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O sistema ‘Cap and Trade’ e a formação do mercado de créditos sustentáveis
Compreender como funciona o mecanismo do “cap and trade” facilita o entendimento de como se dá a formação e os mecanismos dos mercados de créditos sustentáveis.
Na última coluna, escrevi sobre os decretos sancionados pelo governo brasileiro que regulam o mercado de crédito de carbono (Decreto 11.075) e de resíduos sólidos (Decreto 11.044). Ambos, destinam-se a incentivar as empresas a realizarem projetos sustentáveis ambientalmente e socialmente. Incentivo, essa é uma das partes da equação das finanças sustentáveis.
A outra parte da equação é composta pelas metas, o resultado é o sistema “Cap and Trade” ou, “Sistema de Compensação”. No dito popular, de um lado, os governos usam o “chicote”, as metas, para punir os poluidores, e de outro, a “cenoura”, os incentivos, para elas deixarem de poluir. Se você compreender como funciona o mecanismo do “cap and trade” entenderá como se dá a formação e os mecanismos dos mercados de créditos sustentáveis.
O sistema “cap and trade” foi criado nos Estados Unidos no final da década de 80 quando algumas de suas regiões passaram a receber chuvas ácidas causadas pelo dióxido de enxofre emitido pelas fábricas, gerando alto impacto negativo na flora e fauna dos locais atingidos. Diante desse problema, o governo americano criou uma Lei que reduzia as emissões através da cobrança das empresas poluidoras. Em 8 anos, as chuvas ácidas reduziram 20%.
Ou seja, apesar de um resultado que soa pouco expressivo, o sistema demonstrou que feito de forma massiva atingiria resultados maiores e mais positivos. Por esse motivo, em 1997, o Protocolo de Kyoto ratificou a metodologia “cap and trade” e diversos países passaram a utilizá-lo em suas legislações, regulações e políticas climáticas. Isso gerou um efeito em cascata, as empresas começaram a compreender que podiam ganhar dinheiro ao evitar a poluição.
Conceitualmente, o sistema serve para controlar as emissões de carbono e outras formas de poluição, como de resíduos sólidos, em que um limite superior (meta) é estabelecido na quantidade que uma determinada empresa pode emitir de gases nocivos ao efeito estufa, mas que permite a compra da capacidade adicional de outras organizações que não usaram sua meta integral.
Ou seja, de um lado você tem uma empresa que reduziu a poluição em relação à meta, gerando créditos. De outro, uma empresa que extrapolou a meta definida, tendo que compensar, comprando créditos.
Em um caso concreto, uma empresa reduziu em 30% sua emissão de gases, através da mudança da matriz energética, de termelétrica movida a diesel para energia solar, por exemplo. Essa empresa gerará créditos relativos à redução da emissão e poderá vendê-los para outras que precisarão compensar porque passaram da meta. Essas ações, até o momento, são feitas voluntariamente pelas empresas.
Esse foi o modelo que centenas de países se tornaram signatários no Protocolo de Kyoto, através do chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) que permitia que os países e signatários passassem a negociar entre si os créditos de carbono.
A evolução natural foi o desenvolvimento do mercado voluntário de venda de créditos de carbono no mundo e, após o Acordo de Paris, de 2021, os países passaram a criar os seus mercados regulados, instituindo suas legislações e regulações sobre como funcionará a geração de crédito e a sua venda. Isso vale para o crédito de resíduos e carbono, no Brasil.
A partir da regulação de ambos os créditos, o mercado começa a se formar. O voluntário, de crédito de carbono, ainda é restrito a investidores mais qualificados, mas a partir da nova legislação, qualquer tipo de investidor poderá acessar fundos de Investimentos de direitos creditórios de bancos, por exemplo.
Do lado das empresas ainda há muito a se fazer, precisam se antecipar e começar a planejar sua logística reversa de resíduos ou sua mudança de matriz energética para gerar seus créditos. Assim, estarão preparadas para quando os bancos criarem esses tipos de investimentos.
Enfim, o mercado de créditos de resíduos e carbono agora possui um incentivo grande para se formar e se desenvolver. Sendo assim, fique de olho investidor, fiquem de olho empresas, comecem a se movimentar e se posicionar nesse mercado ESG, que assim como o transporte das batatas, que no início ficam posicionadas de forma irregular na carroceria, e, depois, com o andar do caminhão, vão se ajustando.
*Alexandre Furtado é Presidente do Comitê de Informações ESG da Fundação Getúlio Vargas e Diretor de ESG da Grant Thornton.
As informações desta coluna são de inteira responsabilidade do autor e não do InvestNews e das instituições com as quais ele possui ligação.
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