
Um grupo de 25 negociadores da COP30, Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, assinou uma carta em protesto aos preços exorbitantes das hospedagens oferecidas para o evento ambiental, que será realizado em novembro, em Belém (PA).
A pressão internacional chega no momento em que faltam apenas 100 dias para a realização da conferência e denuncia que as diárias de hospedagem chegam a custar até US$ 700 — cerca de quinze vezes acima do custo habitual e muito superior ao subsídio de US$ 149 concedido pela ONU.
Com este patamar de preço, delegações africanas e asiáticas, incluindo até países desenvolvidos como Holanda e Áustria, pediram no documento enviado ao Brasil que caso o problema não seja solucionado, parte ou toda a COP30 seja transferida para outra cidade do país.
A crise da hospedagem veio à tona nesta semana em uma reunião emergencial, convocada pela ONU, para discutir o impacto dos preços abusivos na sede brasileira da COP30. O questionamento, liderado pelo Grupo Africano de Negociadores, alerta para a possibilidade inédita de cortes nas delegações e até boicotes.
André Corrêa do Lago, presidente da COP30, disse em uma coletiva à imprensa nesta sexta-feira (1º) que a COP será em Belém e “não há um plano B”. “Ocorreu uma reunião de emergência [da ONU] em que se manifestaram representantes de países. Eles disseram que há uma preocupação muito grande por causa dos preços para hospedagem em Belém”, afirmou.
Na reunião da ONU, o governo brasileiro se comprometeu a apresentar até 11 de agosto um plano detalhado para viabilizar a participação de todos. Para isso, diz apostar na mobilização dos setores público e privado, com apoio dos Ministérios da Justiça e do Turismo, para regular os preços e ampliar as reservas.
Baixa oferta de leitos
A raiz do problema está na discrepância entre a demanda e a oferta: a rede hoteleira de Belém oferece de 18 mil a 20 mil leitos, número insuficiente diante da expectativa de até 50 mil participantes para o evento ambiental.
A situação piorou com a especulação desenfreada, elevando preços de hotéis, pousadas e aluguéis por temporada, como Airbnb. Motéis e imóveis residenciais também passaram a ser convertidos em hospedagem para delegações, ONGs e jornalistas internacionais. Mas todas essas opções improvisadas também estão sendo ofertadas a preços muito acima do valor de mercado.
Navios viram hotéis
Planos não faltam para ampliar a capacidade de hospedagem. Nesta sexta, a organização da COP 30 lançou oficialmente uma plataforma de hospedagem em Belém com mais de 2,7 mil quartos disponíveis, em apartamentos e hotéis, para atender os participantes da conferência.
Outra possibilidade é o uso de dois navios de cruzeiro como “hotéis” no porto de Belém. Segundo o governo, as duas embarcações têm capacidade combinada para cerca de 6 mil pessoas e deverão acomodar as delegações de países em desenvolvimento, com diárias reduzidas entre US$ 180 e US$ 220.
Também está prevista a construção da “Vila COP”, um complexo modular temporário que funcionará como hospedagem para as delegações, além da mobilização da rede hoteleira de municípios vizinhos, adaptação de escolas, lojas e imóveis públicos transformados em hospedagens, assim como a expansão do aluguel por temporada. A meta é ampliar a capacidade entre 36 mil e 39 mil leitos, embora ainda persista a incerteza sobre o conforto e a localização dessas acomodações.
Além da questão hoteleira, o contexto da organização da COP30 envolve desafios logísticos mais amplos que afetam Belém. O avanço das obras de infraestrutura, como ampliação do aeroporto internacional, revitalização do porto, melhorias no saneamento básico e mobilidade urbana, alcança a chamada área do “Polígono COP”, região nobre da cidade onde estão os centros de convenções e muitos dos hotéis de alto padrão.
Regiões periféricas com carências históricas pouco têm recebido investimentos, o que agrava o debate sobre o legado social e ambiental da COP30 na cidade. Entre as capitais do país, Belém é a que concentra a maior proporção de população em áreas de favela, segundo o IBGE. A cidade possui 1.303.403 habitantes, dos quais 745.140 pessoas, ou 57,17% do total, residem em 214 áreas urbanas precarizadas.
Outro número do IBGE aponta que o acesso à rede de esgoto é um grave problema enfrentado por parte da população. Cerca de 212 mil moradores da cidade — aproximadamente 16% — vivem sem saneamento adequado em suas residências.
Belém é um importante polo regional na Região Norte. A cidade possui um Produto Interno Bruto (PIB) per capita de R$ 22.216, com uma economia em expansão. Como centro comercial e logístico estratégico à beira do Rio Amazonas, a capital do Pará desempenha papel importante no escoamento de produtos da Amazônia, como açaí, guaraná, castanha do Brasil, cacau e pescado, para outras regiões do país e para o mercado internacional.
Ser sede da 30ª edição da COP é um marco carregado de simbolismo: Belém está no coração da Amazônia, maior floresta tropical do planeta e ameaçada pelo desmatamento. “Acho que é muito importante que as pessoas que defendem a Amazônia, as pessoas que defendem o clima, conheçam de perto o que é a região”, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando fez campanha para o Brasil receber o evento ambiental em 2025.
O problema agora é saber se a cidade e o país conseguirão superar os desafios logísticos e sociais que colocam em xeque a realização da conferência, que deve atrair todos os olhos para a Amazônia.