Executivos de frigoríficos e analistas apontam que a virada do ciclo pecuário – período com menos bois disponíveis para abate – tende a elevar os preços ao longo do próximo ano, em um movimento semelhante ao vivido em 2021 e 2022, mas de forma mais gradual e sem a intensidade provocada pelos choques de oferta da pandemia.
Em linhas gerais, o ciclo pecuário funciona assim: quando a carne está barata, o produtor manda mais gado para o abate, inclusive vacas. Alguns anos depois, com menos bezerros nascendo, falta boi no mercado e o preço sobe. Aí o pecuarista passa a segurar as vacas no pasto — a chamada retenção de fêmeas —, até o rebanho se recompor.
Esse ciclo costuma durar de três a quatro anos, com início do período de baixa oferta previsto para o ano que vem. “O reajuste tende a ser gradual. Não é um choque de preço, porque o Brasil ainda tem muito gado e o varejo costuma segurar a carne como produto de atração”, afirma Alcides Torres, sócio da Scot Consultoria, especializada no mercado pecuário.
Na avaliação de Fernando Iglesias, analista da Safras & Mercado, a lógica do ciclo pecuário segue válida, mas foi modificada pelo ritmo de exportação, sobretudo para a China. Para atender às exigências do principal comprador mundial, os frigoríficos passaram a buscar animais mais jovens, com até 30 meses, ante uma média de 36 a 48 meses para outros mercados.
Esse tipo de gado, conhecido como “boi China“, tornou-se peça central na dinâmica do ciclo. “A demanda da China ajudou a sustentar o mercado antes mesmo de a escassez de boi ficar mais evidente”, afirma Iglesias.
Efeito nos frigoríficos
Os dados mais recentes indicam que esse reajuste de preços começou a ganhar forma no campo ao longo deste ano. Segundo o indicador do boi gordo do Cepea, centro de pesquisas da Esalq-USP, a arroba do boi – medida usada pelo setor, equivalente a 14,7 quilos – encerrou o ano praticamente estável em reais, perto de R$ 321. Em dólares, porém, o movimento foi mais claro: a arroba subiu cerca de 13% no ano, refletindo a força da demanda externa.
Isso indica que os frigoríficos estão começando a pagar mais pelo boi. “Estamos vivendo um ciclo desafiador de oferta de gado, não apenas no Brasil, mas em várias regiões do mundo. Ainda assim, a demanda por proteína segue forte e tem compensado o aumento do custo do boi”, afirmou Wesley Batista Filho, CEO da JBS USA, em teleconferência com analistas em novembro.
Mesmo com a alta recente do boi no Brasil, a carne brasileira segue barata em comparação ao mercado internacional. Enquanto o preço da arroba no país gira na faixa de US$ 50 a US$ 60, em mercados como Estados Unidos e Ásia os valores superam US$ 130. Essa diferença mantém a exportação atrativa e reduz a chance de um alívio rápido nos preços ao consumidor.
“Embora o custo do boi tenha subido, nossa capacidade de repassar parte desses custos para o mercado, junto com a forte demanda externa, tem permitido que as margens sejam mantidas”, acrescentou Wesley Filho.
Considerando o preço em quilos, o preço da carne do Brasil gira em torno de US$ 3 por quilo; no Uruguai e na Argentina, os preços superam US$ 4, e nos Estados Unidos chegam a cerca de US$ 6, segundo cálculos da indústria. Essa defasagem ajudaria a explicar por que a indústria vê espaço para aumento de preços no mercado doméstico sem perda relevante de competitividade ou consumo.
Do lado do consumo, a avaliação é que o mercado ainda consegue absorver preços mais altos. “A demanda por carne segue maior do que a oferta, mas não vemos um cenário de ruptura. O mercado tem conseguido absorver preços mais altos sem uma queda relevante de consumo”, afirmou Miguel Gularte, CEO da MBRF, também em conversa com analistas.
E o consumidor?
A última virada relevante do ciclo pecuário ocorreu há quatro anos, quando a carne bovina subiu de forma expressiva no varejo. Em 2021, o filé mignon liderou a alta no varejo, com avanço de 30,9%, seguida pela picanha (17,4%), de acordo com o IPCA. Em 2022, os preços se sustentaram: a picanha subiu 0,49% no ano, e o filé mignon recuou 10,7%.
Em 2025, porém, o cenário ainda foi diferente. No acumulado de janeiro a novembro, os cortes mais nobres registraram queda de preços. A picanha recuou 0,63%, o filé mignon caiu 4,38% e o contrafilé registrou baixa de 1,07%, segundo o IPCA. Hoje, um quilo de picanha é vendido a partir de R$ 60 na Swift, rede de lojas da JBS, enquanto o de filé mignon parte de cerca de R$ 100.
Além disso, o impacto da alta da arroba não aparece de forma uniforme no açougue. Cortes usados na produção de hambúrguer e carne moída, feitos a partir do dianteiro, costumam sentir primeiro a pressão de preços, por concentrarem grande volume de consumo no Brasil e no exterior. À medida que esses preços se consolidam, o movimento tende a se espalhar gradualmente para os cortes do traseiro, como a picanha.
Há, no entanto, fatores que podem influenciar a intensidade dessa alta. Uma desaceleração mais forte da economia brasileira, mudanças no câmbio ou um eventual arrefecimento das compras chinesas poderiam moderar a pressão. Ainda assim, a leitura predominante no setor é que, enquanto a oferta global de gado seguir restrita, esses vetores tendem a atuar mais como freios de ritmo do que como gatilhos para uma reversão de preços.
China e outros sinais
Uma incerteza relevante ainda paira sobre o mercado: a China, maior importadora de carne brasileira, deve anunciar em janeiro uma decisão sobre possíveis restrições às importações, o que pode afetar a demanda global.
Alcides Torres e Fernando Iglesias alertam que a medida pode vir na forma de salvaguardas, como taxações ou cotas, para proteger os pecuaristas chineses. Uma decisão deverá ser divulgada no dia 26 de janeiro, após dois adiamentos.
Por outro lado, o especialista ressalta que uma eventual limitação coincidirá com um ano de menor produção no Brasil, o que ajudaria a compensar parte do impacto. Outro ponto de atenção é o levantamento do rebanho feito pelo IBGE, que costuma ser divulgado em fevereiro e dará uma fotografia mais precisa sobre a retenção de fêmeas.
“Em 2025 já era para a gente ter entrado no ciclo de alta, mas o que determina em que posição a gente está é a participação de fêmeas no abate”, afirma Torres. Neste ano, o volume elevado de abate de fêmeas retardou essa virada clássica, mantendo os preços mais contidos, apesar de exportações recordes e consumo interno firme.
Caso a virada do ciclo se confirme em 2026, o consumidor não deve reviver o susto de 2021 e 2022, mas pode reencontrar uma sensação conhecida no açougue: a de preços que sobem aos poucos — e dificilmente voltam ao patamar anterior.
Frango e carne suína
A perspectiva de alta da carne bovina também tende a se espalhar para outras proteínas, ainda que em intensidade diferente. Segundo Fernando Iglesias, da Safras & Mercado, frango e carne suína devem seguir com exportações recordes em 2026, sustentadas pela demanda externa.
No caso do frango, o país pode embarcar cerca de 5,5 milhões de toneladas, o equivalente a 40% do comércio global, enquanto a carne suína mantém ritmo próximo de 150 mil toneladas por mês, com maior diversificação de mercados e menor dependência da China.
No mercado interno, porém, o espaço para aumentos é limitado pela renda das famílias. Com endividamento elevado e poder de compra restrito, o consumidor brasileiro costuma migrar para proteínas mais baratas quando a carne bovina sobe. “Se a carne bovina fica mais cara, as demais também acabam subindo, mas existe um teto dado pela renda”, afirma Iglesias.
O consumo per capita de frango deve subir de 45,5 kg em 2024 para 46,8 kg em 2025 e chegar a 47,3 kg em 2026, enquanto o consumo de carne suína avança de 18,6 kg para 19 kg e 19,5 kg no mesmo período.
No caso dos ovos, o consumo per capita deve passar de 269 unidades por habitante em 2024 para 287 em 2025 e 307 unidades em 2026, segundo a ABPA, refletindo a busca do consumidor por proteínas mais baratas diante da alta da carne bovina.
