Economia

Por que a melhora da nota do Brasil pela Moody’s pode ser um problema

Para Solange Srour, crescimento da dívida é hoje foco central de preocupação

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Solange Srour, diretora de Macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management. Foto: Divulgação

A elevação da nota de crédito soberana brasileira pela Moody’s nesta terça-feira, colocando o país a um passo do grau de investimento, oferece um risco: ofuscar o crescimento acelerado da dívida pública do país, questão central hoje para a economia brasileira.

A diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Wealth Management, Solange Srour, enfatizou a preocupação com a evolução da dívida em texto publicado em sua conta no Linkedin, assim que foi divulgada a mudança da nota do país

“Um país que precisa financiar uma dívida de cerca de 80% do PIB com juros reais de 6,5% não pode se dar ao luxo de achar que o crescimento da dívida não importa.”

Solange Srour

Para Solange, “o arcabouço e a meta de primário, assim como as demais leis da contabilidade pública, são apenas instrumentos para garantir que a dívida se mantenha estável e não saia de controle”. O arcabouço mencionado por Srour é o conjunto de regras que substituiu a antiga lei do Teto de Gastos como ancora fiscal.

Um dos principais questionamentos levantados por economistas sobre o arcabouço fiscal tem sido a ênfase excessiva no aumento de arrecadação como forma de atingir o equilíbrio das contas públicas e produzir superávits primários. O governo tomou inciativa de substituir o Teto de Gastos por avaliá-lo como uma norma muito rígida que engessava o investimento público.

O Teto de Gastos foi instituído por uma emenda à Constituição em 2017 durante o governo Michel Temer. A ideia da lei era impor um limite ao crescimento das despesas públicas e atingir uma trajetória sustentada para o endividamento do governo. A regra estabelecia que as despesas do Estado não poderiam crescer mais do que a inflação registrada em 12 meses até junho do ano anterior.

Já o arcabouço, aprovado no ano passado, estabeleceu uma faixa para o crescimento real, ou seja, acima da inflação do ano anterior, para o gasto primário. O conceito de gasto primário tira da conta o pagamento de juros da dívida pública. Além disso, também deixou de fora as despesas com educação e saúde.

A nova lei também definiu metas de déficit, quando as contas do governo fecham no vermelho, e superávit primários, quando há um resultado positivo na diferença entre receitas e despesas. Em 2024, a meta é de déficit zero, mas com limites de tolerância de 0,25% do PIB para baixo (déficit) e para cima (superávit).

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Na revisão da nota soberana do Brasil, a Moody’s citou o crescimento econômico robusto e um histórico de reformas como razões para a elevação de patamar. Sobre a questão fiscal, a agência afirmou que, embora a credibilidade do Brasil “ainda seja moderada”, o crescimento e a adesão à sua política fiscal “permitirão que o ônus da dívida se estabilize no médio prazo, embora em níveis relativamente altos”.

A economista do UBS, porém, chamou a atenção para o perigo de se achar que a dívida seja algo secundário. “para muitos a dívida não é a variável mais relevante da política fiscal, muito contaminada pelo comportamento da taxa Selic, pois 40% da nossa dívida depende desta taxa”.

Srour ressaltou que “se nossa dívida continuar crescendo da forma com está, de nada adianta que o arcabouço e as metas de primário tenham sido cumpridos”. As regras atuais serão “apenas a prova final de que eles não serviram ao seu propósito, seja por serem frouxos demais, seja por terem sido corrompidos”.

A especialista classificou como “assustador” o desconhecimento da história econômica brasileira. “Depois de 30 anos do Plano Real e da adoção do chamado ‘tripé da política macroeconômica’, composto pelo regime de metas de inflação, câmbio flutuante e superávits fiscais primários, não aprendemos que sem sustentabilidade da dívida a política monetária precisa ficar mais conservadora e leva a estresses periódicos no mercado de títulos públicos”.

Srour continuou lembrando que “se o investidor não vê horizonte de estabilização [da dívida], pede mais prêmio, ou seja, mais juros para carregar os títulos públicos, o que piora ainda mais a dinâmica da dívida e entramos em um ciclo vicioso”.

Dentro desse cenário, a responsabilidade fiscal se torna essencial para, efetivamente, o país virar a página do crescimento sustentado. “Para manter a inflação baixa por meio de um banco central independente é necessário contar com responsabilidade fiscal”, afirmou, em referência à necessidade de a autoridade monetária manter os juros mais elevados justamente para compensar os efeitos inflacionários de um aumento de gastos do governo. Sem responsabilidade fiscal “não podemos mudar de página e focar em reformas estruturais que poderiam aumentar nossa produtividade, melhorar a provisão de bens públicos e combater nossa alta desigualdade social”.

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