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Acordo com o Mercosul vira prova de fogo para a ambição global da União Europeia

Resistência de países como a Itália trava pacto bilionário enquanto UE tenta sair da órbita de EUA e China

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Ursula von der Leyen deveria assinar no sábado (20) o maior acordo de livre-comércio da história da União Europeia, consolidando o bloco como uma força geoeconômica global.

Em vez disso, a presidente da Comissão Europeia terá de encontrar uma forma de salvar o pacto com o Mercosul, tentando costurar apoio de última hora de países como a Itália, que ajudaram a adiar o acordo — mais uma vez — por temerem impactos negativos sobre seus setores agrícolas.

As negociações do tratado comercial — com Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai — se arrastam há 25 anos, irritando os países sul-americanos. O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva disse no início desta semana que agora era “agora ou nunca”.

Autoridades dizem que tentarão novamente assinar o acordo em 12 de janeiro, mas não há garantias.

O fracasso contínuo em ratificar o tratado é um golpe para a UE, que quer usar o acordo transatlântico como prova de que pode se afirmar como potência global. Bruxelas busca, em especial, mostrar que é capaz de sair da órbita da China e dos Estados Unidos, que vêm adotando relações comerciais cada vez mais tensas com a Europa.

Ursula von der Leyen Foto: Frederick Florin/AFP/Getty Images

“Este é o momento da independência da Europa”, disse von der Leyen no início da semana, antes de uma cúpula em que os líderes europeus discutiriam opções de financiamento para a Ucrânia, além do Mercosul.

A UE vê a China tanto como concorrente econômico quanto como rival sistêmico e vem lidando com uma escalada de tensões comerciais, que já levou os dois lados a impor tarifas sobre importações um do outro. No início deste ano, Pequim anunciou planos para apertar o controle sobre exportações de terras raras e outros materiais críticos, mostrando à UE o quão vulneráveis são suas indústrias.

E neste verão europeu, a UE aceitou o que considerou um acordo comercial desequilibrado com os EUA, concordando em impor uma tarifa de 15% sobre a maior parte de suas exportações, ao mesmo tempo em que se comprometeu a eliminar todas as tarifas sobre bens industriais americanos.

O acordo comercial UE-Mercosul poderia ajudar a Europa a escapar da deterioração de suas relações com os EUA e a China. O pacto criaria um mercado integrado de 780 milhões de consumidores, eliminaria gradualmente tarifas sobre produtos como automóveis e daria à Europa acesso facilitado à vasta produção agrícola e aos recursos naturais do Mercosul.

Mais do que isso, permitiria à UE construir laços econômicos e cadeias de suprimento para além dos EUA e da China. O acordo também mostraria à região que a Europa pode oferecer uma alternativa econômica crível às duas superpotências.

Deixar escapar a parceria com o Mercosul “certamente seria um erro de proporções épicas para as ambições da Europa de se posicionar como um ator relevante no cenário econômico global”, disse Agathe Demarais, pesquisadora sênior do European Council on Foreign Relations, um think tank.

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Por enquanto, a UE não conseguiu reunir a maioria necessária para aprovar o acordo, principalmente por causa do temor arraigado de que a nova dinâmica comercial enfraqueça o setor agrícola europeu. Durante uma cúpula realizada na quinta-feira em Bruxelas, líderes do bloco enfrentaram milhares de agricultores em protesto, que queimaram pneus e despejaram batatas nas ruas.

Após o fim da reunião, no entanto, os líderes expressaram otimismo de que ainda seria possível avançar em janeiro.

Esperar mais três semanas é algo “tolerável” depois de 25 anos de negociações, disse von der Leyen a jornalistas. “Estou muito confiante de que vamos conseguir concluir.”

O destino do acordo pode depender da Itália. A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, afirmou que precisa de mais tempo para obter aprovação interna.

Fazendeiros protestam em Bruxelas, na Bélgica, contra o acordo entre União Europeia e Mercosul. Foto: Bloomberg

“Outras economias em desenvolvimento estão observando e vão levar em conta o quão difícil é fechar qualquer acordo com a UE”, disse Demarais.

Para Berlim e vários outros governos, porém, a líder italiana estaria tentando extrair o máximo possível de seu papel de fiel da balança, buscando mais concessões para o setor agrícola de seu país.

Lula disse que Meloni lhe contou que precisava apenas de mais alguns dias.

“Ela me explicou que não é contra o acordo. Está apenas enfrentando um certo constrangimento político por causa dos agricultores italianos”, disse Lula a jornalistas em Brasília, na quinta-feira. “Mas está confiante de que pode convencê-los a aceitar o acordo.”

Enquanto alguns esperam que a Itália acabe dando seu aval, diante dos benefícios potenciais para seus exportadores, outros são mais pessimistas.

“Se não houver assinatura até 20 de dezembro, então o acordo está morto, e isso terá consequências para a UE em futuras relações comerciais com países do mundo todo”, disse nesta semana Bernd Lange, presidente da comissão de comércio do Parlamento Europeu.

Na tentativa de destravar o acordo nesta semana, o Parlamento Europeu e as capitais do bloco concordaram em incluir novas salvaguardas para proteger os agricultores europeus de oscilações bruscas de preços ou importações.

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Presidente Luiz Inácio Lula da Silva cumprimenta presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em Bruxelas 17/07/2023 REUTERS/Yves Herman

Não funcionou. E, se o impasse continuar sem uma conclusão, os dois blocos podem voltar suas atenções para outros parceiros.

O Mercosul quer concluir um acordo com os Emirados Árabes Unidos e estuda possíveis parcerias com Canadá, Reino Unido e Japão. A UE, por sua vez, tenta fechar um acordo com a Índia, que também se arrasta há quase duas décadas.

“Se a UE quiser continuar sendo crível na política comercial global, decisões precisam ser tomadas agora”, disse o chanceler alemão Friedrich Merz ao chegar à cúpula em Bruxelas.

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