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Mesmo com sobra de energia renovável, o carvão ainda resiste no Brasil

Usinas a carvão ainda produzem 3% da eletricidade no Brasil

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Uma das últimas usinas a carvão do Brasil voltou a operar nos últimos meses, após um poderoso grupo empresarial investir milhões para manter suas turbinas funcionando na cidade mineradora de Candiota, na porção sul do Rio Grande do Sul.

A Âmbar, dona da usina e controlada pelos irmãos bilionários Wesley e Joesley Batista, aposta que mesmo o Brasil, onde fontes renováveis e baratas produzem mais de 80% da energia elétrica, não deixará de queimar carvão tão cedo, apesar de o combustível ser um dos principais responsáveis pelo aquecimento global.

Como anfitrião da cúpula climática das Nações Unidas, a COP30, neste mês, o Brasil está incentivando os países a abandonarem os combustíveis fósseis. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva lamentou, durante a cúpula de líderes na cidade amazônica de Belém esta semana, que a guerra na Ucrânia tenha levado à reabertura de minas de carvão.

Ainda assim, Candiota e outras cinco usinas a carvão continuam produzindo 3% da eletricidade do Brasil, ilustrando como a pressão de grupos de interesse e a falta de um plano de transição podem manter o uso do carvão mesmo em um país com forte presença de energia renovável.

“O Brasil tem absolutamente o potencial, com todos os recursos solares, além das hidrelétricas e do vento, para descomissionar essas usinas a carvão”, disse Christine Shearer, que monitora o setor de carvão no think tank Global Energy Monitor.

“A força do lobby do carvão, especialmente nos Estados mineradores, é o motivo pelo qual essas usinas ainda existem.”

O contrato regulado da usina de Candiota para fornecer energia expirou no ano passado, levando ao fechamento de empresas locais e à saída de muitos moradores da cidade.

Mas a usina voltou a operar vendendo energia no mercado de curto prazo, ajudando a estabilizar o fornecimento elétrico durante os horários de ponta e quando a geração solar e eólica diminui.

O Congresso e o governo federal também ofereceram uma tábua de salvação às usinas a carvão. No mês passado, parlamentares aprovaram uma medida provisória com um dispositivo que garante contratos até 2040 para usinas movidas a carvão nacional, como a de Candiota. Lula ainda pode vetar a medida.

Carvão habilitado para leilão

O governo brasileiro também habilitou o carvão para participar de um leilão de capacidade programado para março de 2026, que tem por objetivo reforçar a segurança energética ao contratar usinas, principalmente termelétricas, que possam ser ativadas rapidamente quando as fontes eólica e solar não estiverem gerando.

O Ministério de Minas e Energia afirmou que a contratação dessas térmicas tornará o sistema elétrico mais confiável, permitindo a adição de mais oferta renovável na matriz.

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A inclusão do carvão surpreendeu especialistas, que afirmam que as usinas a carvão não têm partida rápida e, portanto, não oferecem a flexibilidade necessária.

Críticos atribuem à falta de planejamento de longo prazo a permanência da queima de carvão, enquanto grandes quantidades de energia limpa acabam sendo desperdiçadas devido à demanda insuficiente e à ausência de linhas de transmissão.

Eles afirmam que isso torna o governo vulnerável à pressão de grupos ligados ao carvão e ao gás natural, apesar dos custos financeiros e ambientais mais elevados.

Os irmãos Batista compraram a usina de Candiota sem um novo contrato de longo prazo à vista porque “vislumbraram possibilidade de serem bem-sucedidos nos seus instrumentos de pressão”, disse Luiz Eduardo Barata, presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, uma entidade que critica o apoio ao carvão.

O grupo ambientalista Arayara, outro crítico da Âmbar, está tentando suspender na Justiça a licença ambiental da usina.

Em nota, a Âmbar afirmou que o carvão que abastece sua usina de Candiota é “seguro e amplamente disponível para o sistema elétrico, sendo ideal para garantir a segurança do abastecimento”.

A empresa negou depender de influência política para conseguir um novo contrato para a Candiota ou para outras usinas de seu portfólio. A Âmbar acusou os críticos de representarem os interesses de grandes consumidores de energia em detrimento dos menores, “independentemente das necessidades do sistema elétrico, do meio ambiente e da população brasileira”.

Carvão ainda move economias municipais

Os esforços da Âmbar para manter o carvão vivo colocam o Brasil em uma lista de países como Índia e África do Sul, onde grupos de interesse poderosos têm dificultado os esforços para eliminar o carvão do sistema energético global, um combustível ainda considerado essencial para economias locais em regiões como Candiota.

Fechar a usina permanentemente afetaria não apenas o empreendimento da Âmbar, mas também as minas locais que a abastecem e fábricas de cimento que reaproveitam as cinzas do carvão, resultando na perda de cerca de 10 mil empregos na região.

José Adolfo de Carvalho Junior, que administra uma das minas de carvão da cidade de Candiota, disse que o custo de encerrar a única indústria que oferece empregos de qualidade na região não vale a pena.

“Desligar isso aqui vai resolver o problema do CO2 no planeta? Não, é literalmente uma gota de água no oceano”, afirmou.

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O futuro incerto da usina deixa os moradores apreensivos quanto à sua subsistência, disse Graça dos Santos, que foi demitida da planta após o fim do contrato com o governo.

O prazo para o fechamento da usina “precisa ser estendido para que aconteça uma transição energética justa”, disse ela. “Não é justo deixar uma população toda sem trabalho.”

Mas o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não tem um plano de transição para Candiota e não avançou significativamente nos planos para as demais usinas a carvão remanescentes.

Sem plano de transição

A região de Candiota também produz carne bovina, vinho e azeites, indústrias que poderiam absorver trabalhadores do carvão com algum investimento, segundo João Camargo, fundador de uma cooperativa de produtores de sementes.

“Eles não criaram nenhuma condição para a transição”, afirmou.

No sindicato local dos mineiros de carvão, o líder Hermelindo Ferreira aponta para mapas que mostram as regiões que perderiam atividade industrial – e os empregos associados – se a usina fosse fechada.

Ainda assim, ele admite que a confiança no futuro do carvão está diminuindo em Candiota. Alguns trabalhadores já se mudaram para cidades vizinhas em busca de melhores oportunidades.

Mesmo lutando para salvar empregos, Ferreira disse que está incentivando os colegas a aprender novas habilidades. Ele mesmo já obteve certificação para fazer manutenção em torres que medem a velocidade do vento, na esperança de que a indústria eólica invista na região.

“Não se coloca todos os ovos na mesma cesta”, disse ele.

(Reportagem de Leticia Fucuchima)

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