
O decreto que definiu novas regras para a obtenção da cidadania italiana aumentou as dificuldades para os descendentes de italianos no Brasil e já está sendo questionado na justiça.
A nova legislação , que entrou em vigor em 28 de março deste ano, impõe limites geracionais e exigências adicionais que reduzem drasticamente as chances de muitos brasileiros conseguirem o documento europeu. O texto foi ratificado pelo Parlamento italiano no final de maio.
A medida afeta principalmente bisnetos e gerações posteriores, que perderam o direito automático à cidadania italiana por jus sanguinis (direito de sangue), exceto em casos específicos.
Principais mudanças na legislação
O governo italiano centralizou todos os pedidos de cidadania na Farnesina, sede do Ministério das Relações Exteriores em Roma. Com isso, os consulados italianos no Brasil deixaram de aceitar novos agendamentos para solicitações.
A análise dos processos, que antes levava cerca de um ano, agora pode se estender por até 48 meses. Em paralelo, a taxa administrativa dobrou, passando de 300 euros para 600 euros por pessoa. Anteriormente, essa cobrança era feita por processo familiar, o que permitia economia para famílias numerosas.
“Os pedidos protocolados até 27 de março de 2025, seja pela via consular ou judicial, não serão afetados pelas novas regras”, esclarece o decreto. Esses processos continuarão sendo avaliados conforme a legislação anterior.
Outra mudança significativa é a introdução do conceito de “vínculo efetivo” com a Itália. Os novos cidadãos precisarão comprovar laços “reais” com o país a cada 25 anos, por meio de proficiência no idioma, residência, participação em eleições ou renovação regular de documentos.
Para certidões com mais de 100 anos, passou a ser cobrada uma taxa adicional, limitada a 300 euros por documento. Essa medida afeta diretamente brasileiros que precisam recuperar documentos antigos de seus antepassados italianos.
Referendo
Em junho deste ano, a Itália realizou um referendo sobre a redução do tempo de residência necessário para estrangeiros obterem a cidadania italiana. A proposta visava diminuir de 10 para 5 anos o período mínimo. Embora o “sim” tenha vencido, a baixa participação popular, de aproximadamente 30%, invalidou o resultado do plebiscito.
Para os descendentes que ainda não iniciaram seus processos, a via judicial pode ser uma alternativa mais viável, apesar de mais onerosa, considerando as restrições impostas pela via administrativa e a possibilidade de futuras alterações na legislação.
Cautela de assessorias
Empresas e assessorias especializadas em processos de cidadania italiana estão aguardando possíveis mudanças no decreto recentemente aprovado pelo governo da Itália. O posicionamento do setor reflete uma mistura de cautela e expectativa quanto à possibilidade de revogação, flexibilização ou declaração de inconstitucionalidade de partes do texto legal.
O decreto já produz efeitos práticos no mercado, com redução no número de pessoas interessadas em iniciar processos de cidadania ou estabelecer residência na Itália. As empresas do ramo temem queda na demanda por seus serviços.
Como estratégia para enfrentar as novas restrições, diversas assessorias ampliaram sua oferta para incluir ações judiciais como alternativa aos processos administrativos tradicionais. Os clientes recebem orientação para não abandonarem seus planos de obtenção da cidadania italiana, considerando a possibilidade de mudanças futuras na legislação.
O posicionamento entre as empresas não é uniforme. Algumas demonstram maior cautela e consideram que o decreto poderá vigorar por período prolongado, defendendo a adaptação às novas regras, mesmo reconhecendo os custos adicionais envolvidos. Outras organizações mostram otimismo quanto à possibilidade de uma revogação ampla do texto.
A recomendação predominante no mercado é de prudência antes de decisões definitivas. Especialistas indicam alta probabilidade de judicialização da questão e possíveis alterações na legislação ainda em 2025 ou em 2026. O cenário de incerteza jurídica mantém o setor em compasso de espera enquanto avalia os desdobramentos legais do decreto.
Tribunal de Turim
Eduardo Velloso, CEO do Trastevere Cidadania Italiana, lembra que, na semana passada, o Tribunal de Turim encaminhou à Corte Constitucional da Itália um pedido que questiona a constitucionalidade do decreto que modificou as regras para obtenção da cidadania italiana. A ação ocorreu na semana passada e agora aguarda análise da instância máxima responsável por decisões constitucionais no país europeu.
O processo foi iniciado por duas associações que defendem os direitos de descendentes de italianos. Os autores da ação argumentam que o decreto governamental eliminou um direito previamente garantido aos descendentes, o que representaria uma violação constitucional.
A argumentação jurídica apresentada pelos advogados das associações defende que o direito à cidadania italiana é adquirido no momento do nascimento, não quando o pedido de reconhecimento é formalmente apresentado às autoridades. Sob esta interpretação, pessoas nascidas antes da publicação do decreto manteriam o direito à cidadania conforme as regras anteriores.
Caso esta tese seja aceita, as novas regras estabelecidas pelo decreto seriam aplicáveis apenas para indivíduos nascidos após 28 de março de 2025, data em que a nova legislação entrou em vigor.
“Então, é questão de tempo, isso aí vai se normalizar. Os escritórios que tiverem fôlego financeiro até setembro, outubro vão ficar de pé. Quem não tiver fôlego financeiro, não vai não vai suportar. Porque as vendas já caíram”, afirma Velloso sobre o impacto da situação no setor de assessoria para obtenção de cidadania italiana.
A decisão da Corte Constitucional italiana poderá estabelecer um precedente para milhares de descendentes que buscam reconhecimento da cidadania italiana e definirá como as novas regras estabelecidas pelo decreto governamental serão aplicadas temporalmente.
Decreto‑Lei nº 36/2025: entenda as mudanças para tirar cidadania italiana
Em 28 de março de 2025, entrou em vigor o Decreto‑Lei nº 36/2025, que foi posteriormente ratificado pelo Parlamento. As mudanças principais aprovadas em 2025 para a aquisição da cidadania italiana são as seguintes:
Geração limite no ius sanguinis
A cidadania automática agora só se aplica a filhos ou netos de cidadãos italianos, incluindo a exigência de que o ascendente tenha apenas cidadania italiana (sem dupla cidadania) no momento do nascimento do requerente.
Casos de bisnetos ou além perdem o direito automático, salvo se o ascendente italiano tiver vivido pelo menos dois anos seguidos na Itália antes do nascimento do requerente.
Regras de transição e retroatividade
Pedidos protocolados até 27 de março de 2025 (inclusive via consulado ou pedido judicial) continuam pelas regras antigas. Após essa data, novas exigências são aplicadas, incluindo as restrições de gerações descritas acima.
Taxas administrativas duplicadas
A taxa para cada requerente subiu de 300 euros para 600 euros, tanto via administrativa (consular) quanto via judicial, e agora é cobrada por pessoa, não por processo. Também há taxa para certidões antigas (mais de 100 anos), limitada a 300 euros.
Centralização dos pedidos
Os consulados não aceitam mais novos agendamentos. Os pedidos devem ser enviados ao órgão centralizado no Ministério das Relações Exteriores (Farnesina) em Roma. Espera-se um prazo de até 48 meses para avaliação do pedido centralizado.
Requisito de “vínculo efetivo”
Ter vínculos “reais” com a Itália, como proficiência linguística, residência, voto ou renovação de documentos, e exercer direitos ou deveres a cada 25 anos se tornaram requisitos para manter a cidadania italiana. A medida busca reforçar uma ligação contínua com o país.
Referendo sobre naturalização por residência
Nos dias 8 e 9 de junho de 2025, houve votação sobre reduzir de 10 para 5 anos o tempo de residência para estrangeiros adquirirem a cidadania. O “sim” ganhou, mas a baixa participação, de aproximadamente, invalidou o plebiscito.