Newsletter

Por que São Paulo só isentou de IPVA os híbridos da Toyota

Norma foi feita sob medida para proteger montadoras que produzem no Estado. Mas há uma brecha

Publicidade

Era 1993. O então presidente Itamar Franco queria trazer de volta o Fusca, que tinha saído de linha na década anterior. O governo, então, criou uma brecha na lei. Reduziu o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) de todos os carros com motor refrigerado a ar. “Todos”, no caso, significava só “Fusca” mesmo – o carrinho da VW era o único projetado com esse sistema.

Aconteceu algo parecido no Estado de São Paulo no final de 2024. Dia 10 de dezembro, a Assembleia Legislativa aprovou a norma que determinava as isenções de IPVA para 2025 – que em condições normais cobra 4% do preço do carro a cada ano.

A norma dispensava do imposto os veículos que cumprirem o seguinte critério: ser um carro híbrido flex, ou seja, que tenha um motor elétrico mais um motor a combustão, e que este último rode também com etanol.

A ausência dos elétricos puros ali já chamava a atenção. Se é para conceder isenção para carros eletrificados, que poluem menos, por que não estender o privilégios aos elétricos puros, que são ainda mais amigáveis para a atmosfera? O etanol, afinal de contas, até emite menos gases estufa do que a gasolina, já que plantar cana suga carbono da atmosfera. Mas os carros que rodam com o biocombustível não se comparam modelos puramente elétricos em termos de emissão de CO2 – menos ainda num país em que mais de 80% da matriz elétrica vem de fontes renováveis.  

LEIA MAIS: O que saber antes de comprar um carro híbrido

Por essas, Bahia, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Maranhão e DF têm IPVA zero para elétricos. Em Alagoas, não cobram nada no primeiro ano e depois vai para 0,5%. No Rio, são 0,5% – contra os 4% dos modelos à combustão. 

A justificativa para o modelo paulista viria do secretário da Fazenda e Planejamento de SP, Samuel Kinoshita: proteger a indústria do etanol, num Estado em que 20% do território é coberto por plantações de cana. 

“Vários países fazem a opção pelo elétrico porque não dispõem de uma tecnologia de base energética própria como nós temos”, ele disse ao telejornal Bom Dia SP. “Nos últimos 40, 50 anos, o nosso país, em específico o estado de São Paulo, fez um investimento muito grande na indústria do etanol”.

Ok. Então além da parte ambiental entrava também um elemento protecionista. O problema é que a maior parte dos híbridos é importada. O motor não-elétrico é quase sempre a gasolina, “não flex”. Com algumas exceções: dois modelos da Fiat (as versões híbridas do Pulse e do Fastback); dois da Caoa Cherry (Tiggo 5x e Tiggo 7) mais dois da Toyota (Corolla e Corolla Cross híbridos). 

Já eram poucos modelos. Mas piorou.

A versão final da regra

No dia 26 de dezembro, veio o anúncio da versão final da norma, com um adendo. Não, não bastava mais ser híbrido flex para gozar da isenção de IPVA. Era preciso que a o motor elétrico gerasse pelo menos 54 cavalos (40 kW na letra fria e pouco didática da lei). E mais: ele deve ser alimentado por um sistema de pelo menos 150 Volts. 

Publicidade

O que significa essa tecnicidade toda? Simples. É só uma forma de dizer com números algo que, com letras seria: “o carro precisa ser fabricado no Estado de São Paulo”.  

Exato. A fábrica da Caoa Crerry fica em Anápolis (GO); a da Fiat, em Betim (MG). E os híbridos delas não têm a cavalaria elétrica que a nova regulamentação prevê, nem a tal da voltagem do sistema de alimentação. Tratam-se de “híbridos leves”, e a norma só abraça híbridos mais parrudos com motor flex (entenda melhor aqui as diferenças entre esses carros). 

Bom, das montadoras que se adequavam à versão 1.0 da norma, só a Toyota monta seus carros em São Paulo (na planta de Sorocaba). Na versão nova, que está valendo, a japonesa terminou como única agraciada.

Antes mesmo do anúncio do texto final, Tarcísio de Freitas já tinha dado a letra. “A gente não vai dar isenção de IPVA para carro que vai ser produzido na Bahia ou no exterior”, disse o governador. Era uma alusão à BYD, que vai começar a produzir seus elétricos e híbridos flex em Camaçari (BA).  

Canteiro de obras da fábrica da BYD em Camaçari (BA), em novembro de 2024. Foto: REUTERS/Adriano Machado

A declaração veio no dia 18. Com a versão definitiva divulgada, uma semana depois, temos que Minas e Goiás também contam como “exterior”.

No final as regras de isenção protegem ao mesmo tempo a indústria do etanol e as montadoras com fábrica no Estado.  

Tarcísio, aliás, mencionou essas montadoras no dia 18. “Eu tenho a GM que vai produzir híbrido em São Paulo, eu tenho a GWM que vai produzir híbrido em São Paulo, eu tenho a Toyota que vai produzir híbrido em São Paulo, eu tenho a Volkswagen que vai produzir híbrido em São Paulo”, disse.

Vão produzir. Mas ainda não o fazem. Por ora, só a Toyota mesmo cumpre os excêntricos requisitos paulistas para o IPVA zero.

E veja só. Sabe quem já anunciou a fabricação de um novo híbrido flex com a cavalaria e a voltagem dentro das normas paulistas? Foi justamente a “baiana” BYD. Trata-se do Song Pro Flex, começa a ser montado em Camaçari nos próximos meses. 

A norma de SP tem outra regra. Só isenta de IPVA carros de até R$ 250 mil. O Song Pro Flex, a princípio, não terá esse problema. Sua versão atual, vinda da China, custa até R$ 199,8 mil. Nada indica que a nacional saia por muito mais do que isso.

Conclusão: se governo do Estado não pretende isentar “carro produzido na Bahia”, terá de mudar as regras de novo, com o jogo em andamento. 

Publicidade
Exit mobile version