Economia
Novo imposto ‘condizente com o mundo digital’ pode ser positivo, diz economista
Rossano Oltramari afirma que criar novo imposto para desonerar folha pode ser benéfico, mas sem alta da carga tributária.
Criar um imposto sobre transações digitais pode ser positivo para adequar o sistema tributário à nova economia. É o que pensa Rossano Oltramari, estrategista e sócio da 051 Capital. Em entrevista ao InvestNews, ele disse que a proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, de criar um novo imposto para possibilitar a desoneração da folha de pagamentos é positiva, desde que não haja aumento da carga tributária.
Na última semana, Guedes voltou a falar na ideia da criação do “imposto digital”, que chegou a ser apontado por críticos como uma “nova CPMF”. A ideia ainda não foi apresentada oficialmente pelo governo e encaminhada ao Congresso, mas já gera repercussão no mercado.
Oltramari defende que esse possível novo imposto faça parte de uma reestruturação do sistema tributário brasileiro. “Se o governo apresentar algo claro de que não vamos ter aumento de carga tributária e vamos ter um sistema tributário condizente com o mundo digital que a gente está vivendo, eu estou aberto a entender e, se fizer sentido, apoiar”, afirma.
Veja abaixo a entrevista completa:
Paulo Guedes voltou a falar na criação de um imposto digital para compensar a desoneração da folha de pagamentos. Como você vê essa ideia?
Oltramari: O Guedes nesse mesmo pronunciamento deu declarações de que o compromisso do governo é de não aumentar a carga tributária, ou seja, não terá impostos além do que nós já temos. O que tem batido na tecla, e acho que isso é a questão muito importante, é uma substituição tributária, ou seja, trocar o imposto A pelo imposto B. Vai na linha de uma simplificação tributária.
O sistema tributário brasileiro é muito antigo, obsoleto, tem uma coisa meio contra a economia. É contra a economia tributar a geração de empregos, eu concordo plenamente com o ministro quando ele fala que é o imposto mais cruel de todos. Você contratar uma pessoa hoje, botar um funcionário numa folha de pagamentos, é colocar dois funcionários. Um é o funcionário e outro são os impostos, o governo. Não faz o mínimo sentido para uma economia que busca gerar empregos, crescer.
Nós temos que ter uma desoneração da folha e pagamentos. Isso é urgente, não é para amanhã, é para ontem. O governo disse que precisa ter um imposto novo para financiar essa desoneração da folha de pagamentos. E aí que vem a ideia de um imposto sobre transações.
Algumas pessoas comparam esse novo imposto à antiga CPMF. O que você pesa dessa comparação?
Oltramari: O governo não gosta que faça uma analogia à antiga CPMF. Como não tem muito detalhe ainda do que é esse imposto de transações, se abre um espaço para especulação. As pessoas têm essa lembrança do imposto do cheque. Quando nós tivermos uma proposta por parte do governo mais clara, as coisas vão ficar mais fáceis de entender e até comentar. Quando você critica ou apoia algo que não está muito claro é pura especulação.
Na sua visão, tributar transações digitais seria uma medida benéfica ou prejudicial para a economia?
Oltramari: A gente tem visto é um crescimento exponencial do comércio eletrônico. A gente viu nessa pandemia as empresas de e-commerce crescendo fortemente, as pessoas fazendo transações muito mais do que faziam antigamente. Essa pandemia deu uma acelerada nesse processo. Mais uma vez, eu sou contra o aumento de impostos, qualquer aumento da carga tributária. Mas um imposto sobre transações digitais que seja fácil de cobrar, difícil de sonegar, eu acho que pode fazer algum sentido. É importante ter transparência, entender como funciona. A bandeira que eu defendo é a simplificação tributária.
Eu acredito muito que nós teremos ainda neste governo uma reforma tributária. O governo tem batido muito que nós teremos um imposto sobre dividendos, que eu acho que é justo e correto. No mundo inteiro se cobra distribuição de lucros, só aqui no Brasil que não se tributa. No Brasil, os donos de empresas, o salário deles é um salário mínimo para o Imposto de Renda, e aí eles recebem dividendos que não paga imposto. Não faz sentido. O dono da empresa recebendo lucro como salário para não pagar imposto. Eu acho que tem que tributar, sim, dividendos, eu sou a favor. Desde que haja desoneração em outro lugar, principalmente na folha de pagamentos. Para a economia do país, nós precisamos dessa desoneração.
O que faz com que as transações financeiras digitais sejam uma alternativa para essa ideia de criação de impostos?
Oltramari: A economia passa por uma transformação tão grande que algumas coisas que não existiam antigamente agora existem. Comércio eletrônico não existia alguns anos atrás. Ninguém comprava uma televisão pela internet, uma garrafa de vinho. Isso é um hábito de poucos anos para cá, e nosso sistema tributário tem 50 anos. A gente compra música, filmes, notícias pela internet. Isso é algo novo, é uma nova economia. Nós precisamos ter um sistema tributário para essa nova economia. É óbvio que a gente não tinha um imposto para comércio eletrônico se não existia comércio eletrônico. É uma atividade nova e vai se criar uma tributação nova.
Cheque? Eu não uso mais cheque há anos. Quanto tempo faz que você não emite uma folha de cheque? Antigamente a CPMF era em cima do cheque se emitia. Não tem mais. A economia mudou. Nós precisamos entender que nós vamos ter novos tributos. Mais uma vez, o ponto principal, na minha visão, é não ter aumento de carga tributária.
Se o governo apresentar algo claro de que não vamos ter aumento de carga tributária e vamos ter um sistema tributário condizente com o mundo digital que a gente está vivendo, eu estou aberto a entender e, se fizer sentido, apoiar.
O governo defende que esse imposto serviria para desonerar a folha de pagamentos e, assim, gerar empregos. Há economistas que defendem que reduzir impostos sobre as contratações, por si só, não devem ter esse efeito, já que o que gera empregos de fato é uma economia aquecida, com percepção de demanda. O que você pensa a respeito disso?
Oltramari: Quando a gente fala em criar um sistema tributário mais justo, desonerar a folha para gerar empregos, veja só, isso não é uma relação de causa e efeito, ou seja, se eu desonerar a folha a partir do dia seguinte vai começar a ter mais emprego. Não é assim que funciona. Eu concordo em partes que o que de fato gera emprego é uma economia mais aquecida.
Porém, a gente sabe, no Brasil, como é a economia. Temos um ano muito bom, e no ano seguinte, a economia vai mal, no famoso voo de galinha. Ultimamente é dois anos bons para cinco ruins. Mas o que acontece é que, quando tem uma folha de pagamentos com uma tributação pesada, no primeiro sinal de desaquecimento econômico, o que o empresário faz? Corta emprego. Ou ele demite ou ele quebra. Então, com uma folha de pagamento menos onerosa, ele segura, até para, depois que a economia retomar, não ter que treinar um novo funcionário.
Por isso, eu penso que um sistema tributário mais eficiente gera, indiretamente, mais empregos. Não é uma consequência direta. Mas, por outro lado, um sistema tributário que não seja justo joga contra a economia.