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Como o tarifaço de Trump pode ajudar o Brasil por um lado – e bagunçar nosso coreto por outro 

Uma composição que simboliza a conexão entre agricultura e indústria, com uma planta de soja, um retrato de Donald Trump sério em trajes formais e uma infraestrutura industrial.

Ilustração: João Brito

Já aconteceu antes. Em 2018, Trump impôs taxas a vários produtos chineses. Pequim retaliou com uma tarifa de 25% em cima da soja americana – os EUA são o segundo maior produtor do mundo, atrás do Brasil. 

Resultado: as exportações de soja dos EUA para a China caíram quase pela metade. E as nossas cresceram 29%. Antes dessa guerra tarifária, o Brasil era responsável por 53% da soja importada pelo Império do Meio. Essa proporção, hoje, é de 73%.

Agora que os EUA impuseram 10% de sobretaxa a tudo o que vem da China, a retaliação já começou. Nesta terça (4), Pequim taxou em 15% sobre as importações de gás natural liquefeito e carvão, mais 10% sobre máquinas agrícolas, carros de alta cilindrada e petróleo.

A do petróleo é a que conversa mais com a gente. 7% de tudo o que a China importa de óleo cru vem do Brasil. Não é pouco. A fatia dos Estados Unidos é mais mirrada: 1,7%. Mas isso já dá 230 mil barris por dia. É quase três vezes a produção da PRIO, segunda maior petroleira daqui.

Qualquer queda nessas exportações dos Estados Unidos para a China tende, então, a ser boa para o Brasil, que está no clube dos grandes exportadores de petróleo. 

Em cima da soja americana, ainda não teve tarifaço. Mas a guerra está só no começo. Se vier alguma coisa, bom para o agronegócio daqui, naturalmente. 

Tem também o caso do aço. Mas aí em outro mercado, o dos Estados Unidos mesmo.

Em março de 2018, Trump tinha imposto uma taxa de 25% para todo o aço que se atrevesse a entrar no mercado americano. Agora a ameaça é a de que o aço dos dois passe a pagar 25% também. Não dá pra saber, já que as guerra tarifária do Trump contra os dois entrou numa trégua de um mês. Mas qualquer taxa em cima do aço canadense e do aço mexicano seria boa para as siderúrgicas daqui. 

É um fato. Mesmo pagando 25% de taxa, o Brasil é o terceiro maior exportador de aço para os Estados Unidos, atrás justamente do Canadá e do México. 

55% do aço que exportamos vão para os EUA. No México, a fatia é bem maior, 82,5%. No Canadá, absurda: 99,5%.

Se os dois passarem a pagar 25% de imposto nesse mercado, igual o Brasil, a vantagem competitiva deles se esvai. E o aço daqui tende a ganhar terreno. Isso, claro, se Trump não vier com alguma taxa surpresa para o nosso lado.

Se o Brasil pode levar vantagem no comércio de algumas commodities, não dá para dizer o mesmo sobre os manufaturados. 

O lado meio vazio do copo

A China é o maior exportador do mundo, com destaque para produtos eletrônicos, têxteis e máquinas. Em 2024, fez o maior superávit comercial da história da humanidade: exportou US$ 990 bilhões a mais do que importou. O déficit dos EUA, sozinho, respondeu por US$ 360 bilhões dessa conta. 

Com a sobretaxa de 10% sobre os produtos chineses, as relações comerciais entre os dois países tendem a esfriar. É algo que já aconteceu antes em alguns mercados. No ano passado, os EUA já tinham imposto uma taxa de 100% sobre os carros elétricos e híbridos da China, o que praticamente fechou o mercado americano para BYD, GWM e cia.

O que as montadoras chinesas fizeram? Dobraram suas apostas em países com tarifas de importação mais amigáveis para EVs, caso do Brasil. E isso tem ajudado a encher nossas ruas com carros importados da China.

No caso dos automóveis, as coisas acabaram se ajustando. BYD e GWM começam a fabricar automóveis por aqui neste ano.

Mas uma realidade com os EUA mais fechados a todos os produtos made in China não é uma boa notícia para nossa balança comercial. Hoje, graças à soja e ao minério de ferro, somos superavitários no comércio com eles. Exportamos para eles US$ 31,4 bilhões a mais do que importamos. Como vai ficar mais difícil para a China vender para os EUA, o país de Xi Jinping terá de arranjar novos clientes – provavelmente vendendo com desconto em outros mercados, como o nosso.

Bom, para quem compra, que pode encontrar produtos chineses mais baratos, ruim para a indústria nacional, que verá um concorrente já monstruoso se tornar ainda mais bestial. Pior que essa já era a tendência. Em 2023, nosso superávit com a China tinha sido bem maior, US$ 51,1 bilhões. Com o cenário que se desenha, nosso superávit com a China pode virar um déficit – caso as exportações de commodities não bastem para segurar a balança.

Freio na economia global

Essa história toda tem mais um lado. Olhar para um outro setor da economia é uma forma limítrofe de analisar os efeitos de uma guerra tarifária – principalmente de uma ainda cercada de incógnitas. 

O grande problema é existencial. Um mundo mais fechado para o comércio é, necessariamente, um mundo com menos crescimento econômico. 

É o que aconteceu em 2018/2019, conforme foi crescendo a primeira guerra tarifária entre as duas maiores economias do mundo. O crescimento global em 2017 tinha sido de 3,8%, de acordo com o FMI. Em 2018, oscilou para 3,6%. No ano seguinte, com as imposições tarifárias e suas retaliações já aprofundadas, o PIB planetário puxou o freio de mão: 2,8%.

No ano passado, esse crescimento ficou em 3,2% – pelas estimativas do Fundo Monetário Internacional. O FMI previa a manutenção desse ritmo para 2025, antes de a nova guerra tarifária virar realidade. Hoje, definitivamente, isso já é otimismo.

E um mundo que cresce menos também é um mundo menos amigável à commodities cíclicas, como minério de ferro, petróleo e mesmo a soja. Trata-se de produtos cujas cotações dependem da confiança em relação ao futuro da economia global. E agora isso é tudo o que falta.  

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