Economia
Lula desperdiçou chance de cortar juros, diz Henrique Meirelles
Ex-presidente do Banco Central discordou dos comentários de Lula e diz que presidente está criando “ruído desnecessário”.
Henrique Meirelles, que dirigiu o Banco Central por quase uma década, tem um conselho para seu ex-chefe, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva: pare de falar sobre taxas de juros.
Meirelles, que comandou a autoridade monetária durante os dois primeiros mandatos de Lula, tornando-se o mais longevo chefe do Banco Central no país, afirma que no final do ano passado estavam dadas as condições para o BC começar a flexibilizar a política monetária – com expectativas de inflação convergindo para a meta e operadores apostando que um corte nas taxas poderia ocorrer já em março.
A situação mudou desde então. Por semanas, os economistas aumentaram constantemente as previsões de inflação para se ajustar aos planos de Lula de elevar os gastos sociais. O clima azedou completamente depois que o presidente questionou a necessidade de um Banco Central independente em uma entrevista na TV em 18 de janeiro, sugerindo também que a meta de inflação deveria ser maior para não impedir o crescimento econômico. Agora, os operadores do mercado não esperam um corte de juros antes de setembro.
Os comentários de Lula, disse Meirelles em entrevista, estão enraizados em uma velha escola de pensamento que ficou conhecida como a “Nova Matriz Econômica” durante o governo de sua sucessora, Dilma Rousseff, e que prega que uma inflação mais alta pode permitir um crescimento mais forte.
“Evidentemente sabemos pela história e pela experiência que é o contrário: inflação mais alta reduz a taxa de crescimento”, disse o ex-presidente do Banco Central no escritório de sua casa em São Paulo, cercado por bandeiras do Brasil, do estado de São Paulo e de seu estado natal, Goiás.
Meirelles, que aceitou o cargo de presidente do Banco Central a partir de 2003 somente depois que Lula prometeu dar-lhe liberdade para definir as taxas de juros, discordou dos comentários do presidente de que a lei que dá autonomia ao banco para decidir sobre a política monetária é “uma bobagem”.
A lei é importante, disse ele, porque agora o presidente não pode fazer muito mais do que reclamar e tentar pressionar o Banco Central a reduzir as taxas de juros.
“A lei está aqui e nunca deveríamos voltar atrás”, disse Meirelles, que apoiou a campanha presidencial de Lula e, segundo especulações, estava em sua lista de possíveis nomes para o ministério da Fazenda. Ao questionar a lei, o presidente está criando “ruído desnecessário”, acrescentou.
O comando da maior economia da América Latina acabou sendo dado a Fernando Haddad, um membro do Partido dos Trabalhadores, o que frustrou muitos investidores que esperavam um nome mais favorável ao mercado no cargo.
A crítica de Lula à autonomia do BC levanta agora uma bandeira amarela para 2024, quando termina o mandato do atual presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto.
“Minha preocupação é que o presidente sugira alguém disposto a deixar a inflação subir”, disse Meirelles. “Espero que isso não aconteça.”
Meta de inflação
As dúvidas sobre o comprometimento do governo com as atuais metas de inflação — de 3,25% para 2023 e 3% para os próximos dois anos — aumentaram depois que Lula sugeriu na mesma entrevista à TV que a meta de inflação deveria ser de cerca de 4,5% ao ano. Haddad, falando ao jornal Valor Econômico alguns dias depois, disse que o Brasil precisa de uma meta que seja exigente, mas factível.
Meirelles alertou que qualquer mudança nas atuais metas de inflação, que podem ser decididas em junho durante reunião do Conselho Monetário Nacional, seria um “erro terrível” que provavelmente colocaria lenha na fogueira da inflação. A melhor solução, disse ele, seria deixar o regime inalterado e “permitir que a inflação caia gradativamente”.
Espera-se que o Banco Central mantenha sua taxa básica em 13,75% nesta quarta-feira, enquanto avalia se manter a Selic em sua máxima de seis anos por mais tempo será suficiente para trazer a inflação para a meta, que não foi alcançada por dois anos consecutivos.
Teto de gastos
Meirelles também é o pai da atual âncora fiscal do Brasil, regra constitucional aprovada em 2016, quando ele era ministro da Fazenda do presidente Michel Temer, e que limita o crescimento dos gastos públicos à taxa de inflação.
Embora a lei tenha sido descumprida várias vezes e se espera que seja substituída por uma regra menos rígida do governo Lula, Meirelles disse que um teto de gastos “cria a necessidade de reformas necessárias”, incluindo uma reforma do setor público que poderia liberar o orçamento para investimento ou gasto social.
Independentemente de qual será a nova âncora fiscal, Meirelles disse que o governo deve se concentrar em cortar despesas, em vez de aumentar a receita, uma variável que não pode controlar.
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