leila Arruda, fundadora da Larruda Desenvolvimento Humano e coautora do livro “Coaching: a hora da virada”.

Veja 9 lições tiradas dos discursos de Fernanda Torres e Demi Moore no Globo de Ouro:

Discurso de Fernanda Torres

“Meu Deus, eu não preparei nada porque eu já estava contente [com a indicação]. Isso foi um ano incrível para os desempenhos de atrizes. Tantas atrizes aqui que eu admiro tanto.”

Ana Fontes, empreendedora social, CEO e fundadora da Rede de Mulheres Empreendedoras, destaca que no início de seu discurso, Fernanda passa, de forma leve, o conceito de que participar da festa já era uma grande vitória.

“É a ‘síndrome da impostora’, algo muito forte entre as mulheres. As mulheres não nascem sem autoestima, mas ela vai sendo dilapidada e questionada durante a nossa vida. É o que acontece por conta dessa construção social, da autoestima sendo colocada em questão: ‘Eu deveria estar ali? Essas outras mulheres são maravilhosas, eu deveria pertencer a isso?”

“E, claro, eu quero agradecer ao Walter Salles, meu parceiro, meu amigo. Que história, Walter! E, é claro, eu quero dedicar esse prêmio à minha mãe. Vocês não têm ideia. Ela estava aqui há 25 anos. E isso é uma prova que a arte pode resistir através da vida.”

Rebeca Toyama, porta-voz do Programa “Liderança com Impacto”, da Rede Brasileira do Pacto Global da ONU, reforça que lembrar da mãe, nesse momento de glória, é fundamental. “Enquanto as pessoas não aprenderem a honrar a ancestralidade não vamos ter liderança feminina”, afirma. “A relação da mulher com ela mesma é muito complicada. As relações estão complicadas até com a mãe.”

Para Marina Prieto, professora do Centro de Carreiras da Strong Business School, a gratidão de Fernanda Torres à mãe revela os laços familiares com nossas âncoras emocionais. “Esses laços nos lembram de quem somos, de onde viemos e do porquê seguimos em frente”, destaca. “A força desses vínculos nos dá coragem para enfrentar os desafios do trabalho e do dia a dia. Quando reconhecemos essa base, carregamos conosco um amor que transforma até mesmo os momentos mais difíceis em força.”

“Até durante momentos difíceis pelos quais a personagem que eu interpretei, Eunice Paiva, passou. E a mesma coisa que está acontecendo no mundo hoje. Tanto medo. Esse é um filme que nos ajudou a pensar em como sobreviver em tempos como esses.”

Marina Prieto lembra que marcar posição sem perder a delicadeza exige clareza no que acreditamos e sabedoria para encontrar a forma certa de comunicar isso. “É possível ser firme e respeitosa ao mesmo tempo. Em um mundo polarizado, usar a empatia como ferramenta pode ser transformador. Fale com o coração, sem esquecer que ouvir outras perspectivas também é um ato poderoso. Assim, é possível ser ouvida sem criar barreiras.”

Rebeca reforça: “Eunice Paiva representa um corte temporal do período militar, mas temos outras Eunices em outras situações, ainda que não estejamos sob uma ditadura. Naquele momento eu vejo que ela representou muito bem os brasileiros por não tomar partido. Fernanda não se perdeu na polarização.”

“Então, para a minha mãe, para a minha família, para o Andrucha [Waddington, marido de Fernanda], para o Selton [Mello], meus filhos. E para todos, muito obrigada ao Globo de Ouro, Michael Parker, Mara, tantas pessoas. Muito obrigada!”

Ana Fontes reforça ao agradecer à família e aos colegas, Fernanda enfatiza a questão da rede de apoio. “Quando não tem a rede de apoio, a vida das mulheres fica muito mais difícil. É importante a gente ter consciência que a Fernanda é mulher branca, de classe média, com estrutura familiar forte e ela fala isso em todos os lugares. Ela tem consciência de classe e privilégio. Outras mulheres terão muito mais dificuldade e, para elas, é ainda mais importante essa rede de apoio.”

Discurso de Demi Moore

“Faz 45 anos que eu faço isso e é a primeira vez que ganho algo como atriz. Me lembro de quando falaram que eu era uma atriz de ‘filme pipoca’ [popular] e achei que eu nunca ia ter a chance de ganhar um prêmio assim e nunca ia ser reconhecida.”

Rebeca Toyama destaca que é comum, no ambiente de trabalho, receber feedbacks negativos de gestores e colegas. “É um mecanismo de defesa no qual para eu crescer entendo que rebaixando me coloco em um lugar seguro. A longo prazo não traz resultado positivo para nenhuma das partes. É preciso ter metas próprias, objetivos pessoais e profissionais muito claros. Cair na armadilha de ficar refém do olhar externo vira um complicador para a saúde mental.”

“Eu pensei que eu poderia fazer filmes que fossem bem-sucedidos e que rendessem muito dinheiro, mas que eu não poderia ser reconhecida, e eu acreditava nisso. Isso me corroeu ao longo do tempo a ponto de eu pensar alguns anos atrás que talvez fosse isso, talvez eu estivesse completa, talvez eu já tivesse feito o que deveria fazer.”

Ana Fontes reforça a questão do etarismo nesta fala de Demi, e sua luta para mostrar que não precisa ser para sempre a mocinha indefesa de ‘Ghost’ (1990), que precisa do fantasma do namorado para defendê-la, nem a heroína de “G.I. Jane” (1997), que teve de ficar careca e se vestir como homem para mostrar que é forte.

Para Marina Prieto, é importante lembrar que recomeçar faz parte da vida. “A maturidade traz experiências e aprendizados que muitas vezes são os pilares de nossos maiores sucessos.”

“Estava em um momento ruim, e então eu recebi esse roteiro mágico, ousado, corajoso, fora da caixinha, absolutamente maluco, que chegou na minha mesa, chamado “A Substância”, e o universo me disse: ‘Você ainda não está acabada’. Sou muito grata a Coralie [Fargeat] por confiar em mim.”

Demi Moore passou por dois divórcios, com os atores Bruce Willis e Ashton Kutcher, e nos últimos anos se colocou ao lado de Willis, pai de suas três filhas, para ajudá-lo depois que foi diagnosticado com demência frontotemporal (DFT), doença neurodegenerativa que afeta a linguagem e a personalidade.

“É a economia do cuidado, na qual 80% são executados por mulheres que cuidam de filhos, pais ou maridos doentes, além da casa”, destaca Ana Fontes. “É um trabalho muito pesado, que não é reconhecido nem valorizado financeiramente.

Para Marina Prieto, equilibrar vida social e desafios profissionais funciona como um ato de coragem e autocompaixão. “É importante lembrar que somos humanas e que, às vezes, a balança não estará perfeita – e tudo bem. Delegar tarefas, estabelecer prioridades claras e criar momentos de autocuidado são fundamentais.

“Esse filme está transmitindo aqueles momentos em que não achamos que somos inteligentes o suficiente ou bonitas o suficiente ou magras o suficiente ou bem-sucedidas o suficiente ou basicamente não o suficiente.”

Tem idade certa para alcançar o auge? Quem determina isso? Como manter a crença de que ainda podemos produzir muito mais? Não tem idade certa, responde Rebeca Toyama.

“As maiores descobertas do mundo foram feitas por pessoas sexagenárias. Temos um certo preconceito por uma coisa que não é verdade. Pessoas a partir dos 60 anos são bastante produtivas”, enfatiza.

“Uma mulher me disse: ‘Você nunca será o suficiente, mas você pode saber o seu valor se você simplesmente largar essa régua [de comparação]’. E então hoje celebro isso como um marcador da totalidade e do amor que está me impulsionando. E pelo presente de fazer algo que amo e ser lembrada de que eu pertenço. Muito obrigada.”

Rebeca Toyama vê na fala final de Demi um alerta às mulheres. “Falar em ‘marcador da totalidade’ é uma jeito muito pobre de reduzir sua existência a um prêmio. Essa frase mostra o quanto essa moça ainda é refém do olhar externo. Não tem prêmio no mundo que possa representar a nossa totalidade“, diz.

Leila Arruda afirma que a virada de chave nesse processo acontece quando a mulher passa a se cobrar menos. “Quando você dá o seu melhor, a colheita é inevitável e você fica mais leve e não fica sofrendo. A gente faz comparação de forma inconsciente. As redes sociais só mostram o mundo perfeito dos outros. Para praticar esse desapego é necessário celebrar as pequenas conquistas. E ter gratidão e pensamentos bons.”

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