Economia
Coronavírus volta a acelerar no Brasil, sob temor de 2ª onda
Covid-19 volta a acelerar no país após quase três meses de queda nos números.
Abalada com os longos meses de uma quarentena rígida adotada para impedir a entrada da Covid-19 na casa onde mora com a avó de 88 anos, a influenciadora digital carioca Renata Alfaia decidiu sair para se encontrar pela primeira vez em muito tempo com seu parceiro, aproveitando a perda de força do coronavírus no Brasil.
Bastou um encontro presencial após oito meses de distanciamento para ser contaminada, num reflexo do novo momento da epidemia no país, em que o esgotamento da população com as medidas de prevenção e a retomada das atividades têm provocado um repique de casos e despertado temores de uma segunda onda.
“Eu já estava há muitos meses sem encontrar ninguém, isso mexeu um pouco com meu psicológico, então eu resolvi voltar a encontrar algumas pessoas, ao ar livre, com pouca gente, sempre tomando muito cuidado. Nisso eu resolvi encontrar uma pessoa que eu me relaciono há um tempo já, converso todo dia, mas não encontrava há meses. Peguei dele”, disse Alfaia, de 33 anos.
Alfaia se recuperou da doença em casa, mas ainda assim passou o vírus para a mãe e a irmã. As três estão entre os quase 6 milhões de brasileiros com casos confirmados de Covid-19, segundo dados do Ministério da Saúde.
O Brasil se tornou nesta sexta-feira apenas o terceiro país do mundo a superar a barreira de 6 milhões, depois de Estados Unidos e Índia. Segundo dados do Ministério da Saúde, existem 6.020.164 casos confirmados da doença no país, com 168.613 mortes.
Nas maiores cidades do país, as ruas estão cada vez mais próximas da normalidade, com restaurantes e lojas cheios de pessoas muitas vezes sem máscara.
A triste marca de casos, acompanhada de quase 170 mil óbitos, é atingida no momento em que a Covid-19 volta a acelerar no país após quase três meses de queda nos números, depois de um platô muito alto atingido durante o mês de agosto.
São Paulo e Rio de Janeiro registraram nos últimos dias uma disparada nas internações hospitalares devido à Covid-19, com a taxa de ocupação de UTIs na rede municipal da capital fluminense em torno de 90% nesta semana e a secretaria estadual abrindo novos leitos para atender a demanda.
O governo estadual paulista divulgou nesta semana um aumento de 18% nas internações por Covid-19 nas redes pública e privada e interrompeu a desmobilização de leitos voltados à doença.
De acordo com o Imperial College de Londres, a taxa de contágio da Covid-19 no Brasil atingiu 1,1 nesta semana, após permanecer por diversas semanas abaixo da marca de 1. A taxa de 1,1 significa que cada 100 pessoas com o vírus contaminam outras 110, o que representa um aumento da disseminação da doença. Uma taxa abaixo de 1 representa uma desaceleração do contágio.
“Vivemos um expressivo aumento do número de atendimentos de síndrome gripal, casos confirmados e internações por Covid-19 nas últimas semanas”, afirmou o assessor especial de Atenção Primária à Saúde do Rio de Janeiro, Leonardo Graever, em documento enviado aos profissionais da área no município, em que pede um reforço das medidas para enfrentar o momento.
Questionado sobre medidas para o enfrentamento ao novo aumento de casos, o Ministério da Saúde disse que “mantém a vigilância contínua da circulação do vírus em todo território nacional e presta apoio aos estados e municípios para o enfrentamento à Covid-19”, e citou as negociações por futuras vacinas.
‘Não estamos preparados’
Depois de atingir um pico no início de agosto, quando chegaram a ser computados mais de 50 mil casos novos e mais de 1 mil óbitos a cada dia, a Covid-19 parecia estar sendo controlada ao cair para o patamar de 20 mil casos e 425 mortes por dia no final de outubro.
O dados oficiais das primeiras semanas de novembro foram afetados por uma instabilidade no sistema do Ministério da Saúde, depois que a pasta foi alvo de suposta tentativa de ataque hacker que a levou a bloquear o acesso, mas dados de síndrome respiratória informados pelos estados apontaram para uma reversão de tendência.
“O sinal mais importante é ver que a mediana de casos fez um movimento de repique”, disse o pesquisador em saúde pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Marcelo Gomes, coordenador do sistema InfoGripe, ferramenta que acompanha os casos de síndromes respiratórias agudas no país, incluindo a Covid-19, citando dados das últimas duas semanas.
“Está com um sinal de provável interrupção da queda. Ainda não está claro se a gente está agora entrando numa nova fase de estabilização ou já com reversão e indo para crescimento, as próximas semanas vão deixar mais claro, mas está bastante sugestiva a interrupção da queda”, acrescentou.
De acordo com os números do ministério, foram registrados 26.500 casos novos por dia em média nesta semana epidemiológica até quinta-feira e 480 mortes por dia, mas ainda há inconsistência nos dados, de acordo com a pasta.
A chegada aos 6 milhões de casos marca o período mais longo para se acumular 1 milhão de infecções no Brasil após o primeiro milhão: 44 dias. Em comparação, foram necessários 34 dias para o milhão anterior, enquanto os anteriores foram acumulados sempre em menos de 28 dias.
A demora decorreu principalmente de semanas seguidas de desaceleração antes deste mês. Agora, no entanto, há uma preocupação com uma possível segunda onda, à medida que a população tem retomado as atividades e as ruas estão cada vez mais cheias.
Segundo dados do Google, o transporte público e os locais de trabalho no país estão com frequência de pessoas bem maior do que antes das quarentenas impostas devido à pandemia, com altas de 26% e 22%, respectivamente, enquanto a redução da mobilidade em lugares como restaurantes, cafés e shopping centers está no menor patamar desde o início da crise, com redução de apenas 4%.
“Estamos agora sob risco de uma segunda onda sem sequer termos saído da primeira onda. Não estamos vendo por parte dos governantes ações concretas para o enfrentamento dessa possível segunda onda. Definitivamente não estamos preparados”, disse o infectologista Roberto Medronho, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio e Janeiro (UFRJ).
Com as possíveis vacinas ainda em fase final de testes e sem um medicamento com eficácia comprovada contra a Covid-19, especialistas apontam que a melhor solução para se evitar uma segunda onda tão trágica quanto a primeira é manter o isolamento.
A medida também foi defendida esta semana pelo Ministério da Saúde nas redes sociais, mas a publicação, que contraria o posicionamento do presidente Jair Bolsonaro – que sempre foi crítico ao isolamento devido aos impactos econômicos – posteriormente foi apagada. Perguntado sobre o tema, o ministério não respondeu.
Além de rejeitar o isolamento, Bolsonaro reclamou nesta semana do que chamou de “conversinha” sobre uma possível segunda onda da Covid-19 no país, dizendo que o Brasil será um país de miseráveis se “quebrar de vez”.
Durante o primeiro impacto da Covid-19, o governo federal concedeu um auxílio emergencial aos vulneráveis de R$ 600 mensais a um custo de R$ 50 bilhões por mês, e o ministro da Economia, Paulo Guedes, já estimou que uma segunda onda geraria um gasto equivalente à metade do que foi gasto na primeira.
Enquanto as autoridades públicas temem a eventual necessidade de apertar as medidas para conter a disseminação do vírus, especialistas pedem comprometimento da população e um papel ativo dos governos.
“Nosso momento é muito crítico”, disse a pesquisadora em saúde Chrystina Barros, da UFRJ. “Isso acontece pelo comportamento das pessoas e das autoridades, que não sei se terão coragem de decretar lockdown.”