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Inclusão x gap salarial: uma conta que não fecha
A colunista Liliane Rocha aborda a urgência das empresas promoverem a igualdade salarial entre seus profissionais.
Será que é possível dois profissionais, na mesma empresa, com a mesma formação acadêmica, experiência de mercado iguais, com performances similares, atuando na mesma função, receberem salários diferentes? A resposta é sim! Infelizmente, ainda vemos casos como esses nas empresas, principalmente quando observamos estudos de Gender Pay Gap, em tradução livre, hiato salarial entre gêneros. Quando analisamos cargos e salários de uma empresa para verificar se há diferença salarial entre homens e mulheres, temos a comprovação, numérica e estatística, da desigualdade de gênero.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a diferença de remuneração entre homens e mulheres, que vinha em tendência de queda até 2020, voltou a subir no Brasil e atingiu 22% no fim de 2022. Sabe o que isso quer dizer? Que uma mulher brasileira recebe em torno de 78% a menos do que um homem brasileiro ganha no mesmo cargo.
Para quem não acredita, afirmo que já observei esta diferença em diversas empresas com as quais tenho trabalhado nos últimos anos, há uma diferenciação que pode chegar a 30% quando analisamos os dados sobre salários de empresas no Brasil e na América Latina.
Mesmo quando os CEOs afirmam não existir diferença tendo em vista o gênero, quando o estudo detalhado é realizado, é possível comprovar que mesmo com as diretrizes de Governança e Diversidade vigentes na atualidade, a igualdade ou paridade salarial ainda são pontos que se perdem ao longo da gestão de processos, e de forma sutil e inconsciente, a diferenciação segue persistente. No entanto, em algum momento estas informações se perdem no caminho e se tornam desconhecidas pela alta liderança.
Não à toa, países como a Islândia, desde 2018, tem uma lei que exige a igualdade de salários entre homens e mulheres. Ao detectar que mulheres ganhavam entre 14% e 18% a menos que homens, o país estabeleceu uma legislação para multar todas as empresas com mais de 25 funcionários, nas quais ocorresse diferença salarial. Por isso, não é surpresa que, segundo o Fórum Econômico Mundial, a Islândia é o país com mais igualdade salarial entre gêneros do mundo. Certamente, resultado deste trabalho consistente.
Dentro desse debate, podemos exemplificar a desigualdade de salários a partir de uma paixão nacional: o futebol, onde as informações são de conhecimento público. Enquanto a jogadora Marta, principal nome da seleção feminina brasileira, recebe por ano um salário de US$ 400 mil, o jogador Neymar, principal nome da seleção masculina, recebe US$ 50 milhões por ano. Ou seja, um salário 125 vezes maior do que o da Marta. Agora, imagine processos semelhantes, dadas as suas proporções, ocorrendo em todas as esferas da sociedade?
O relatório “Global Gender Gap Report 2023” do Fórum Econômico Mundial, que analisou essa questão em 146 países, nos revela que o Brasil saiu da posição 94 em 2022, para a posição 57 em 2023. Para a definição do ranking foram considerados quatro aspectos:
- 1) participação e oportunidades econômicas;
- 2) oportunidades educacionais;
- 3) acesso à saúde e empoderamento político.
Se seguirmos no ritmo atual a paridade de gênero será atingida só no ano de 2.154.
No Brasil, para reduzir essa desigualdade salarial, foi criado o Projeto de Lei 1.085/2023 que entrou em tramitação no dia 8 de março, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, e aprovado e transformado na Lei 14.611/23, que está vigente desde 3 de julho.
Essa nova lei representa um importante avanço, já que determina que as empresas promovam a equivalência salarial entre homens e mulheres que exercem a mesma função. Embora na teoria a diferença entre homens e mulheres já seja proibida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), desde 1952 (Lei 1.723), na prática cotidiana faltam mecanismos eficazes que assegurem seu cumprimento.
O novo dispositivo legal define mecanismos de transparência e fiscalização eficazes para o combate à discriminação por gênero. Por exemplo, empresas com 100 ou mais funcionários deverão fornecer relatórios semestrais sobre os salários e critérios de remuneração praticados. Além disso, estão previstas penalidades iguais para aquelas que discriminarem seus trabalhadores por questões de sexo, raça, etnia, origem ou idade. A discriminação em virtude do gênero refletirá em multa correspondente a 10 vezes o valor do salário devido pelo empregador ao empregado, e se a conduta for reiterada, a multa será elevada ao dobro do valor inicial.
Mas o que o mercado está perdendo com a desigualdade de gênero nas empresas? Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) “se o Brasil aumentar a inserção das mulheres no mercado de trabalho em um quarto até 2025, poderá expandir sua economia em R$ 382 bilhões — um crescimento acumulado de 3,3% ao PIB”. Estamos falando de justiça social e de parâmetros de Governança Empresarial. Segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) a governança é composta por 4 pilares: transparência; equidade; prestação de contas ou accountability e a responsabilidade corporativa; mas, certamente, estamos falando também de um crescimento de mercado e retornos financeiros efetivos para as empresas. Por isso, seja qual for o seu motivo, que tal entrar nesta conversa?
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