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Excesso de oferta de petróleo deixa um bilhão de barris parados no mar

Acúmulo nos navios petroleiros é o maior desde a pandemia

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O melhor lugar para observar a mudança em curso no mercado global de petróleo é no mar.
Mais de um bilhão de barris estão acumulados na frota mundial de petroleiros, parados no mar, segundo a consultoria Vortexa Ltd. É a maior quantidade de petróleo em armazenamento desde 2020, quando a pandemia derrubou os preços da commodity.

O fenômeno dá sustentação concreta às previsões de longa data de que a produção em alta empurraria o mercado para um excedente. Embora a China tenha mantido o excesso oculto por meses, comprando barris baratos para suas reservas estratégicas, o mercado parece finalmente ter chegado a um ponto de virada.

Cargas de petróleo cru do Oriente Médio estão começando a ficar sem compradores, e indicadores importantes apontam o fim da escassez de oferta. Os futuros internacionais caíram para o menor nível em cinco meses, próximos de US$ 60 o barril, e traders se preparam para novas quedas.

“Nos últimos 12 meses todos sabíamos que esse excedente estava chegando”, disse Ben Luckock, chefe global de petróleo da Trafigura Group, no Energy Intelligence Forum em Londres. “Acho que ele realmente está chegando agora.”

A transição para uma abundância de oferta deve trazer alívio aos consumidores após anos de inflação dos preços — e atender ao desejo persistente do presidente Donald Trump por gasolina mais barata. Mas representa uma ameaça para os produtores de xisto dos EUA e para a Arábia Saudita, que enfrenta um déficit orçamentário crescente.

A Agência Internacional de Energia (AIE) vem prevendo um excesso de oferta há mais de um ano, impulsionado por barris adicionais dos EUA, Brasil, Canadá e Guiana, superando o crescimento da demanda, que vem diminuindo à medida que a China adota veículos elétricos.

O volume projetado de excedente aumentou em abril, quando a Arábia Saudita e seus parceiros da Opep+ decidiram reativar rapidamente parte da produção ociosa, com o objetivo, segundo autoridades, de recuperar participação de mercado.

Os estoques globais vêm crescendo a um ritmo de 1,9 milhão de barris por dia neste ano, segundo a AIE — e o salto no petróleo armazenado no mar pode antecipar um acúmulo ainda maior em 2026.

“Isso se deve em grande parte à reversão acelerada dos cortes voluntários adicionais de produção acordados em 2023 por oito países da Opep+”, disse Toril Bosoni, chefe de mercado de petróleo da AIE. “Esses aumentos substanciais ocorrem em um contexto de crescimento fraco da demanda.”

Outros analistas também preveem um superávit em 2026 — o JPMorgan projeta um excedente médio de 2,3 milhões de barris/dia, e a Administração de Informação de Energia dos EUA, de 2,06 milhões.

Mesmo assim, os preços do petróleo não refletiram totalmente um excesso. Após queda inicial em abril, o Brent manteve-se resiliente, com média de US$ 70 por barril entre janeiro e setembro. Parte disso se deve ao estoque chinês, que desviou barris de centros ocidentais como Cushing (Oklahoma), e a riscos geopolíticos como o ataque de Trump às instalações nucleares do Irã.

“Na realidade, não acumulamos estoques nos principais centros ocidentais — o excesso foi todo parar na China”, disse Russell Hardy, CEO da Vitol Group, maior trader independente do mundo. “Mas a oferta aumentou na segunda metade do ano, porque a Opep tem ampliado gradualmente a produção.”

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Isso começa a causar problemas: Emirados Árabes Unidos e Catar enfrentaram dificuldade para vender cargas para embarque em novembro; algumas foram negociadas tardiamente, e outras ainda não encontraram comprador.

A curva de preços também mudou. O prêmio pelos contratos de curto prazo desapareceu — o mercado passou de backwardation (escassez) para contango (excesso), quando a entrega imediata é mais barata.

Nos EUA, os estoques de petróleo cru subiram por três semanas seguidas, atingindo o nível sazonal mais alto desde 2023. Traders estão buscando capacidade de armazenamento para janeiro em Cushing, apostando em um excedente global.

A AIE prevê que, no ritmo atual, o mundo pode enfrentar em 2026 um excedente recorde de quase 4 milhões de barris por dia. Ainda assim, alguns analistas acham a projeção exagerada. A própria agência admite que o mercado pode se ajustar rapidamente.

A produção americana deve parar de crescer no próximo ano, e pode até cair pela primeira vez desde 2021, já que preços baixos reduzem a perfuração. Parte dos países da Opep+ também tem dificuldade em aumentar o bombeamento. Caso os preços desabem, Morgan Stanley prevê que o grupo pode voltar a cortar a produção.

Enquanto isso, a pressão de Trump para que a Índia reduza as compras de petróleo russo pode apertar o mercado novamente.

Traders como Gunvor e Vitol esperam uma queda de curto prazo nos preços, com a Trafigura projetando o barril na faixa dos US$ 50 em 2026 — mas uma recuperação para meados dos US$ 60 dentro de 12 meses.

“O discurso predominante está criando uma visão pessimista do mundo”, disse Ryan Lance, CEO da ConocoPhillips. “Mas, olhando o mercado físico, não vemos isso se materializar.”

Mesmo que o excedente real não atinja as proporções previstas — algo provável, segundo a AIE —, a mudança de ciclo é clara.

“Estamos entrando em um mercado diferente”, disse Torbjorn Tornqvist, CEO da Gunvor Group. “Já ouvimos isso antes, e muita gente se deu mal. Mas desta vez, neste estágio, acho que há mais fundamento na narrativa de excesso de oferta.”

Por Grant Smith, Yongchang Chin, Archie Hunter e Mia Gindis
Foto: Stephen Swintek/Getty Imges

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