Colunistas – InvestNews https://investnews.com.br Sua dose diária de inteligência financeira Tue, 22 Oct 2024 18:11:15 +0000 pt-BR hourly 1 https://investnews.com.br/wp-content/uploads/2024/03/favicon-96x96.ico Colunistas – InvestNews https://investnews.com.br 32 32 Acemoglu, Nobel de Economia, crê que impacto de IA na produtividade é baixo. Produtividade de quem? https://investnews.com.br/colunistas/acemoglu-nobel-de-economia-cre-quem-impacto-de-ia-na-produtividade-e-baixo-produtividade-de-quem/ Mon, 14 Oct 2024 22:15:33 +0000 https://investnews.com.br/?p=622190
Daren Acemoglu, Nobel de Economia, crê que impacto de IA na produtividade é baixo/ Foto: divulgação

Daren Acemoglu, o vencedor do Nobel de Economia deste ano (junto de Simon Johnson e James A. Robinson) tem refletido bastante sobre o impacto da inteligência artificial na economia nos seus últimos trabalhos. Em um importante working paper publicado em maio, Acemoglu fez as contas e estimou em modestos 0,53% os ganhos de produtividade gerais da economia ao final de dez anos, advindos da aplicação da inteligência artificial em diversos setores.

Isso é bastante diferente, por exemplo, da estimativa do banco Goldman & Sachs, que vê um crescimento de produtividade anual de 1,5% nas economias desenvolvidas e de 0,7% a 1,3% em emergentes com a adoção da IA.

Mesmo 1,5% parece baixo para nós que estamos imersos neste mundo, mantendo múltiplas janelas do ChatGPT, Perplexity e NotebookLM abertas. Isso deve ser viés meu, segundo Acemoglu.

O economista do MIT considera que números “inflados” de Goldman e McKinsey convencem porque superestimamos a prevalência das profissões relacionadas à produção e gestão de informação — de programadores a jornalistas, passando por analistas do mercado financeiro.

Quem passa o dia na frente do computador produzindo relatórios ou código pode ver ganhos de 20%, 30%, ele admitiu em uma recente entrevista ao Financial Times. Mas esse boost na produtividade é exceção, não regra na economia. E pode ser ilusório.

Para chegar ao seu número modesto ele fez a seguinte conta: o impacto da IA na produtividade total é calculado multiplicando a parcela do PIB referente a tarefas que podem ser automatizadas com IA pela economia de custos gerada por essa automação.

Ele usou uma estimativa de que 20% das tarefas estão “expostas” à automação e que 23% delas gerariam lucro se automatizadas. O que dá 4,6% do PIB exposto à automação lucrativa. Ele pega esse valor, já uma pequena fração da economia, e multiplica pela economia real gerada por IA (medida em papers como esse) — algo como 15%.

A fração da fração da fração faz Acemoglu chegar a essa taxa baixinha de 0,064% de crescimento anual.

Essa conta parte de vários pressupostos. O primeiro é que os experimentos iniciais que reportam ganhos de produtividade (alguns utilizando modelos pré-GPT-4) são representativos do que veremos nos próximos anos.

Parece razoável supor que não. O próprio Acemoglu diz que o ChatGPT o impressionou em novembro de 2022, mas não mudou de forma expressiva as suas estimativas conservadoras do impacto da IA, vistos por exemplo em “Artificial Intelligence, Automation and Work” (2018) e “The Wrong Kind of AI? Artificial Intelligence and the Future of Labor Demand” (2019). Ou seja: para ele, IA generativa e IA “clássica” (preditiva) não são muito diferentes, e o ChatGPT é um “pônei de poucos truques”.

A outra questão é que ele não conta o potencial da IA em campos científicos que gerariam ganhos enormes na economia. Se modelos de IA forem capazes de “descobrir” novos materiais ou novas drogas e eles forem incrivelmente bem sucedidos — pense em um novo Ozempic –, quem recebe os créditos?

Demis Hassabis e John M. Jumper, vencedores do Nobel de Química este ano, fizeram o campo de pesquisa em proteínas avançar muitas décadas nos últimos anos, graças à IA. Calcular o impacto desses avanços na produtividade da economia como um todo, em setores difusos, não é trivial.

E um terceiro fator difícil de medir é que muitos dos ganhos de produtividade estão acontecendo mais no nível pessoal do que no das companhias, o que afeta todo tipo de cálculo.

Pensemos em um cenário realístico. Digamos que uma analista de dados júnior. receba a tarefa de completar uma análise detalhada das vendas no último trimestre e produzir gráficos que expliquem para a diretoria, além de modelos estimando o impacto de mudanças no preço dos insumos nos próximos meses. O chefe espera que ela complete o trabalho em três dias, que é o que ele costuma gastar.

Mas usando o modo de análise de dados ChatGPT que – importante – o chefe não conhece muito bem, ela completa tudo em uma hora. O que ela faz com o tempo que economizou? Se ela imediatamente pedir novas tarefas, e continuar completando essas atividades em tempo recorde, a produtividade da empresa aumenta. Mas se ela embolsar o tempo e gastar o que economizou lendo notícias ou dando um tapa no currículo para tentar um cargo em outra empresa, o ganho de produtividade mensurável é zero.

E é provável que versões dessa história estejam acontecendo por todos os lados. Ethan Mollick, professor de Wharton e um dos maiores especialistas em inteligência artificial, diz que um dos fatores centrais que limitam o impacto da IA na produtividade organizacional tem a ver com o desalinhamento de incentivos.

A adoção de IA às vezes acontece segundo ele “nas sombras”, com colaboradores experimentando soluções por conta própria, escondendo seus avanços. Como no caso da analista de dados, isso acontece porque a experimentação direta é “barata e vantajosa para quem está motivado a facilitar sua própria rotina, mas a comunicação desses resultados para a organização nem sempre é recompensada”. Muitos colaboradores têm medo de punição, não querem perder o status de “heróis” ou temem que os ganhos de produtividade sejam utilizados apenas como justificativa para cortes de custo — e, consequentemente, demissões. Se não deles, dos colegas.

Para Mollick é essencial alinhar os sistemas de recompensa, oferecendo benefícios concretos para quem compartilha suas práticas de IA, como prêmios financeiros ou promoções. A liderança deve dar o exemplo, usando IA abertamente e incentivando suas equipes a fazer o mesmo, mostrando que o uso da tecnologia é valorizado e faz parte da estratégia da empresa.

Talvez, assim, às claras, os benefícios da IA não apenas sobre a produtividade mas a vida humana no geral, sejam melhor percebidos. Pelo Nobel de economia, os acionistas e a chefia.

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Por que Mark Zuckerberg, da Meta, aposta tão alto na inteligência artificial https://investnews.com.br/colunistas/por-que-mark-zuckerberg-da-meta-aposta-tao-alto-na-inteligencia-artificial/ Fri, 02 Aug 2024 10:50:00 +0000 https://investnews.com.br/?p=604921 A Meta, dona de Facebook, Instagram e WhatsApp, já gastou US$ 30 bilhões apenas em compra de placas (GPUs) da Nvidia dedicadas ao treinamento de modelos de inteligência artificial nos últimos três anos. É um valor equivalente ao que o governo americano investiu no Projeto Manhattan, que resultou na bomba atômica retratada no filme Oppenheimer. 

A comparação parece despropositada, mas é uma das poucas que dá conta do tamanho da aposta que a empresa vem fazendo em busca de supremacia em uma tecnologia emergente.

Quando começou a montar essa gigantesca infraestrutura (que equivalerá a 600 mil GPUs até o fim do ano), ainda em um momento pré-ChatGPT (2022), o fundador e CEO Mark Zuckerberg não tinha certeza sobre qual seria a sua utilidade. A ideia inicial era treinar modelos para melhorar o algoritmo do Instagram que sugere vídeos, para competir com a avançada IA do chinês TikTok.

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Investidores viram com alguma desconfiança o gasto. Mas Zuckerberg manteve que seria importante para a Meta ter o hardware que permitisse à empresa surfar em qualquer onda que viesse. “A essa altura, eu prefiro arriscar construindo essa capacidade antes que seja necessário do que quando for tarde demais”, disse na conversa com investidores em que anunciou os resultados do 2º trimestre de 2024, na última quarta-feira (31/7).

Além de silício, a Meta investiu em pessoas. O time de IA, chefiado por Yann LeCun — um dos cientistas mais respeitados no campo — sobreviveu inclusive a cortes profundos na empresa e teve liberdade para experimentar.

Mark Zuckerberg anuncia novidades da Meta 27/09/2023 REUTERS/Carlos Barria

E, ao contrário de OpenAI (criadora do GPT), Google (Gemini) e Anthropic (Claude), a Meta compartilhou seus avanços de IA com o mundo, na forma de modelos em código aberto.

Há poucos mais de uma semana, a empresa atualizou sua família de grandes modelos de linguagem (LLMs), chamada de Llama 3.1, o primeiro a rivalizar em performance com os modelos fechados, como o utilizado no ChatGPT. Qualquer empresa pode hospedar ou modificar os modelos — a Meta só cobra um licenciamento acima de 700 milhões de usuários.

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“O objetivo não é ter necessariamente o melhor modelo e sim o mais utilizado”, avalia Ben Thompson, analista de mercado do Stratechery. Ao disponibilizar o Llama, a Meta espera aprender com o que os desenvolvedores vão fazer, para depois criar novas aplicações em cima.

Isso será fundamental. Porque a verdade é que a Meta precisa de ideias do que fazer com a tecnologia, levando em conta o que aconteceu com a primeira aplicação com IA generativa: seus chatbots que emulam celebridades, lançados com pompa ano passado, foram desligados esta semana. Não deu certo.

Em seu lugar, a Meta disponibilizou o “AI Studio”, que permite a qualquer influenciador do Instagram criar chatbots que imitam aparência e linguagem para interagir com os seguidores. Funcionalidade parecida estará disponível até o fim do ano a donos de negócios que quiserem criar robôs de atendimento ao cliente com IA via WhatsApp. Com isso, Zuckerberg espera que a empresa vire líder em uso de inteligência artificial nos próximos meses.

Para desespero de acionistas, não há um modelo de negócios muito óbvio para a aplicação da IA pela Meta ainda, além da promessa de aumento o engajamento no Instagram, WhatsApp e Facebook. Além disso, ainda está fresca na memória de Wall Street a aposta furada no metaverso, que fez a empresa afundar bilhões e até mudar de nome.

Mas os resultados positivos na divisão de publicidade, que fizeram o faturamento crescer 22% em relação ao mesmo tri de 2023, permitem algumas aventuras. E o que parece mover Zuckerberg é o desejo de controlar o seu futuro. Por diversos momentos nos últimos anos, a Meta não pôde colocar funcionalidades extras no Instagram e Facebook porque dependia de aprovações de Apple (iOS) e Alphabet (Android). 

Se as próximas inovações serão mediadas pela inteligência artificial, como aconteceu com smartphones na última década, a Meta quer ter uma influência grande na construção desse futuro. A ver se a aposta se paga.

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“A Álgebra da Riqueza”, o livro de Galloway que vale para iniciantes ou profissionais tarimbados https://investnews.com.br/opiniao/colunistas-opiniao/a-algebra-da-riqueza-o-livro-de-galloway-que-vale-para-iniciantes-ou-profissionais-tarimbados/ Wed, 24 Jul 2024 10:50:00 +0000 https://investnews.com.br/?p=602398 The Algebra of Wealth: A Simple Formula for Financial Security” é o mais novo livro (e já best-seller) de Scott Galloway, professor de Marketing da NYU Stern School of Business, empreendedor serial e autor de vários outros best-sellers nos Estados Unidos.

O livro se propõe a oferecer um guia prático de bons hábitos pessoais, profissionais e financeiros para potencializar o sucesso financeiro no longo prazo.

À primeira vista, o título pode induzir o leitor a acreditar que se trata de mais um livro de finanças, feito por um financista para financistas. Mas não é. E isso é uma excelente notícia.

Em geral, a maioria dos livros feitos por financistas (como eu) são chatos, monótonos e prolixos. Na dificuldade de expressar temas profundos de forma simples, direta e leve, deixamos de cumprir uma das missões nobres da nossa profissão: melhorar a educação financeira das pessoas.

Galloway é um craque na arte da escrita. Sua habilidade de combinar dados empíricos com narrativas pessoais e humor torna sua escrita não apenas reflexiva, mas também agradável de ler. Ele utiliza muitas analogias e exemplos do dia a dia para ilustrar conceitos complexos, o que torna as ideias do livro mais compreensíveis. Por isso, recomendo fortemente que leia sentado, com caneta ou marcador na mão. Inúmeros trechos são altamente “printáveis”, “postáveis” e compartilháveis.

A fórmula central de “The Algebra of Wealth” é “Riqueza = Foco + (Estoicismo x Tempo x Diversificação). O livro tem um capítulo dedicado a cada um desses elementos.

Em ESTOICISMO, o autor aborda como a prática dos valores estoicos (coragem, sabedoria, justiça e temperança) ajuda a alinhar o comportamento de curto prazo com os objetivos financeiros de longo prazo, promovendo hábitos saudáveis e escolhas de vida que contribuem para a construção de riqueza. Ele lembra que o capitalismo é um sistema espetacular para gerar riqueza, mas também altamente capaz de criar tentações de consumo excessivo.

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Em FOCO, o ponto forte são as dicas sobre gestão de carreira e geração de renda, enfatizando a necessidade de eliminar distrações e focar em atividades que realmente agregam valor. Comunicação é o maior ativo do mundo moderno, trabalho presencial é fundamental para acelerar o desenvolvimento profissional e fazer bom networking desde cedo irá te ajudar a criar aliados e mentores ao longo da carreira.

Sempre na pegada de criar alguma fórmula para facilitar o entendimento, vem mais uma: (Talento + Foco) -> Maestria -> Paixão. Com trabalho duro e foco em obter maestria do seu talento, a recompensa virá em forma de paixão.

Na segunda metade do livro, TEMPO e DIVERSIFICAÇÃO são abordados com temas relacionados a finanças pessoais e investimentos. A base do “Financial Security” (segurança financeira) parte de como ser eficaz controlando seu tempo (ativo mais valioso que uma pessoa tem) até como criar gatilhos mentais e regras simples para cumprir o orçamento familiar à risca.

Também são tratados vários conceitos que discutimos com nossos clientes no dia a dia de uma empresa de gestão de patrimônio: disciplina e capacidade de poupança, volatilidade do orçamento, alavancagem, organização do fluxo de caixa em buckets (categorias) e a ótica de uma carteira com objetivos de curto, médio e longo prazo.

Fiquei especialmente contente quando Galloway recomendou que as pessoas procurem um planejador financeiro CFP (Certified Financial Planner) para garantir que as decisões de investimento estejam alinhadas com os objetivos e a tolerância ao risco, mas o mais importante: alguém com quem se tenha uma relação fiduciária, em que os interesses estejam alinhados com os do investidor.

Em DIVERSIFICAÇÃO, Galloway aborda como uma carteira diversificada nos investimentos não é só fundamental para potencializar retornos, mas também uma estratégia para mitigar grandes riscos: “diversifique para maximizar o retorno, não o upside“, “risco é o preço do ganho”. Ele destaca também a importância de estar constantemente se atualizando sobre o que está acontecendo nos mercados, de controlar as emoções (um pouco de behavior finance, ou finança comportamental) e de utilizar instrumentos financeiros que minimizem o pagamento de taxas e impostos.

Talvez nesses dois capítulos da segunda metade o livro se assemelhe muito a outros livros de finanças pessoais, mas, ainda assim, dotado de uma didática incrível, ele vai te ajudar a fixar melhor alguns conceitos ou até te ajudar a compreender outros ainda não-compreendidos.

Acredito que o livro oferece grande valia para todos os tipos de interessados em investimento, desde jovens em início de carreira que buscam desenvolvimento pessoal até planejadores financeiros e educadores financeiros como eu.

Não tenho a menor dúvida que, ao chegar no Brasil, em pouco tempo o livro dividirá a prateleira dos livros de finanças mais recomendados.

[O livro “The Algebra of Wealth: A Simple Formula for Financial Security” tem previsão de lançamento no Brasil no início de agosto, pela Editora Intrínseca, sob o título “A Álgebra da Riqueza, Uma Fórmula Simples para o Sucesso“. Com 352 páginas e tradução de Antenor Savoldi Jr., o livro impresso será vendido por R$ 59,90 e o e-book por R$ 39,90.]

Renato Breia é economista, planejador financeiro CFP e sócio-fundador da Nord Wealth, onde administra o patrimônio de R$ 5 bilhões de clientes.

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Hora de acelerar para tornar o marco dos fundos realidade https://investnews.com.br/colunistas/hora-de-acelerar-para-tornar-o-marco-dos-fundos-realidade/ Wed, 17 Jul 2024 20:08:44 +0000 https://investnews.com.br/?p=600871 A Resolução 175 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), novo marco regulatório dos fundos, trouxe muitos aspectos positivos, mas precisa virar realidade para toda a indústria. Inicialmente prevista para entrar em vigor em abril de 2023, sofreu sucessivos adiamentos a partir de demandas de diferentes participantes do mercado.

Depois de ter sua entrada em vigor postergada para outubro do ano passado, algumas alterações passaram para abril de 2024 e, com os últimos ajustes da CVM, o prazo final para a adaptação do estoque de fundos que já estava em funcionamento antes da resolução passou de 31 de dezembro de 2024 para 30 de junho de 2025.

Antes disso, porém, há tipos de fundos e outras alterações que já terão de estar de acordo com a nova norma. Por exemplo, o artigo 48, parágrafo 2º, inciso XI, que se refere à fixação de uma taxa máxima a ser cobrada pela distribuição dos fundos, entra em vigor em 1º de novembro próximo –  a previsão anterior era de 1º de outubro de 2023. Há um escalonamento normal, já que é uma alteração profunda em todo o setor, provavelmente a maior em 30 anos, desde o Plano Real.

É verdade que, desde a publicação da norma 175 da CVM surgiram outras questões, como a mudança de tributação dos fundos exclusivos e offshores determinada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que complicaram ainda mais a vida dos participantes do mercado. Mas é preciso cumprir os prazos sob o risco de algumas normas caírem em descrédito.

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Entre os principais benefícios do novo marco regulatório está uma definição mais clara e equilibrada dos papéis e responsabilidades dos gestores e administradores. Antes havia a ideia de responsabilidade solidária entre essas duas figuras que acabava criando uma zona cinzenta. Essa dúvida, no caso dos Fundos de Investimento em Participações (FIPs) ou Fundos de Investimento Imobiliários (FIIs), por exemplo, gerava alguns problemas. Nos dois casos, é o gestor quem deveria contratar uma consultoria independente para a avaliação anual dos valores dos ativos, mas, em alguns casos, se ele não a providenciava, o administrador agia para evitar uma eventual punição por responsabilidade solidária.

Agora, cada um tem a sua obrigação. Na norma antiga, era o administrador quem contratava o gestor de um fundo, o que não tem muito sentido, já que este último é quem formula a tese de investimentos, faz a captação dos recursos e escolhe os ativos. Com a nova norma, gestor e administrador devem estabelecer apenas um acordo operacional. Cada um deve contratar serviços de acordo com o seu escopo.

O administrador é responsável por tesouraria, controle, processamento dos ativos, escrituração das cotas e auditoria independente. Já o gestor fica a cargo de contratar a intermediação das operações (como uma corretora), consultoria de investimento, agência de classificação de risco, formador de mercado de classe fechada e a eventual co-gestão da carteira de ativos.

Há muitas outras mudanças significativas trazidas pela Resolução CVM 175, algumas até mais perceptíveis pelos investidores, como a possibilidade de oferecer fundos que investem até 100% no exterior para o público em geral. Antes, só tinham acesso a esses produtos investidores qualificados, aqueles com mais de R$ 1 milhão aplicados.

Os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs – cotas seniores) e os que investem em criptoativos também podem ser oferecidos agora para o público em geral.

A padronização dos documentos dos fundos, seguindo modelos internacionais, é outro avanço, tornando mais fácil para os investidores compreenderem os produtos oferecidos.

O novo marco regulatório ampliou ainda a transparência nas estruturas de custos dos fundos. As taxas de administração, gestão e distribuição precisam estar especificadas nos documentos disponíveis para o investidor, o que é bastante positivo.

A possibilidade de criação de classes e subclasses de cotas em um mesmo fundo é outra mudança relevante, proporcionando maior flexibilidade e customização de estratégias de investimento, permitindo a segregação do patrimônio de cada uma.

Tudo isso demanda tempo para que os processos nas gestoras e administradoras sejam adaptados e que as equipes conheçam as novas regras, mas é preciso que o setor enfrente esse desafio com mais celeridade. A resolução foi publicada em dezembro de 2022. Portanto, não é hora de novas prorrogações.

Um obstáculo que muitas empresas, sobretudo as de menor porte, ainda não superaram é o de atualizar os sistemas de TI com as novas exigências. Não é tarefa das mais simples, mas em plena era da Inteligência Artificial não pode ser desculpa para mais atrasos.

A resolução 175 da CVM veio para melhorar a indústria, aumentando a segurança jurídica, aproximando o setor dos padrões internacionais e adequando as regras às novas complexidades do mercado. Então, deve ser interesse de todos nós do setor trabalhar para torná-la realidade.

Quem não acelerar agora ficará para trás. Como diz o ditado, camarão que dorme a onda leva.

Gustavo Falcin é fundador e CEO da América Private Equity Administração de Recursos

As informações desta coluna são de inteira responsabilidade dos autores e não do InvestNews e das instituições com as quais ele possui ligação. 

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Como não cair em um ‘Cavalo de Troia’ financeiro https://investnews.com.br/colunistas/como-nao-cair-em-um-cavalo-de-troia-financeiro/ Tue, 02 Jul 2024 17:22:02 +0000 https://investnews.com.br/?p=596916 Para investidores em geral, duas situações são especialmente intoleráveis: perder uma oportunidade e perder dinheiro. 

Em termos de desenvolvimento de uma riqueza e de investimento, o grande erro é imaginar que uma  oportunidade se apresenta como uma revelação momentânea e não como resultado de um  planejamento. 

A construção de um patrimônio financeiro, qualquer que seja o tamanho que ele possa alcançar, não  se dá pela captura das oportunidades matinais, reveladas por assessores de investimento a cada  saldo disponível em sua conta, mas através de muita informação e de propósitos. 

Como disse Warren Buffet – um dos mais bem-sucedidos investidores do mercado mundial –, “nunca invisto em um negócio que não consigo entender”

Warren Buffett fala no palco durante a Cúpula das Mulheres Mais Poderosas da Fortune - Dia 2 no Mandarin Oriental Hotel em 13 de outubro de 2015 em Washington, DC. Foto: Paul Morigi/Getty Images
Warren Buffett fala no palco durante a Cúpula das Mulheres Mais Poderosas da Fortune – Dia 2 no Mandarin Oriental Hotel em 13 de outubro de 2015 em Washington, DC. Foto: Paul Morigi/Getty Images

O crescimento das operações estruturadas de investimento 

Nos últimos anos, houve um aumento na distribuição de produtos financeiros estruturados  complexos, sem informações relevantes sobre seus riscos e custos. 

Algum assessor de investimento já deve ter entrado em contato com você ou alguém conhecido, oferecendo operações ou produtos de investimento “fantásticos”, através dos quais você poderá  investir em mercados de risco e ainda ter seu capital “protegido” contra perdas. 

Pois bem, estas operações e produtos adotam estratégias denominadas estruturadas, onde é  possível expor ou manter seu capital em um mercado de risco e, ao mesmo tempo, controlar  variações negativas de valor, devido a mudanças nas condições de mercado. 

Embora estes produtos prometam frequentemente a proteção do capital, geração de renda e  diversificação, a falta de transparência associada aos retornos líquidos, riscos e custos esperados tem suscitado preocupações significativas. 

As instituições financeiras utilizam técnicas de marketing agressivas para promover estes produtos  estruturados, enfatizando o potencial de rendimento e a proteção do capital. Isso pode induzir os  investidores a acreditarem que estão acessando produtos sofisticados, de baixo risco e retorno potencial. 

Produtos de investimento estruturados geralmente vêm com taxas e encargos ocultos, que não são imediatamente aparentes para os investidores em geral. Essas taxas podem reduzir  significativamente os retornos líquidos, beneficiando as instituições financeiras às custas do capital dos investidores. 

A comercialização destes produtos enfatiza a rentabilidade potencialmente superior oferecida pelos mercados de risco, aliada à proteção do capital investido, sem, contudo, detalhar o retorno líquido máximo e mínimo esperado, os custos operacionais e o fluxo de caixa exigido.

Promessas de retornos superiores e proteção do capital vêm atraindo investidores que buscam rendimentos superiores aos investimentos de renda fixa, mas com pouca experiência ou tempo para operar em mercados de risco. 

Há evidências de que a complexidade desses produtos estruturados é utilizada para atrair  compradores desavisados e, ao mesmo tempo, produzir lucros elevados para bancos e distribuidores. 

Neste artigo, eu exploro como investidores em geral vêm sendo vorazmente enganados por estas promessas e as potenciais consequências de se investir sem conhecimento e acesso à informação completa. 

Entendendo a composição das operações estruturadas

Para que você possa compreender melhor os investimentos estruturados, farei uma breve introdução sobre o mercado de derivativos. 

Investir em derivativos envolve a negociação de contratos financeiros, cujo valor é derivado ou está relacionado ao valor de um ativo subjacente, como ações, commodities, moedas, taxas de juros,  índices de mercado, entre outros. 

Entre os derivativos estão: 

▪ Contratos futuros: obrigam os compradores e vendedores a negociarem um ativo específico, em  uma data futura, a um preço previamente acordado. Os principais contratos futuros negociam a taxa de juro, o índice de ações, a cotação do dólar e o preço de mercadorias como trigo, petróleo  e ferro. 

▪ Contratos de opção: dão ao detentor do contrato o direito, mas não a obrigação, de comprar ou vender um ativo a um preço específico, dentro de um período determinado. Os principais  contratos de opção negociados dão direito ao titular de comprar ou vender ações e dólares. 

Entre os estruturados estão: 

Produtos estruturados são instrumentos financeiros que combinam ativos tradicionais, como ações, títulos de renda fixa, índices, moedas, mercadorias ou fundos mútuos, com derivados. 

Envolvem uma engenharia financeira complexa, construída com propósitos específicos, como  salvaguardar o capital investido da queda nos preços dos ativos subjacentes, alavancar os retornos  potenciais ou permitir o ingresso a mercados inacessíveis diretamente. 

A teoria financeira tradicional sugere que produtos financeiros estruturados abrangeriam estratégias concebidas para mitigar as consequências de eventos adversos, distribuindo o risco potencial entre  várias partes interessadas. 

A literatura recente sugere destinações menos bem-intencionadas, onde investidores de varejo são  envolvidos pela estrutura sofisticada e ofuscados pela complexidade das operações estruturadas, incorrendo em retornos negativos, ajustados ao risco e altas taxas cobradas por bancos e corretoras. 

As modalidades de operação estruturada mais divulgadas pelos emissores e distribuidores:

1. Proteção total ou parcial: são utilizados derivativos para estabelecer travas de baixa e de  alta. Isso significa que você pode ter ganhos limitados, mas também sabe o quanto pode perder  na operação. 

2. Retorno controlado: através do uso de derivativos, o investidor terá um retorno prefixado  no período, desde que, em nenhum momento, o ativo desvalorize mais que uma barreira  estabelecida. 

3. Bilateral: através do uso de derivativos, o investidor ganha com a volatilidade do mercado,  sem precisar prever a direção do movimento de preço. 

4. Alavancagem: a estratégia que combina a compra de um ativo de menor risco, como um título de renda fixa, com uma opção de compra de um ativo de maior risco, como ações. O objetivo é  proporcionar ao investidor um rendimento estável (do título de renda fixa), com a possibilidade de ganhos adicionais (da opção de compra) se o preço do ativo de maior risco subir. 

Apresentadas desta forma simplificada, operações complexas como as estruturadas parecem  extremamente interessantes, se não fosse a relação risco/retorno desproporcional e custos  extraordinários. 

Não à toa, a maior corretora do país se tornou alvo de uma ação judicial por promover práticas abusivas na distribuição de produtos estruturados e levar investidores a prejuízos que alcançam R$ 18 milhões. 

Os principais relatos feitos nos processos dizem respeito a investimentos em Certificados de  Operações Estruturadas (COEs) e em operações estruturadas alavancadas pela corretora. 

Os clientes relatam propaganda enganosa sobre os rendimentos, informações sobre os riscos e  custos incompletas e promessas de retorno e proteção do capital inicial investido que não se  cumprem e resultam em perdas milionárias. 

Uso de investimentos estruturados para mascarar riscos e taxas

Demonstrar como a complexidade das operações estruturadas se tornou um subproduto para  emissores e distribuidores não é tarefa simples. Tão difícil quanto obter informações detalhadas sobre as transações relacionadas aos produtos estruturados de varejo é fazer comparações com produtos mais simples. 

Muitos produtos de investimento estruturados são vendidos diretamente aos investidores por  corretores, que, no seu esquema de venda, visam investidores inexperientes. 

Entre os produtos de investimento mais divulgados pelo varejo e mais lucrativos para bancos e distribuidoras estão os Certificados de Operação Estruturada – COE. 

Os COEs são um instrumento financeiro que combinam características de diferentes ativos, como renda fixa e derivativos, em um único produto. O objetivo é proporcionar ao investidor a possibilidade de obter retornos maiores do que os da renda fixa tradicional, com um risco controlado. 

No entanto, é importante entender como esses produtos funcionam, os custos e os potenciais riscos envolvidos.

Um estudo de pesquisadores da FGV mostrou que a esmagadora maioria dos COE’s vendidos a  investidores de varejo tinha retorno esperado abaixo da chamada taxa livre de risco, ou seja, de um investimento seguro e sem risco de perda. 

“O COE é, em resumo, uma espécie de Cavalo de Troia financeiro… O comprador de um COE típico investiu seu dinheiro em um produto ilíquido, sem garantia de crédito (COEs não têm cobertura do Fundo Garantidor de Crédito) e com retorno esperado abaixo do que poderia ser obtido no Tesouro Direto”, aponta estudo da FGV/EESP “O retorno esperado dos COEs.

Vamos a um exemplo prático. 

Um banco emite um COE com as seguintes condições: 

▪ Valor Investido: R$ 10.000,00 

▪ Prazo: 5 anos 

▪ Proteção de capital: 100% do capital investido 

▪ Retorno condicional: se o Ibovespa subir mais de 20% no período, o investidor recebe 10% do retorno total. Se o índice subir menos de 20%, o investidor recebe apenas o capital investido. 

Se o Ibovespa subir 30%, o banco ganha com a valorização, mas o investidor recebe apenas 10% do retorno total (ou seja, R$ 1.000,00), além do capital investido (R$ 10.000,00). 

Se o índice não subir ou cair, o investidor recebe apenas o valor investido (R$ 10.000,00), perde a correção monetária acumulada em 5 anos, e a instituição financeira pode ter usado o seu dinheiro para outras operações que geraram lucro. 

Embora os COEs possam parecer atraentes devido à proteção de capital e ao potencial de retornos superiores, eles frequentemente beneficiam mais os emissores e distribuidores do que os  investidores, devido às suas estruturas complexas, custos ocultos e retornos limitados. 

Considerações finais 

A falta de transparência e de uma fiscalização de mercado íntegra no Brasil tornou mais fácil o  repasse de produtos de investimento complexos a investidores do varejo, sob a promessa de retorno  superior e proteção do capital. Para se protegerem contra a falta de transparência e as armadilhas  desenvolvidas pelos emissores e distribuidores, os investidores devem observar as seguintes  iniciativas: 

1. Eduque-se: obtenha uma compreensão básica dos produtos financeiros, dos riscos e custos associados. Caso não seja possível desenvolver um nível de conhecimento básico ou restar  qualquer dúvida sobre o risco e custos de uma oferta de investimentos, opte pelo mais simples e  compreensível.

2. Faça perguntas: não hesite em fazer perguntas detalhadas ao seu assessor ou corretor sobre um produto de investimento, incluindo como os retornos são calculados, quais riscos estão envolvidos e todas as taxas associadas. 

3. Formalize as respostas: solicite que o assessor/corretor de investimentos formalize as  questões relevantes relacionadas à oferta de investimento, especificando: 

• Como o investimento gera retorno e qual é a taxa de retorno esperada;

• Quais benchmarks (referências comparativas) são relevantes para avaliar o desempenho do  investimento; 

• Quais os riscos e perdas potenciais, seja em função de variações de mercado ou inadimplência;

• Por quanto tempo seu capital ficará vinculado e quando você poderá esperar retornos;

• Com que facilidade você pode comprar ou vender o investimento sem impactar  significativamente seu preço;

• Como você pode sair do investimento e quaisquer condições ou penalidades para saque  antecipado;

• Como o investimento será tributado;

• Detalhamento das taxas de administração, taxas de desempenho, custos de transação e  quaisquer encargos ocultos.

Observação importante: não se trata do envio de regulamentos e prospectos, mas da formalização de todos os aspectos que devem ser relacionados no script de venda de um produto de  investimento. 

4. Cuidado com garantias: Seja cético em relação a qualquer produto que prometa retornos  garantidos ou proteção de capital, especialmente se as condições não forem claramente  explicadas. 

5. Procure aconselhamento independente: considere a contratação periódica de um consultor de investimento independente, sem vínculo com qualquer instituição financeira, que possa fornecer  uma avaliação imparcial do produto.

As informações desta coluna são de inteira responsabilidade dos autores e não do InvestNews e das instituições com as quais ele possui ligação. 

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ESG, mulheres negras e a luta contra a manutenção de estruturas excludentes https://investnews.com.br/colunistas/esg-mulheres-negras-e-a-luta-contra-a-manutencao-de-estruturas-excludentes/ Tue, 02 Jul 2024 16:52:43 +0000 https://investnews.com.br/?p=596896 As mulheres negras do Brasil e dos Estados Unidos da América têm em comum, quando se trata de mercado de trabalho, o lugar da base da pirâmide de salários recebidos e ocupação de cargos de liderança. Alterar essa realidade é mudar o mundo capitalista, é alterar o status quo da economia e de toda uma sociedade, conforme alertou a pensadora americana Angela Davis, num encontro internacional sobre feminismo negro e decolonial em terras brasileiras, na cidade baiana de Cachoeira, em 2017:

“Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela, porque tudo é desestabilizado a partir da base da pirâmide social onde se encontram”, disse na Bahia a autora de Mulheres, Raça e Classe, uma das obras ícone da interseccionalidade. 

Essas são palavras tão verdadeiras e objetivas que tanto alertam a quem se interessa pelas mudanças sociais quanto quem trabalha ferozmente para que algumas coisas nunca mudem para as mulheres negras, pois sua ascensão é lida como um fator de desestabilização do capitalismo, da atual ordem econômica mundial, norte-americana e isso inclui a brasileira.

A realidade atual é que as mulheres negras trabalhadoras nos EUA,  em 2022, ganharam apenas 70% do salário dos homens brancos, enquanto as mulheres brancas estavam mais perto do topo salarial, chegando a 83% dos ganhos salariais de homens brancos. Os dados são de uma análise do Pew Research Center que também revelam que essa desigualdade salarial entre homens e mulheres nos Estados Unidos permaneceu relativamente estável nas últimas duas décadas.

Já em nosso país, o salário recebido por mulheres negras é 47% menor do que a média dos brasileiros, de acordo com relatório divulgado em maio de 2024 pelo projeto Mude com Elas. Enquanto a remuneração média delas é de R$ 1.582, a renda brasileira fecha em R$ 2.982. As mulheres negras ganham 2,7 menos que homens brancos, que têm média salarial de R$ 4.270.

Quando as mulheres negras são empreendedoras, nos Estados Unidos, suas empresas recebem menos de 1% de todo o dinheiro de capital de risco investido no país. Os dados são do Fearless Fund, que investe em empresas lideradas por mulheres negras nos estágios pré-seed, seed e série A. Fundado em 2008, em Atlanta, o Fund tem a missão de preencher a lacuna no venture capital para mulheres negras fundadoras que constroem empresas escaláveis e de alto crescimento. 

Essa iniciativa, que visa mover a base da pirâmide em terras norte-americanas, tem sido atacada de forma contínua sob a lideranças do ativista conservador Edward Blum, que também capitaneou processos movidos contra ações afirmativas nas universidades. Tanto que em junho de 2023, a Suprema Corte dos Estados Unidos declarou como inconstitucionais as políticas afirmativas de admissão nas universidades norte-americanas, prejudicando o acesso e inclusão de pessoas negras, hispânicas ou de outros grupos sub-representados em algumas instituições universitárias. 

Voltando ao Brasil, aqui o cenário de investimentos não é muito promissor, levando em conta que – ao contrário dos Estados Unidos em que a população negra é minoria – as mulheres negras são o grupo que constitui maioria. Apenas 4,7% das startups brasileiras foram fundadas exclusivamente por mulheres e receberam ínfimos 0,04% dos mais de US$ 3,5 bilhões aportados no mercado brasileiro em 2020. Os dados são do estudo Female Founders Report 2021, elaborado pelo Distrito, Endeavor e B2Mamy. Nesse universo restrito, a participação das mulheres negras brasileiras é de 19,1% (sendo 5,8% pretas e 13,3% pardas). 

Está cada vez mais óbvio que o espaço para mudança desse quadro, tanto no Brasil como nos EUA, não deveria existir para alguns setores conservadores e que a batalha para que permaneça como está nunca cessou e ganha novos impulsos. A onda conservadora americana em relação a pautas ESG foi assunto nessa coluna recentemente e dialoga com as preocupações de mulheres negras que estão no mercado de investimentos brasileiro dispostas a não perpetuar o Status Quo.

No início de junho, um tribunal federal de apelações dos EUA suspendeu o programa de subsídios do Fearless Fund, decidindo que um grupo conservador pode ser o vencedor no processo em que alega ser um programa discriminatório. Esses grupos estão em batalha legal contra programas de diversidade empresarial e o alvo atual, além do Fearless Fund, são empresas e instituições do governo norte-americano.

Sobre esse assunto, Monique Evelle, investidora no Shark Thank, lembra que o Brasil tem uma tradição de copiar os Estados Unidos e alerta: “Estamos vendo empresas acabarem com o setor de Diversidade e Inclusão considerando a decisão da Suprema Corte dos EUA com as universidades. Isso pode impactar empresas que estão no Brasil e atendem os EUA, ao pensarem que criar vagas afirmativas é inconstitucional. É um movimento perigoso e acredito que, infelizmente, isso vai chegar no Brasil. Minha preocupação é que aconteça muito mais rápido do que imagino”.

Se prevalecer o ditado popular de que notícia ruim corre rápido, nesse cenário de retrocesso, já estamos vendo o sinal amarelo quase chegando ao sinal vermelho no Brasil. As ações afirmativas no serviço público, por exemplo, estão na pauta do Congresso Nacional recebendo ataques dos nossos conservadores eleitos, que representam grupos contrários às ações afirmativas, e atuando para que a base, o meio e o topo da pirâmide “permaneçam como se acham” – um jargão parlamentar que se aplica como luva, infelizmente.

O pacote de maldades é também interseccional. Contempla gênero, raça e classe de forma contundente e perversa, visando que as estruturas não se movimentem e que a base da pirâmide permaneça como está. O recado é nítido. Para as mulheres negras,  reserva-se a imutabilidade, na visão da parte conservadora da sociedade, e que elas não se atrevam a desestabilizar o capitalismo. Porém, temos uma tradição de resistir e encontrar meios de mudar situações, como o período escravocrata, encontrando meios de sobreviver e avançar.

Como bem disse outra autora negra, Conceição Evaristo:  “Eles combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer”.

Quem vem para essa luta junto com as pessoas negras?

As informações desta coluna são de inteira responsabilidade dos autores e não do InvestNews e das instituições com as quais ele possui ligação. 

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Fundo de perdas e danos climáticos da ONU deveria ser acionado pelo Brasil  https://investnews.com.br/colunistas/fundo-de-perdas-e-danos-climaticos-da-onu-deveria-ser-acionado-pelo-brasil/ Tue, 02 Jul 2024 14:46:17 +0000 https://investnews.com.br/?p=589961 Entre as principais deliberações das Conferências Climáticas das Nações Unidas (ONU) em 2022 e 2023 estavam a criação do Fundo Climático de Perdas e Danos. De forma prática, isso significa o acesso a mais de US$ 700 milhões por países que que sofrem com os danos climáticos, caso do Brasil com a tragédia no Rio Grande do Sul. 

Dito isso, acredito que o Brasil deveria urgentemente requerer o uso do fundo da ONU para recuperar o estado gaúcho e criar uma estrutura robusta para recebimento por outros estados vulneráveis. Claro que é necessário demonstrar que o país está preparado em termos de governança para atender a mais rigorosa lista de controle de gastos e transparência para poder receber tais recursos.

Se seguíssemos a linha adotada pela Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas em que estuda reconhecer 1038 municípios brasileiros em estado permanente de emergência climática, poderíamos pleitear o fundo a fim de ter recursos suficientes para enfrentar os quatro cenários definidos pela ONU e pela comunidade científica: mitigação, adaptação, resiliência e perdas e danos.

No caso do Rio Grande do Sul, obviamente, já estamos tratando de um cenário de perdas e danos.

Rio Grande do Sul
Foto: Divulgação/Palácio Piratini

Claro que o argumento principal para o Brasil solicitar os recursos é fundamentado pelo arcabouço técnico das finanças sustentáveis, em que pesa o fato de que há mais urgente necessidade de compensação para países mais pobres que historicamente poluem menos em detrimento de países ricos que poluem muito há anos.

Algumas questões burocráticas serão necessárias para destravarmos os recursos desse Fundo de Perdas e Danos, como por exemplo, se o Banco Mundial, seu gestor confirmado na COP28, pode cumprir todas as condições exigidas para receber o fundo e distribuí-lo. 

Entre essas condições estão a capacidade de instituir proteções para garantir a independência e integridade do banco, permitir o acesso universal e direto aos recursos do fundo à todos os países signatários do Acordo de Paris, mesmo aqueles que não forem membros do Banco Mundial.

Ou seja, há ainda um percurso a ser cumprido pelo Banco Mundial e pela ONU para liberar esses recursos, mas o governo brasileiro com toda a comunidade científica e os estados devem começar a buscá-los. 

Vamos aguardar, mas lembro que o Relatório “Unidos pela Ciência” publicado pela ONU no fim do ano passado indicou que entre 1970 e 2021 ocorreram cerca de 12 mil desastres meteorológicos climáticos e hídricos no planeta. Isso trouxe mais de dois milhões de mortes e gerou uma perda de aproximadamente US$ 4,3 trilhões. Em solo brasileiro, vimos isso de perto após o desastre em terras gaúchas.

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Reuniões na praia, decisões na nuvem: Inteligência Artificial como co-CEO* https://investnews.com.br/colunistas/reunioes-na-praia-decisoes-na-nuvem-inteligencia-artificial-como-co-ceo/ Thu, 20 Jun 2024 11:55:00 +0000 https://investnews.com.br/?p=589280 Eric Yuan, fundador e CEO da Zoom, disse em uma entrevista recente que está cansado de gastar seus dias em reuniões e respondendo e-mails. Sim, até quem comanda a empresa que virou sinônimo de videoconferência não vê necessidade de participar de tantas delas. Yuan prevê — e diz que sua companhia está trabalhando para realizar essa visão — que, em um futuro próximo, não precisará entrar na maior parte das reuniões. “Vou poder mandar uma versão digital minha e ir à praia”, disse.

Sua visão de “gêmeo digital” não serviria só para reuniões. Ele acredita que uma Inteligência Artificial bem treinada leria e responderia a maioria dos e-mails — passando para ele responder apenas dois ou três por dia que realmente merecessem uma decisão mais complexa ou input cuidadoso.

A ideia de uma versão digital – controlada por inteligência artificial e capaz de assumir as atribuições de um chefe – não é nova. Jack Ma, fundador da Alibaba, previu em 2017 que em 30 anos “um robô estaria na capa da Time como CEO do ano”.

Montagem de um robô de costas de frente para um notebook mostrando uma tela de videochamada
Montagem de um robô de costas de frente para um notebook mostrando uma tela de videochamada

Com o avanço de ferramentas como o ChatGPT, a ideia que parecia absurda começa a ser compartilhada por muitos líderes. Uma pesquisa da plataforma de educação EdX feita com 800 executivos C-Level mostrou que quase metade (47%) considera que “a maior parte” ou “todo” o trabalho de um CEO pode ser completamente automatizado ou substituído por IA. Entre os CEOs consultados, o nível de concordância é ainda maior (49%).

LEIA MAIS: Inteligência artificial passa a ocupar cargos de decisão em empresas. A sério

Substituindo um CEO na prática

Mas como seria, na prática, usar a IA para substituir um CEO? Podemos ter pistas disso em exemplos pontuais mundo afora. A Nail Communications, uma agência de Relações Públicas nos EUA,  tinha um problema de ter um cliente com um CEO microgerenciador. Era um daqueles gestores que precisam olhar qualquer peça ou comunicado, o que travava a aprovação e entregas. Para evitar atrasos, a empresa criou o que chamou de “versão sintética” do CEO — uma espécie de GPT customizado, treinado com dados reais, incluindo questionários, entrevistas e histórico de aprovações. As novas peças começaram a ser “pré-aprovadas” pela versão artificial do chefe, que gostou da ideia.

“O resultado foi um modelo que tem sua perspectiva única, permitindo testar ideias, antecipar feedbacks e verificar se estamos muito fora do caminho. Tudo isso enquanto dá ao cliente uma presença e influência no processo criativo que nunca tiveram antes”, contaram os executivos da empresa.

Em um sentido mais amplo, pensando em aprendizado de máquina, o CEO pode ser visto como um “algoritmo de decisão”. O trabalho que envolve analisar dados e relatórios para fazer uma escolha pode ser executado por uma IA bem treinada no domínio específico da companhia, com histórico e exemplos anteriores, prioridades etc. Os grandes modelos de linguagem (LLMs), como ChatGPT e Copilot, podem auxiliar a transformar dados não-estruturados — apresentações, entrevistas, gravação de reuniões — em informações legíveis por esses algoritmos.

Faça você mesmo um teste

Soa técnico demais? Se você ainda não fez, pode ter uma amostra de como isso funciona no próprio ChatGPT. Experimente subir uma apresentação em PowerPoint na janela de chat com os resultados trimestrais da sua empresa e peça para ele assumir o papel de CEO ou CFO. Comece a fazer perguntas estratégicas, pedindo o racional para cada sugestão. Veja o quanto as decisões batem com o que está sendo decidido na sala de reuniões principal. De repente, a ideia não parece tão absurda.

Para alguns, como o CEO da Zoom, o prospecto de um avatar decisor pode ser animadora. Para outros, pode significar uma diminuição da importância — e potencialmente do status e rendimento. Afinal, se o ChatGPT pode dizer qual caminho maximiza o lucro e a sua versão “sintética” pode aprovar a campanha mais aderente à nova estratégia, o que sobra para o executivo de carne e osso?

Muito ainda. De acordo com estudo publicado na Harvard Business Review, privilegia-se cada vez mais as soft skills na hora de contratar para cargos de liderança em grandes empresas. Comunicação eficaz, empatia, capacidade de resolução de conflitos, adaptabilidade e liderança inspiradora são atributos que são difíceis de visualizar em uma IA. Focar nelas – e menos na habilidade em ler planilhas e relatórios para tomar decisões – pode ser um raro ganha-ganha. Ao menos por enquanto.

*Este título foi sugerido pelo ChatGPT depois de ler o texto.

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Arriscando a própria pele! https://investnews.com.br/colunistas/arriscando-a-propria-pele/ Fri, 07 Jun 2024 10:50:00 +0000 https://investnews.com.br/?p=584746 Arriscando a Própria Pele: Assimetrias ocultas no cotidiano”, de Nassim Nicholas Taleb (Ed. Objetiva, 2018), é um livro fascinante que explora a importância de se ter algo em risco nas decisões que tomamos, em especial, nos negócios. 

O livro é uma crítica às pessoas que impõem riscos aos outros sem enfrentar as consequências, em contraste com aqueles que assumem riscos pessoais, como empreendedores e artesãos.

Quando as pessoas têm “a pele em jogo” (da expressão em inglês skin in the game, ou arriscar a própria pele), elas são mais propensas a tomar decisões responsáveis, pois qualquer erro as afetará diretamente. 

Quando as pessoas não enfrentam as consequências negativas de suas escolhas, isso pode levar a um comportamento irresponsável e a decisões ruins que prejudicam outras pessoas.

Há distinção entre fazer previsões e tomar decisões baseadas em riscos.

Nassim Nicholas Taleb é um renomado estatístico e filósofo libanês-americano conhecido por seus trabalhos sobre incerteza, probabilidade e riscos.

“Arriscando a Própria Pele” soa como uma metáfora para identificar a importância de considerar o risco numa escala temporal em vez de confiar cegamente em modelos estatísticos que podem não capturar a realidade da variabilidade das experiências.  

Argumentos avassaladores 

Taleb acredita que muitas previsões econômicas falham em não reconhecer que o comportamento e a experiência de um indivíduo ou de uma empresa ao longo do tempo podem ser drasticamente diferentes do comportamento do mercado. 

O autor defende que os mercados são dominados por incertezas e imprevisibilidades e que os modelos usados por economistas e analistas muitas vezes não capturam essas realidades, levando a previsões que podem ser perigosamente enganosas.

Da mesma forma, no mercado financeiro, o comportamento coletivo dos investidores pode levar a tendências de mercado estáveis e previsíveis, enquanto o comportamento de um único investidor pode ser muito mais volátil e sujeito a perdas significativas. Isso significa afirmar que as experiências de um indivíduo ao longo do tempo não necessariamente refletem o que acontece na média do conjunto

Em outras palavras, é importante avaliar os riscos individualmente e não apenas confiar na média ou no comportamento coletivo, pois isso pode levar a uma compreensão imprecisa dos riscos reais envolvidos.

Taleb argumenta que o conhecimento adquirido por meio da experiência direta, especialmente quando se tem algo em risco, é mais valioso do que o conhecimento obtido de maneira passiva ou teórica.

A ideia é que quando as pessoas têm pele em jogo”, ou seja, quando suas próprias vidas, reputações ou recursos financeiros estão em risco, elas tendem a tomar decisões mais ponderadas e responsáveis. Nessas situações, elas experimentam diretamente as consequências de suas ações e escolhas. 

O que significa arriscar a própria pele 

As ideias de Taleb são centradas em fundamentos essenciais: ergodicidade e simetria.

Ergodicidade é um conceito que, na prática, destaca a diferença entre o comportamento de um grupo ou mercado ao longo do tempo e os riscos individuais de um negócio. 

Já a simetria, para Taleb, é a correspondência entre as ações das pessoas e as consequências dessas ações. Cruciais, portanto, para um sistema justo e funcional.

Cassino para explicar ergodicidade

Existe uma diferença entre cem pessoas indo a um cassino e uma pessoa indo a um cassino cem vezes, ou seja, entre há diferença entre a probabilidade dependente do caminho e compreendida convencionalmente e o risco individual.  Pode-se perder, pode-se ganhar. E no fim do dia podemos inferir qual é a “margem” de risco baseado no comportamento de todos. 

Podemos calcular com segurança, a partir da nossa amostra, que, por exemplo, cerca de 1% dos apostadores perderá tudo. Assim o cassino avalia a probabilidade de perder. As probabilidades de sucesso de um grupo de pessoas não se aplicam para cada indivíduo. Em outras palavras, é importante avaliar os riscos individualmente e não apenas confiar na média ou no comportamento coletivo, pois isso pode levar a uma compreensão imprecisa dos riscos reais envolvidos.

Outra metáfora é a do formigueiro. O comportamento do formigueiro como um todo é diferente do comportamento de uma formiga individual. Da mesma forma, a média de profundidade de um rio não caracteriza o risco de áreas de profundidade maior, que podem ser perigosas. A média aumenta o risco de perder. Não confie suas decisões na média. 

Taleb, como o próprio princípio de vida exposto no livro, indica que não se deve “nunca atravessar um rio se ele tiver em média 1,20 metro de profundidade”. Outra boa dica do autor é  “nunca entrar no rio com os dois pés, mas pisar na água primeiro antes de entrar”. É uma maneira de dizer que devemos testar e entender os riscos em pequena escala antes de nos comprometermos totalmente, o que está alinhado com o conceito de ter “a pele em jogo” e assumir as consequências de nossas decisões. 

Simetria de arriscar a própria pele 

Taleb defende que a simetria é essencial para a integridade e a responsabilidade nas ações humanas. Ele introduz a ideia de que indivíduos e corporações devem ter “algo a perder” quando tomam decisões, ou seja, eles devem arriscar a própria pele. Isso cria uma simetria entre risco e recompensa, garantindo que as partes interessadas sejam diretamente afetadas pelos resultados de suas ações. 

O autor também aborda o conceito de “agir simétrico”, onde risco e consequência devem ser iguais em medida e proporção, sugerindo que aqueles que não se expõem aos riscos associados a certas condutas não deveriam se envolver na tomada de decisões. Essa abordagem é usada para criticar o que ele chama de “cientificismo”. Salvo raras exceções, para Taleb, essas pessoas são IPI (Intelectuais Porém Idiotas): pessoas que não colocam a pele em risco em seus estudos e confundem ciência e empirismo com uma avalanche de dados sem argumentos.

Quem arrisca a própria pele?

Produtos ou empresas que levam o nome do dono transmitem mensagens muito valiosas de arriscar a própria pele. Quando o nome do dono passa a ser o nome do produto, isso é um indicativo tanto de um comprometimento com a empresa como de confiança no produto.

Arriscar a própria pele significa, por exemplo, tomar decisões financeiras e sentir as consequências de suas escolhas, o que pode levar a decisões mais prudentes.

A ergodicidade nos lembra que o que é bom para a média de muitos pode não ser bom para o indivíduo ao longo do tempo. 

Decisões financeiras, como investimentos e apostas, devem levar em conta a possibilidade de trajetórias individuais, e não apenas a média estatística, para evitar resultados potencialmente desastrosos.

Qualquer um que tenha sobrevivido no negócio de assumir riscos por alguns anos tem alguma versão do nosso agora já conhecido princípio de que “para ter sucesso, você deve primeiro sobreviver”.

Faça o que digo e faça o que faço. Só confie em quem arrisca a própria pele nos negócios.  

Citamos aqui o belo exemplo de Taleb, quando participou de uma mesa-redonda com dois jornalistas mais o âncora do programa. O assunto do dia era a Microsoft. Todos, inclusive o âncora, deram seu pitaco sobre as ações da Microsoft. Quando chegou a vez de Taleb, ele disse: “Não tenho ações da Microsoft, não me beneficio de escassez de ações da Microsoft [isto é, me beneficiaria com seu declínio] e, por isso não posso falar a respeito”. 

Em outro entendimento: Não me diga o que você pensa, apenas me diga o que está em seu portfólio. 

Em seu livro, Taleb usa esse encontro com os jornalistas para dizer algo simples…. Em suas palavras: “Vi no rosto deles uma confusão incrível. Em geral, um jornalista não deveria falar sobre ações que ele possui ou muito menos falar de ações que nunca possuía— e, o que é pior, ele supostamente falar de algo que não colocou sua pele em risco”. 

É como falar sobre lugares que nunca visitou ou mal consegue encontrar em um mapa. 

O Jornalismo não deve ser fonte de assimetria. Mas apurar simetricamente as partes. Um jornalista deve ser um “juiz” imparcial . 

Existem duas formas de “vender o peixe”. 

Uma consiste em comprar uma ação porque você gosta dela, depois comentar sobre ela (assim revelando que a comprou) — o defensor mais confiável de um produto é seu usuário.

Gurus e influenciadores

“Seja crítico em relação a conselhos financeiros e modelos estatísticos. Lembre-se de que modelos são simplificações da realidade e podem não levar em conta a variabilidade das experiências individuais”, reforça Taleb.

Agora, quando você ler material escrito por professores de finanças, gurus do mercado financeiro fazendo recomendações de investimentos com base nos retornos de longo prazo do mercado, cuidado. Eles desconhecem os princípios da ergocidade e simetria ou sejam nunca colocaram sua pele em risco  

Intelectual Porém Idiota (IPI) 

Taleb cunhou essa expressão para definir aqueles que estão propensos a confundir o conjunto pela agregação linear de seus componentes — isto é, acham que a compreensão de indivíduos nos permite entender multidões e mercados.

O Intelectual Porém idiota (IPI) é um produto da modernidade, por isso tem proliferado desde pelo menos a metade do século XX, para alcançar hoje um supremo local, a ponto de estarmos cercados por pessoas que não arriscam a própria pele

O IPI estimula outras pessoas a fazer coisas que ele não entende, sem nunca perceber que é o entendimento dele que talvez seja limitado. 

Imagine um analista de investimentos que dá conselhos sobre ações para seus clientes. Ele pode falar eloquentemente sobre teorias de investimento, mas nunca investiu seu próprio dinheiro no mercado de ações. Essa assimetria ocorre quando alguém está disposto a dar conselhos sem nunca ter arriscado a própria pele.

Warren Buffet e o Intelectual Porém Idiota

Uma citação famosa de Warren Buffett que reflete sua visão sobre as recomendações de analistas de mercado que não arriscam a própria pele. Falam, mas desconhecem os riscos do que falam. “Wall Street é o único lugar onde as pessoas chegam em um Rolls-Royce para obter conselhos daqueles que pegam o metrô.” Essa citação destaca a ironia de investidores ricos buscando conselhos de analistas que podem não ser tão financeiramente bem-sucedidos quanto eles.

Buffett é conhecido por seu estilo de investimento baseado em valor e por tomar suas próprias decisões de investimento, muitas vezes contrárias às opiniões populares do mercado.

Assimetria

Nassim Taleb discute em seu livro que vivemos em um mundo de relações assimétricas, onde frequentemente uma parte tem mais informações ou conhecimento do que a outra. Por exemplo, o vendedor de carros usados tem mais informações sobre a condição do carro do que o comprador. Essa é uma assimetria de informação.

Taleb argumenta que as experiências que envolvem risco pessoal, ou “ter a pele em jogo”, podem ajudar a reduzir essas assimetrias. Quando as pessoas estão diretamente expostas às consequências de suas ações, elas tendem a agir de maneira mais responsável e ética.

A experiência de enfrentar as consequências diretas de suas ações promove uma maior transparência e confiança nas transações.

Decálogo de Taleb à luz de “Arriscando a própria pele” 

  • “A burocracia é uma construção pela qual uma pessoa é convenientemente separada das consequências de suas ações.”
  • A maldição da modernidade é que estamos cercados por uma classe de pessoas que são  melhores em explicar do que em fazer.
  • Evite ouvir conselhos de alguém cujo ganha-pão seja dar conselhos, a menos que haja uma penalidade para esses conselhos.
  • O fazedor vence fazendo, não convencendo. Somos muito melhores em fazer do que em entender.
  • O saber dos ofícios – a maioria das pessoas com quem nos deparamos na vida real – padeiros, sapateiros, encanadores, motoristas de táxi, contadores, consultores tributários, lixeiros, assistentes de dentistas, operadores de lava-jato – pagam um preço por seus erros.
  • Se você não corre riscos por sua opinião, você não é nada. As pessoas que não arriscam a própria pele não entendem a simplicidade.
  • Tudo o que é projetado por pessoas que não arriscam a própria pele tende a ficar cada dia mais complicado.
  • Não me diga o que você “pensa”; apenas me diga o que está em seu portfólio de experiências.
  • Aqueles que falam deveriam fazer e somente aqueles que fazem deveriam falar.
  • O que é seguro para um grupo em um determinado momento pode não ser seguro para um indivíduo que está exposto continuamente ao mesmo risco.

Aniquilador de assimetrias 

Concluo meus comentários com o senso de um profissional que já colocou a própria pele em risco como empreendedor, executivo e como conselheiro mentor, em que trago a experiência. Me tornei um aniquilador de assimetrias e analista com a visão da ergodicidade.

Recomendo vivamente a leitura de Arriscando a Própria Pele”. Este livro é uma leitura fascinante que explora a importância de ter algo em risco nas decisões que tomamos na vida e nos negócios.

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Imóveis mundiais perderão 9% do seu valor por conta de tragédias climáticas  https://investnews.com.br/colunistas/imoveis-mundiais-perderao-9-do-seu-valor-por-conta-de-tragedias-climaticas/ Thu, 06 Jun 2024 14:18:54 +0000 https://investnews.com.br/?p=585953 Em 1972, a ONU – Organização das Nações Unidas – reuniu pela primeira vez 113 países e 400 delegações governamentais e não governamentais para discutir o cuidado com o meio ambiente na Conferência de Estocolmo na Suécia. 

Nesse conclave, foi decretado o Dia do Meio Ambiente, dia 5 de junho, marcado pela data de início da conferência. Mas não se trata de um evento celebrativo anual, serve como um alerta sobre o cuidado que todos devem ter com a natureza, uma vez que a vida humana é dependente dela.

Seguindo a mesma linha, resolvi nessa coluna também apresentar alguns alertas diante dos impactos do meio ambiente em nossas vidas, recentemente, dragadas por tragédias como no Rio Grande do Sul que deveriam ser evitadas, utilizando como fio condutor os impactos do aquecimento global no ativo imobiliário, o mais valioso no mercado financeiro mundial.

Segundo a revista The Economist o valor de 1 a cada 10 imóveis no mundo será impactado pelo aquecimento global. Em números, a publicação estima que as alterações climáticas podem eliminar 9% do valor dos imóveis mundialmente até 2050, US$ 25 trilhões perdidos em pouco mais de 25 anos. 

Se você dúvida do tamanho dessa perda, pense na redução do valor dos ativos imobiliários depois da tragédia no Rio Grande do Sul. O impacto está começando a ser dimensionado agora, com extensão para toda a cadeia de valor do setor. 

Porto Alegre na sexta (3). Foto: Gilvan Rocha/Agência Brasil

Primeiro alerta: se preparem para essa perda, ela será inevitável. Diante disso, se você é investidor do mercado imobiliário, revise a sua estratégia.

O sul do país está vivenciando uma catástrofe nunca vista, com bancos e gestoras discutindo as perdas e qual o valor real das cotas de seus fundos imobiliários. Incorporadoras imobiliárias terão que fazer o mesmo exercício e rever o valor dos imóveis a serem vendidos diante do grau de risco de eventos similares voltarem a acontecer na mesma região. Realidade bem dura para o setor, mas que terá que ser enfrentada.

LEIA MAIS: Chuvas no RS: o pesadelo logístico

Hoje, podemos afirmar categoricamente que o setor não precifica as questões climáticas nos valores dos imóveis, muito menos na cota dos fundos imobiliários e de outros ativos financeiros relacionados. Porém, isso era compreensível até o momento. No entanto, a partir de agora, não é mais. Com a tragédia no sul do país veio a necessidade obrigatória de inclusão na matriz de risco de todos os agentes dessa cadeia dos riscos climáticos, ambientais e sociais.

A inclusão desses riscos nas matrizes dos bancos, seguradoras e demais instituições financeiras já está prevista nas regulações do Conselho Monetário Nacional e das demais autarquias como Banco Central e SUSEP desde 2021. Ou seja, agora é colocar realmente em prática e mostrar para os investidores que o preço já está incorporando os riscos climáticos que aquele imóvel pode incorrer.

É óbvio que a ANBIMA, entidade que rege os fundos de investimentos, exigirá que os fundos imobiliários apresentem informações bem detalhadas das perdas e dos riscos futuros aos investidores das questões ambientais e climáticas. Principalmente, dos fundos que possuem forte exposição à imóveis nas regiões mais afetadas.

Segundo alerta: de agora em diante, quando comprarmos um imóvel ou a cota de um fundo imobiliário, temos que verificar qual o grau de exposição à riscos climáticos e se o valor das cotas está refletindo o real valor dos imóveis. Não esqueçam que estamos falando de um ativo que historicamente em momentos de crise possuem perda de valor. 

Último alerta: quem vai pagar por todo esse prejuízo? Aguardemos para ver, é um mundo novo em que nem mesmo o valor do ativo mais valioso para os investidores está fora da guerra climática que estamos enfrentando.

Alexandre Furtado é Sócio da Grant Thornton, Membro do Conselho do Centro de Pesquisa Aplicada em Contabilidade e Análise de Dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Presidente da Comissão de Créditos de Carbono da ABCarb e Colaborador do Comitê de ESG do Conselho Regional de Contabilidade de São Paulo (CRC-SP).

As informações desta coluna são de inteira responsabilidade dos autores e não do InvestNews e das instituições com as quais ele possui ligação. 

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