Durante muitos anos em Wall Street, circulava a mesma ideia: a estabilidade de preços e emprego guiava como o Fed (banco central dos EUA) definiria as taxas de juros. Isso era invocado tanto por Alan Greenspan, quanto por Jerome Powell.
A última escolha do presidente americano Donald Trump para diretor do Fed, Stephen Miran, citou uma terceiro ponta: o Fed deveria buscar “taxas de juros moderadas para o longo prazo”. Aí, a conversa surgiu nas mesas de negociação de títulos de dívida, enquanto os analistas debatiam o que tudo isso significava.
Para a surpresa de muitos, descobriu-se que Miran simplesmente citava na íntegra uma parte há muito esquecida do estatuto do Fed. Mas para veteranos do mercado como Andrew Brenner, a importância para os mercados financeiros era clara — e alarmante, com o potencial de abalar carteiras.
Na visão de Brenner, o fato de Miran, famoso pelo “Acordo de Mar-a-Lago” e recém-nomeado funcionário do Fed, ter achado apropriado mencionar o “terceiro mandato” em depoimento ao Congresso é um dos sinais mais claros até agora de que o governo pretende usar a política monetária para influenciar os rendimentos dos títulos de longo prazo, usando os próprios estatutos do banco central como justificativa.
Isso também ressalta o quanto Trump está disposto a romper décadas de normas institucionais para destruir a independência de longa data do Fed em benefício de seus próprios objetivos.
Cláusula do Fed
O governo Trump “encontrou esta cláusula nos documentos originais do Fed, que não estavam bem definidos. Ela permite ao Fed ter uma influência muito maior sobre as taxas de juros de longo prazo”, escreveu Brenner, vice-chairman da Natalliance Securities, em uma nota no começo deste mês. “Este não é um assunto para hoje, mas certamente é algo para se pensar.”
Nenhuma dessas políticas está em vigor atualmente. Elas não têm sido necessárias, com os rendimentos dos títulos dos EUA de todos os vencimentos em queda, conforme a deterioração do mercado de trabalho abre caminho para novos cortes nos juros.
Além disso, nos últimos tempos, o “terceiro mandato” tem sido considerado mais um subproduto natural da gestão da inflação.
Ainda assim, alguns investidores afirmam que o foco excessivo nas taxas de longo prazo é suficiente para que incluam a possibilidade de algum tipo de ação em seus cálculos para o mercado de títulos.
Outros alertam que, com manobras pouco ortodoxas para limitar as taxas de longo prazo se tornando parte da política, aumenta o risco de efeitos adversos, especialmente a inflação, o que tornaria a gestão da dívida — e o trabalho do Fed — ainda mais difícil no final.
Embora o processo de definição de juros receba destaque, são os rendimentos dos Treasuries de longo prazo — definidos em tempo real por operadores ao redor do mundo — que determinam quanto os americanos pagam em hipotecas e empréstimos, entre outras dívidas.
A importância das taxas de juros de longo prazo para a economia americana e o custo da propriedade de uma casa têm sido regularmente destacados pelo secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, que, tal como Miran, invocou os três objectivos estatutários do Fed em um artigo no The Wall Street Journal. Neste artigo, Bessent criticou a expansão da missão do banco central.
“Esta é claramente uma prioridade, já que a administração quer estimular o mercado imobiliário”, disse à Bloomberg TV Lisa Hornby, chefe de renda fixa para os EUA na Schroders.
Longo prazo
Um possível ponto de gatilho para a ação seria um cenário em que os rendimentos de longo prazo permanecessem elevados, apesar de uma série de cortes nos juros pelo Fed, diz George Catrambone, chefe de renda fixa na DWS Americas.
“Seja com o apoio do Tesouro e/ou do Fed, ou vice-versa, eles chegarão lá de uma forma ou de outra, essa função de reação ocorrerá”, disse Catrambone. Nos últimos meses, ele vem renovando Treasuries com vencimento mais curto para títulos de 10, 20 e 30 anos, e admite que “essa tem sido uma posição fora do consenso.”
Uma medida mais drástica envolveria a compra de títulos pelo Fed como parte do programa de flexibilização quantitativa, embora Bessent tenha escrito longamente sobre o que ele considera serem efeitos negativos dessa flexibilização. O chefe do Tesouro, no entanto, apoiou a medida para “verdadeiras emergências”. Outra opção seria o Tesouro trabalhar com o Fed para absorver as emissões de longo prazo.