Economia

Investidores adotam a política de ‘vender primeiro, perguntar depois’ quando o assunto é Brasil

O real foi a moeda de pior desempenho no mundo nas últimas quatro sessões, somando-se a uma queda de 21% este ano em relação ao dólar

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Um gráfico de ações na bolsa de valores Brasil Bolsa Balcão (B3) em São Paulo, Brasil, em 17 de dezembro. Foto: Bloomberg

Primeiro foi o colapso da moeda. Agora, o restante dos mercados financeiros do Brasil está na balança, à medida que os investidores perdem a fé na capacidade do governo de conter o agravamento da crise fiscal.

A venda que fez o real despencar para uma mínima recorde está tomando todos os mercados, desde ações até dívidas em moeda local e títulos em dólar, com os investidores se entupindo em hedges contra um calote. Observadores do mercado afirmam que as medidas extraordinárias tomadas na terça-feira (17) pelo Banco Central para conter a queda da moeda são pouco mais do que uma solução temporária, e alertam que as iniciativas dos legisladores para enfraquecer um pacote de austeridade de alto nível provavelmente só aumentarão a turbulência.

O aumento da derrota mostra como os investidores estão cada vez mais céticos quanto à seriedade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em controlar um déficit fiscal crescente. O Brasil está apresentando um déficit orçamentário anual de 10% – muito maior do que o observado durante o primeiro governo do presidente esquerdista. Sua recente cirurgia cerebral de emergência ocorreu no pior momento possível, complicando ainda mais os esforços para reforçar as contas públicas.

“O Brasil se tornou o ‘venda primeiro, pergunte depois’ no mercado atual”, disse Sergey Goncharov, gerente financeiro da Vontobel Asset Management. “As preocupações fiscais, juntamente com a reação do Banco Central ao movimento do câmbio, desencadearam algumas vendas em pânico.”

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O real foi a moeda de pior desempenho no mundo nas últimas quatro sessões, somando-se a uma queda de 21% este ano em relação ao dólar. O índice de referência de ações Ibovespa – o maior da América Latina – caiu 3,8%. As taxas de swap aumentaram. Os títulos em dólar ficaram em segundo lugar entre os que mais caíram nos mercados emergentes – atrás apenas do Líbano inadimplente – e os swaps de inadimplência de crédito de cinco anos aumentaram para seu nível mais alto em mais de um ano.

“A situação chegou a um estágio de crise do ponto de vista dos títulos”, disse Jack McIntyre, gerente de portfólio da Brandywine Global Investment Management. “Lula precisa dizer algo construtivo.”

A Câmara dos Deputados do Brasil alterou a proposta de gastos de Lula na terça-feira, de uma forma que pode enervar ainda mais os investidores. Embora tenham aprovado o plano, que aguarda votação no Senado, os legisladores rejeitaram uma proposta que permitiria ao governo restringir o uso de créditos fiscais pelas empresas se as finanças piorassem. Um plano polêmico para mudar o sistema de pensão militar também foi adiado até 2025.

Com a disseminação da venda de moedas nesta semana, os estrategistas correram para abandonar as apostas de alta nos ativos do país. Nos últimos dois dias, os estrategistas do JPMorgan Chase abandonaram sua visão positiva sobre a dívida brasileira em dólares, enquanto o Credit Agricole saiu de sua posição tática de sobreponderação sobre o real duas semanas após ter entrado na operação.

“Os investidores claramente jogaram a toalha”, disse Olga Yangol, chefe de pesquisa e estratégia de mercados emergentes do Credit Agricole. Apesar dos sinais positivos de crescimento e das ações do Banco Central, “a percepção é de que, enquanto o atual presidente estiver no comando, ele parece ser bastante impermeável às oscilações do mercado”.

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No mês passado, Lula divulgou um plano para cortar 70 bilhões de reais (11,5 bilhões de dólares) em gastos anuais, mas ele foi acompanhado por novas isenções de imposto de renda, decepcionando os investidores. Na terça-feira, um legislador encarregado do plano de corte de gastos disse que o Congresso estava considerando diluir ainda mais a proposta devido ao seu possível impacto sobre os programas sociais.

A relutância do governo em seguir com os cortes deixou a maior parte do trabalho pesado para o Banco Central, que na semana passada elevou as taxas de juros de referência em um ponto percentual e prometeu elevar a taxa para 14,25% até março, para combater a inflação.

Apesar das condições de crédito restritas, a economia do Brasil – a maior da América Latina – continuou a crescer, com o desemprego próximo a mínimos históricos e os salários em alta. Além disso, o país tem cerca de US$ 360 bilhões em reservas internacionais. Lula capitalizou o crescimento econômico para mostrar que está cumprindo suas promessas de melhorar os padrões de vida da população pobre.

Mas isso também alimentou preocupações de que a economia possa estar superaquecida, com as expectativas de inflação se deteriorando significativamente. Os traders agora esperam que as taxas atinjam um pico próximo a 16,25%, o que aumentaria a carga de custos de juros do governo e ampliaria ainda mais o déficit.

Além de sua decisão sobre as taxas, o banco realizou suas maiores intervenções diretas desde os primeiros dias da pandemia, injetando US$ 5,8 bilhões no mercado por meio de leilões à vista desde sexta-feira. Em todas as ocasiões, os movimentos deram ao real uma sacudida temporária que rapidamente desapareceu.

Os investidores disseram que o risco de dominância fiscal, pelo qual a política monetária se torna ineficaz, está começando a se infiltrar.

“O Banco Central é um ator coadjuvante”, disse Marcos de Marchi, economista-chefe da Oriz Partners. “O ator principal desse filme é a política fiscal.”

Por enquanto, poucos investidores estão dispostos a apostar quando a derrota terminará, a menos que o governo mude de rumo.

“A inércia está impulsionando tudo relacionado ao Brasil”, disse Gregory Hadjian, estrategista macro global da Loomis Sayles, em Boston. “O problema fiscal é 100% o principal. E uma resposta concreta na área fiscal é o verdadeiro catalisador para mudar a situação.”

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