Economia

Quebra de patentes de vacinas não resolve acesso do Brasil, dizem especialistas

Medida poderia gerar desconfiança para transferência de tecnologia de produção dos imunizantes

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A ideia de quebrar patentes de vacinas contra a covid-19, mesmo que temporariamente, proposta pelo Congresso, é considerada um risco e não uma solução de curto prazo, já que poderia gerar desconfianças para transferência de tecnologia, e o país não tem hoje, capacidade para ampliar a produção de vacinas por conta própria.

Em duas sessões nesta quinta-feira no Senado e na Câmara, o tema foi discutido entre parlamentares e especialistas na área. Um projeto de lei sobre o tema foi retirado de pauta na quarta-feira a pedido dos líderes do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), e no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO).

“Acho que quebra de patentes seria elemento que traria hoje dificuldades adicionais. Por vários motivos”, disse o presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas. “Não seria oportuno no momento e poderia trazer dificuldade para as próprias patentes brasileiras, que existem.”

Covas explica que a transferência de tecnologia hoje é fundamental para o Brasil, que não tem uma indústria de biofármacos forte, e a quebra de patentes romperia isso.

Nísia Trindade, presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), segue na mesma linha e diz que a patente de uma vacina é hoje apenas a ponta de um iceberg dentro de uma cadeia complexa de produção.

“O que eu sugiro é que se faça um diagnóstico da capacidade da produção industrial brasileira”, disse.

O projeto de lei, apresentado pelo senador Paulo Paim (PT-RS), prevê uma suspensão temporária das patentes por causa da pandemia, e segue a linha de uma proposta feita pela Índia, com apoio de países em desenvolvimento, à Organização Mundial de Saúde. O Brasil foi contrário à ideia, alinhando-se com países ricos, e o texto não avançou.

O governo federal é contra a proposta de Paim, mas o texto tem apoio de vários senadores e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), quer colocá-lo em votação no máximo na próxima semana.

Terceira via

De acordo com João Lucas de Almeida, diretor do departamento de direitos humanos e cidadania do Ministério das Relações Exteriores, o Itamaraty vem trabalhando no que seria uma terceira via, uma tentativa com a Organização Mundial de Comércio (OMC) e outros países interessados, em ampliar a transferência de tecnologia das vacinas existentes para países que tenham condições de produzir vacinas.

Segundo o diplomata, ainda existe capacidade ociosa em alguns locais, mesmo que pouca, e a solução não seria imediata, mas para alguns meses, mas seria mais rápida e efetiva que a quebra de patentes.

“Temos que ser pragmáticos. Quebrar patentes nesse momento vai gerar uma desorganização do mercado, gerar um sentimento de desconfiança dos poucos supridores de vacina e poderia atrasar esse suprimento no curtíssimo prazo de vacinas que tanto queremos”, disse Almeida.

O diretor regional da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) no Rio de Janeiro, José Graça Aranha, defendeu em uma outra sessão de debates, dessa vez na Câmara dos Deputados, que a discussão sobre a quebra temporária de patentes ocorra com “cautela”, sob o risco de criar um ambiente desfavorável a investimentos.

Aranha lembrou ainda que é necessária uma “total coordenação” com a Organização Mundial de Saúde (OMS) e com a Organização Mundial de Comércio (OMC).

O coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, Carlos Gadelha, considerou “importante” a suspensão temporária da licença, mas alertou que apenas a quebra da patente não é suficiente. Para ele, é necessário que o país internalize o processo de produção de imunizantes.

Capacidade produtiva

A questão do como produzir foi também levantada no Senado. A falta de capacidade de produção de mais vacinas não ajudariam o país a melhorar sua vacinação porque não há capacidade produtiva.

“A deficiência de vacinas nesse momento não decorre da proteção patentária. Decorre da nossa insuficiência industrial”, disse o presidente do Butantan, que hoje é o maior produtor de vacinas da América Latina.

“O Brasil não tem uma indústria de biotecnologia desenvolvida. Tem algumas iniciativas no setor público e privado mas não tem uma política industrial. Então mesmo que houvesse quebra de patentes nesse momento não haveria como incorporar a produção, especialmente de vacinas mais complexas”, acrescentou.

A presidente da Fiocruz, outra instituição produtora de vacinas no país, apoia uma revisão da lei de propriedade intelectual, mas diz que hoje a quebra não resolveria.

“Com relação às patentes, eu acredito que há de ter uma revisão da lei de propriedade intelectual, mas nesse momento o importante, o fundamental é investir na produção local e com os acordos de transferência de tecnologia. É possível usar mecanismos de licença compulsória em áreas que sejam monopólicas e que prejudicam o acesso”, afirmou Nísia Trindade.

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