Economia

Aliados de Trump trabalham para enfraquecer a independência do Fed

Medida jogaria por terra um dos pilares da economia americana. Enquanto isso, no Brasil, o debate é mais saudável.

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Caso Donald Trump vença a corrida à Casa Branca, seu segundo mandato pode ser marcado pelo enfraquecimento da tradicional independência Fed, o Banco Central dos EUA, em vigor desde 1951. Aliados do candidato republicano à Presidência dos EUA estão elaborando secretamente propostas nesse sentido, apurou o The Wall Street Journal.

Segundo o jornal, tanto ex-funcionários como um pequeno grupo de apoiadores do ex-presidente produziram um documento de quase dez páginas descrevendo uma nova visão para a autoridade monetária. As sugestões vão de mudanças na política do Fed a algo impensável para o padrão americano (e hoje até para os brasileiro): o Presidente da República ser consultado sobre as decisões relativas às taxas de juros.

A destituição de Jerome Powell do cargo de presidente do Fed antes do fim de seu mandato também estaria contemplada no plano republicano. Trata-se de algo igualmente fora da curva.

O grande pilar da independência de um BC, afinal, é justamente o fato de o mandatário da vez do Poder Executivo só poder trocar o presidente do banco central após dois anos de governo – como passou a acontecer no Brasil após 2021, quando incorporamos por aqui o conceito de BC autônomo. É uma forma de fazer com que o banco central trabalhe como uma instituição de Estado, não de governo.

O que é fundamental para a economia, em qualquer país. Um governo com controle total sobre o BC pode, por exemplo, forçar uma baixa de juros fora de hora para garantir uma reeleição – pois juros menores impulsionam a economia, e uma economia forte traz votos. Só que reduzir juros no momento errado joga na lenha na fogueira da inflação – e aí é um efeito borboleta: em alguns anos, não só os preços, como toda a economia, podem sair do controle.

Aconteceu algo parecido no Brasil em 2011 (ainda que não houvesse eleição em jogo). Num momento de inflação em alta, o governo Dilma Roussef determinou que o então presidente do BC, Alexandre Tombini, reduzisse a Selic mesmo assim. Hoje, numa realidade em que o Presidente da República não pode demitir o presidente do BC, algo assim é inconcebível.  

De volta aos EUA. A escolha de Powell foi feita pelo próprio Trump. Ele assumiu em 2018 (e em 2022, Biden renovou o mandato de Jerome). Em fevereiro deste ano, porém, Trump afirmou que o presidente do Fed ajudaria a reeleger Joe Biden ao reduzir a taxa de juros. Powell tem mandato até 2026.

A empreitada de Trump para exercer controle sobre o Fed sofreria obstáculos institucionais. Não está comprovado se o ex-presidente e atual candidato aprovou as propostas de seus aliados, mas pessoas próximas ao assunto acreditam que sim. Foi dito que o ex-presidente chegou a ter algumas discussões informais com assessores sobre possíveis candidatos para comandar o Fed, inclusive oferecendo o cargo para alguns aliados.

A exigência? Consultar informalmente Trump antes da tomada de qualquer decisão. Para todos os efeitos, seria o fim da autonomia do Fed – com todas as consequências potencialmente desastrosas que isso poderia trazer.

Autonomia administrativa do BC

Enquanto isso, no Brasil, o debate é mais saudável: sobre como aumentar a independência do banco central. Tramita PEC 65/2023, que daria autonomia administrativa ao BC.

Hoje, o banco central tem seu orçamento determinado pelo Poder Executivo, via Tesouro Nacional. No limite, um governo antipático ao BC pode cortar as verbas ali até tornar inviável o funcionamento da autarquia.

O próprio Campos Neto reclama que seu orçamento sofreu diversos cortes – hoje está em R$ 15 milhões, 20% do que era há cinco anos. Na segunda (22), disse que em algum momento o dinheiro estaria tão curto que não seria mais possível “rodar o Pix”.

De acordo com a PEC, que tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, o BC teria autonomia para decidir seu próprio orçamento, sob a supervisão do Congresso. Sem a interferência do Poder Executivo. É como funciona nos Estados Unidos, inclusive – ao menos enquanto a racionalidade seguir dando as cartas por lá.

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