Economia
O roteador da sua casa pode estar no meio da Guerra Fria entre China e Estados Unidos
Com medo de espionagem e de ataques hackers, EUA estão banindo tecnologias da China – como os roteadores TP-Link
Você sabe qual é a marca do seu roteador? Essa caixinha (aparentemente inofensiva) que espalha o sinal de internet wi-fi nas nossas casas e escritórios é o mais novo alvo do pânico que embala a Guerra Fria tecnológica entre Estados Unidos e China.
O governo dos EUA considera proibir a venda de roteadores da líder de mercado por lá, a chinesa TP-Link, que fabrica 65% dos roteadores instalados em residências, empresas e até em agências do governo americano. Aliás, é bem possível que o roteador aí da sua casa também tenha sido produzido em uma das gigantescas fábricas da TP-Link na Ásia – a empresa diz que o Brasil é o seu terceiro maior mercado, só atrás da China e dos Estados Unidos.
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A situação escalou nos últimos meses. Os Departamentos de Comércio, Defesa e Justiça dos EUA deram início a investigações sobre os roteadores da TP-Link. Uma reportagem do The Wall Street Journal apontou que falhas de segurança nos aparelhos da empresa chinesa são comuns, o que faria de seus consumidores alvos mais fáceis para hackers.
Em agosto, um relatório da Microsoft revelou que um grupo de hackers chineses estaria se valendo da vulnerabilidade dos roteadores da TP-Link para lançar ataques a organizações variadas, de think tanks americanos a fornecedores do Departamento de Defesa – instituição que coordena a atuação militar dos EUA e protege sua soberania.
O governo teme que os aparelhos possam ser usados para espionar seus cidadãos – uma preocupação crescente e que está levando a restrições para impedir que algumas empresas e produtos da China sejam usados como armas de inteligência contra a maior economia do mundo.
Paranoia? Não mesmo. Vale dar um Google em “Salt Typhoon” para entender melhor a operação de espionagem cibernética de grande escala, conduzida por hackers chineses – para os americanos, sob ordens do governo chinês, que nega ser o autor das invasões.
Tendo mirado em gigantes de telecomunicações como a AT&T e a Verizon, os hackers conseguiram uma lista quase completa de números de telefone interceptados pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos. Além disso, suspeita-se que os criminosos possam ter acessado chamadas de voz feitas pelo presidente-eleito Donald Trump e seu vice, JD Vance. É difícil saber exatamente quais dados estão nas mãos dos hackers.
A vendetta se impôs. Vivendo seus últimos dias como presidente dos Estados Unidos, o democrata Joe Biden agora quer banir o que restou das atividades comerciais da China Telecom. A empresa é controlada pelo Estado chinês e desde outubro de 2021 não tem mais as licenças necessárias para vender serviços telefônicos nos Estados Unidos. As autorizações foram canceladas porque a companhia estaria “sujeita à exploração, influência e controle pelo governo chinês”, argumentou na época a Comissão Federal de Comunicações (FCC), a “Anatel dos EUA”.
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Prestes a voltar ao poder e dono de uma retórica incendiária contra o país de Xi Jinping, Donald Trump tem todo o incentivo político para avançar na “onda anti-China”. A Terra do Meio é alvo tanto de republicanos quanto de democratas, e o primeiro governo Trump já foi marcado pelo banimento da chinesa Huawei em 2019, decisão que acabou incorporada à política externa americana – os EUA pressionaram, sem sucesso, para que a Huawei fosse impedida de fornecer equipamentos para a instalação do 5G no Brasil, por exemplo.
Há outras áreas consideradas críticas e estratégicas nas quais o governo americano trabalha para reduzir ou banir a influência de empresas vistas por ele como suscetíveis à influência do governo chinês – ou mesmo como possíveis canais de influência à disposição de Xi Jinping. A mais conhecida delas é a legislação que obriga a ByteDance a vender a divisão americana do TikTok, rede usada por 170 milhões de americanos.
O conflito também envolve um alvo inusitado: guindastes de porto.
Em maio, Biden anunciou a imposição de tarifa de 25% sobre guindastes de carga fabricados na China e, ao mesmo tempo, investimentos de US$ 20 bilhões para produzir nos Estados Unidos estes equipamentos, essenciais para a infraestrutura dos portos americanos. O governo teme que os guindastes fabricados pela empresa chinesa ZPMC possam ser utilizados para espionagem ou sabotagem – sim, essas estruturas têm sensores e modems que, em tese, permitiriam o acesso remoto, o que teria sido tentado a partir da China, segundo o Congresso americano. A ZPMC tem 80% do mercado de guindastes de carga dos Estados Unidos.
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Os EUA também propuseram o banimento de software e hardware chineses em veículos com conexão à internet – algo cada vez mais comum. A ideia é impedir que os condutores americanos tenham seus dados armazenados por empresas chinesas. A proibição do software entraria em vigor nos modelos de 2027, enquanto o banimento do hardware seria implementado em 2029 ou 2030.
Nesta nova Guerra Fria, cada dispositivo conectado à internet – dos guindastes nos portos aos roteadores domésticos – é um campo de batalha em potencial. As fronteiras entre a segurança pessoal e a segurança nacional estão se desfazendo. Saber quem controla a tecnologia que usamos diariamente nunca foi tão essencial.
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