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Na Argentina, investidores e empresas driblam controle cambial com títulos de curto prazo

Empresas e investidores na Argentina estão recorrendo a títulos de dívida para contornar controles cambiais de Javier Milei

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Empresas e investidores na Argentina estão pagando um prêmio para acumular dólares em uma tentativa criativa de contornar os controles cambiais do presidente Javier Milei.

Embora as restrições tenham diminuído para pessoas físicas, as empresas ainda enfrentam barreiras para comprar e vender dólares, já que Milei tenta evitar oscilações bruscas no peso. Para driblar essas regras, muitas recorrem à compra de títulos corporativos, provinciais e soberanos de curto prazo com pesos, recebendo depois os pagamentos de cupons e principal em dólares.

A demanda por esses ativos cresceu tanto que os rendimentos caíram significativamente — em alguns casos, os títulos emitidos localmente por empresas e províncias argentinas estão com custos de captação mais baixos do que os títulos do Tesouro dos EUA. Em alguns casos, os yields são negativos, indicando que o objetivo principal não é manter os ativos até o vencimento, mas sim ter acesso aos dólares.

O pano de fundo dessa distorção é um arcabouço de políticas que continua dificultando o acesso à moeda americana. Antes das eleições legislativas de outubro, o Banco Central da Argentina impôs uma “restrição cruzada” que limita a capacidade das empresas de alternar entre o mercado oficial de câmbio e as duas principais vias paralelas via títulos. Até então, era comum comprar ativos em pesos e vendê-los em dólares, convertendo legalmente pesos em dólares a uma taxa implícita mais vantajosa que a oficial.

A restrição afeta empresas que precisam do câmbio oficial para pagar importações ou dívidas externas. Se uma empresa usar o mercado de títulos para acessar dólares, corre o risco de perder o acesso ao câmbio oficial por 90 dias. Como alternativa, muitas compram títulos em dólares de curto prazo, mantendo o acesso ao mercado oficial e, ao mesmo tempo, obtendo os dólares necessários.

Essa estratégia levou a retornos negativos em alguns papéis: o título da Pan American Energy com vencimento em 2 de março está rendendo -4,5%, e o do Grupo Financiero Galicia para 30 de dezembro, cerca de -2%, segundo dados compilados pela Bloomberg. Já o título da Pampa Energía com vencimento em 26 de março oferece retorno de 1,7%, enquanto os da província de Córdoba, com vencimento em outubro, têm rendimento negativo de 2,5%. Empresas como Pampa e Genneia compraram de volta seus próprios papéis depois que os rendimentos caíram ainda mais.

“Tudo isso está ligado às restrições”, afirma Diego Mendez, chefe de crédito corporativo da corretora PPI. “Os investidores compram os títulos curtos e, quando recebem os dólares, mantêm esses valores. Pagam um ágio porque o que querem, de fato, é o dólar.” A demanda é maior entre empresas que buscam proteção cambial. “Há pressão especialmente nos papéis de curtíssimo prazo, porque a proteção cambial exige dólares físicos”, diz.

Mais adiante na curva de rendimento, os títulos do Tesouro argentino continuam pagando bem, o que mostra que essa tendência recente não representa uma reavaliação geral do risco de crédito do país. Os títulos mais longos, como os do Grupo Galicia com vencimento em julho, pagam cerca de 5,5%, e os bônus soberanos de longo prazo emitidos no exterior, como os com vencimento em 2035, rendem mais de 9,8%, refletindo melhor a percepção de risco dos investidores globais.

Um ágio semelhante pode ser observado no câmbio conhecido como “contado com liqui” (CCL), uma taxa flutuante usada por investidores, que recentemente superou a banda de câmbio do Banco Central. Essa banda, que começou entre 1.000 e 1.400 pesos e é ajustada mensalmente, passará a ser indexada à inflação a partir de janeiro, abandonando o ritmo atual de ajuste de 1% ao mês. A inflação mensal está atualmente em 2,5%.

As mudanças recentes também beneficiam os emissores. Empresas como Pampa e Genneia conseguiram recomprar dívidas no mercado secundário por valores abaixo do valor de emissão — o mesmo ágio que penaliza compradores se converte em desconto para as empresas que buscam reduzir seu passivo.

“Para o investidor local, aplicar em um título do Tesouro dos EUA ou da Apple muitas vezes não compensa — depois de incluir impostos sobre ativos no exterior, controle cambial e taxas de corretagem, o retorno pode ficar negativo. Por isso, o capital acaba migrando para os títulos corporativos e provinciais argentinos de curto prazo”, afirma Juan Manuel Pazos, estrategista-chefe da corretora One618.

“Ter rendimentos negativos ou inferiores aos dos Treasuries não é tão irracional quando a alternativa é deixar os dólares parados a 0% em uma conta poupança — qualquer rendimento positivo num título local já parece mais atrativo”, diz Pazos.

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