Colunistas
Meritocracia: por que esforço individual não constrói uma sociedade justa?
Neste episódio do ESG News com Liliane Rocha, nossa colunista faz uma reflexão
acerca da meritocracia.
Não é de hoje que as sociedades se apoiam na justificativa de meritocracia para continuarem perpetuando as desigualdades. Buscando esclarecer o que realmente é esse conceito e como sua teoria foi sendo enviesada ao longo dos anos, Liliane Rocha explica o termo a partir da visão de seu criador, Michael Young, sociólogo britânico, político e autor do livro lançado em 1958, The Rise Of the Meritocracy, em tradução livre “A ascensão da Meritocracia”.
Liliane começa contando sobre sua trajetória profissional, o que pode ser chamada de carreira self-made. Com MBA Executivo, Mestrado, Especializações e Graduação em algumas das instituições de formação mais tradicionais de administração do Brasil, a executiva trabalhou em grandes empresas, passando de estagiária a Executiva Global, liderando projetos no Brasil, Peru, Colômbia e China. “Exatamente pela minha vivência, pude testemunhar que o conceito de meritocracia, tal qual usamos hoje, não está alinhado ao seu conceito inicial, criado por Michel Young”, diz.
Liliane reforça que também acreditava na meritocracia, dessa forma trilhou todos os caminhos convencionais para ascender na carreira, até perceber que, sendo mulher e negra, a meritocracia não a abraçaria. “Prova disso é que, mesmo ascendendo academicamente e profissionalmente, vivi situações em que, indo a palestras em grandes empresas com o CEO, eu era barrada na entrada, ou mesmo pagando a conta de um restaurante com meu cartão black, fui acusada de não ter pago, entre outras”, conta.
Alguns especialistas defendem que o conceito de Meritocracia, em sua acepção mais comum, designa um modelo em que se progride social e economicamente com base no esforço pessoal. Por essa visão, a meritocracia vai premiar esse esforço individual, que se sobrepõe a fatores externos, como a desigualdade social e o preconceito estrutural aos marcadores identitários de diversidade. “Sermos avaliados unicamente por nosso esforço e jornada seria excelente, mas a realidade é que vivemos em uma sociedade que tem uma estrutura historicamente discriminatória e excludente”, lamenta a colunista.
O conceito, portanto, é falho pois ignora o contexto social e cultural das pessoas, que podem se traduzir em vantagens ou desvantagens. Segundo essa visão, ao ignorar o histórico das pessoas, a meritocracia serve apenas para ampliar o abismo de desigualdades existentes.
No livro “A Ascensão da Meritocracia”, obra satírica que descreve uma sociedade distópica do futuro, em que se consolida uma elite baseada em resultados de testes de QI padronizados, Michael Young demonstra que apenas aqueles com acesso a boas escolas conseguem ir bem nos testes, a “meritocracia” da história justamente perpetua o desequilíbrio social.
Quando pensamos, por exemplo, na estrutura da sociedade brasileira, temos marcado a conversa sobre diversidade e inclusão com base na oposição ao status quo. Nossa demografia atual é composta por 52% de mulheres, sendo 29% mulheres negras, 56% de negros, 7% ou 24% de pessoas com deficiência, 10% de pessoas homossexuais, 2% de pessoas trans.
Segundo o Censo do IBGE, na população brasileira, temos 20% de homens brancos. Mas você sabia que essa parcela da população compõe 80% da liderança (gerente e acima) das empresas, de acordo com os dados do estudo Diversidade, Representatividade e Percepção – Censo Multissetorial da Gestão Kairós 2022, e 63% do Congresso Nacional, segundo dados do site da Câmara dos Deputados?
Sendo assim, a colunista provoca a uma reflexão: Como explicar essa lacuna gigantesca entre a quantidade de homens brancos na sociedade e a presença deles nas grandes empresas, dos mais variados setores, incluindo o de investimentos?
“Diante dessa desigualdade e tendo em vista os privilégios de alguns grupos sociais, será que é possível saber se – de fato – estamos no lugar em que estamos realmente por merecimento? Ou, se isso é só mais um resultado de uma estrutura de sociedade desigual?”, finaliza Liliane Rocha.
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