Economia
Emenda pró-carvão atrasa aprovação de eólicas offshore
O Brasil planeja usar essa energia limpa para diversificar sua matriz energética e atrair bilhões em investimentos estrangeiros
Uma batalha no Congresso Nacional para prolongar os contratos de usinas térmicas a carvão está travando a chegada da tão esperada indústria eólica offshore na maior economia da América Latina.
Um projeto de lei para regular o setor está atualmente parado no Senado Federal, depois de um grupo de deputados terem apresentado uma série de emendas, incluindo uma para estender as usinas térmicas a carvão até 2050. Parlamentares ambientalistas estão descontentes com a manobra, e até a Petrobras criticou a medida.
A rapidez com que o Brasil pode iniciar parques eólicos offshore, que custam bilhões de dólares e podem levar quase uma década para serem concluídos, está em jogo. O Brasil planeja usar essa energia limpa para diversificar sua matriz energética e atrair bilhões em investimentos estrangeiros. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou a transição verde e a descarbonização como uma das maiores prioridades de seu terceiro governo, e fez das mudanças climáticas um dos principais temas da presidência brasileira do G20.
“Há muitos grandes investidores sentados com projetos com os quais estão muito animados e otimistas”, disse Jonathan Cole, CEO da eólica offshore Corio Generation Ltd., que já montou um escritório no Rio de Janeiro e diz que já está engatilhado no aguardo das rodadas de licenciamento.
As emendas no projeto de lei, que também incluem a contratação obrigatória de usinas a gás, possuem um custo adicional de R$ 39 bilhões, de acordo com a Abrace, uma associação de grandes consumidores de energia. Como consequência, o custo da energia do país aumentará em 11%, disse Victor Hugo Iocca, diretor de energia elétrica da associação, à Bloomberg.
As termelétricas a carvão no Brasil costumam ser utilizadas quando a energia produzida por usinas hidrelétricas mais baratas e limpas não é suficiente para atender à demanda. Mais de 80% da eletricidade do país vem de fontes renováveis, como hidrelétrica, eólica, solar e biomassa.
O governo não tem pressa para aprovar a o projeto de lei, porque quer que os parlamentares cheguem a um acordo sobre as medidas polêmicas, segundo pessoas com conhecimento sobre o assunto. O projeto precisa se tornar lei antes que o Brasil possa começar a realizar rodadas de licenciamento para projetos eólicos de grande porte. Os investidores esperam ter os primeiros parques eólicos offshore funcionando por volta de 2030.
“O progresso regulatório é essencial para a avaliação futura da viabilidade de investir nesses projetos”, disse a Shell Plc, que já abriu seis processos de licenciamento no Ibama, em resposta escrita para Bloomberg.
O relator do projeto na Câmara, José Vitor Aguiar, disse estar “muito otimista” de que ele será aprovado, mesmo com as emendas, uma vez que os parlamentares querem ver os investimentos avançarem e o Brasil se tornar um grande produtor de hidrogênio verde. Se os projetos não saírem do papel, outros países da América Latina podem se mover mais rapidamente e assumir o controle do mercado de hidrogênio verde antes que as turbinas comecem a girar na costa brasileira.
Para que o hidrogênio seja considerado verde, ele precisa ser feito com energia renovável. Os ventos fortes e o sol escaldante do Brasil o tornam um dos lugares mais competitivos para energia limpa.
O Brasil – com um dos maiores litorais do mundo – tem 190 gigawatts de projetos à espera de licenças e um potencial offshore total de 700 gigawatts, de acordo com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Em comparação, o Reino Unido e a China, dois dos maiores produtores mundiais de energia eólica offshore, têm um potencial estimado de 50 gigawatts e 1000 gigawatts, respectivamente.
As usinas eólicas offshore possuem um papel importante no plano do governo de transformar o Brasil em uma potência industrial com novos polos de fabricação na costa. O montante equivalente de investimento em eólica offshore gera o dobro de crescimento econômico em comparação com a eólica onshore, disse Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica.
A energia eólica offshore também pode ajudar o Brasil a reduzir a dependência de usinas hidrelétricas.
“As hidrelétricas nos deixam dependentes do ciclo das chuvas, que foi impactado pelas mudanças climáticas, e aumenta o risco à estabilidade do sistema”, disse Vinicius Nunes, analista da BloombergNEF em São Paulo.
Embora o Brasil tenha ventos fortes e um grande mercado de eletricidade, existem preocupações de que o setor enfrente os mesmos tipos de dificuldades que nos EUA. O aumento da inflação, as restrições da cadeia de suprimentos e os baixos preços da eletricidade condenaram alguns parques offshore no leste da costa americana.
O custo da produção eólica offshore no Brasil ainda é alto, ficando atrás apenas da energia nuclear. Considerando a abundância energética promovida pelas hidrelétricas, diversificar a produção com uma matriz mais cara pode ser um desafio para o país e empresas interessadas.
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