Economia
Quem é Márcio Pochmann e por que sua nomeação ao IBGE gerou polêmica
Confirmação do nome para o órgão era um desejo de Lula, mas Tebet considerava troca de comando como ‘desrespeito’.
Na quarta-feira (26), o governo confirmou o economista Márcio Pochmann como novo presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nos bastidores, segundo reportagens da imprensa, a nomeação foi mal recebida pelo ministério do Planejamento, ao qual o órgão é vinculado.
Atual presidente do Instituto Lula e ex-presidente do Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada (Ipea), Pochmann tem seu nome apoiado pelo PT e por Luiz Inácio Lula da Silva, mas era alvo de resistência de parte do governo, incluindo a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet.
Resistência à nomeação
Horas antes de a nomeação ser confirmada, Tebet disse em entrevista à GloboNews que uma troca neste momento no comando do IBGE seria um “desrespeito” com o atual ocupante do cargo e que uma eventual recondução de Augusto Aras à Procuradoria-Geral da República (PGR) seria “um desastre”.
O órgão está desde janeiro sob a presidência interina do ex-diretor de pesquisas Cimar Azeredo. Tebet argumentou que Cimar ainda precisa concluir um ciclo à frente do instituto. Segundo ela, ainda não havia tratado com Lula sobre o assunto durante a entrevista.
Segundo o jornal “O Globo”, Lula teria dito a Tebet que a indicação de Pochmann era uma escolha pessoal dele. No entanto, a ministra disse na quinta-feira, após saber da nomeação, que acatará o nome que o presidente Lula indicar e que se reuniria com Pochmann.
De acordo com a “Bloomberg”, as visões econômicas de Pochmann são consideradas radicais demais até mesmo por membros da equipe econômica de Lula, que temem danos à credibilidade do IBGE, segundo três funcionários do governo com conhecimento do assunto à agência. Os funcionários, que pediram anonimato, disseram que os anos de Pochmann no IPEA foram polêmicos e fizeram com que vários economistas que não concordavam com ele deixassem a entidade.
‘O professor é o inimigo’: reação nas redes
Em sua primeira aparição nas redes sociais depois da confirmação de seu nome para o comando do IBGE, o economista Marcio Pochmann publicou a capa de um livro intitulado “O professor é o inimigo: uma análise sobre a perseguição docente no Brasil”.
“Interessante abordagem de como opera a coalizão neoconservadora”, escreveu ele no Twitter. O livro, publicado no final de 2021 pela Mórula Editorial, é de autoria de Pâmella Passos e Amanda Mendonça.
Quem é Marcio Pochmann
Pochmann é professor na Unicamp, escola de linha econômica majoritariamente heterodoxa – que defende o aumento dos gastos públicos e a maior presença do Estado na economia. Também foi presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) entre o fim do segundo mandato de Lula e o começo do primeiro de Dilma Rousseff. Atualmente, preside o Instituto Lula.
Controvérsias no Ipea
Segundo apuração do “Estadão”, Pochmann teve uma atuação contestada no Ipea e envolveu-se em opiniões consideradas controversas. Poucos meses após assumir o órgão, em 2007, o economista Paulo Tafner, então chefe da área de previdência do instituto, teria sido informado de que seriam congeladas novas bolsas de pesquisa para a sua área.
“Ele disse que os contratos que fossem encerrados não seriam mais repostos, me olhou nos olhos e disse: ‘Restrição orçamentária, você sabe bem o que é isso, não é?'”, disse Tafner ao jornal. “Curioso que o orçamento do Ipea dobrou na gestão dele.”
Tafner, referência nos estudos de previdência, disse ao “Estadão” ter sido testemunha da mudança que Pochmann promoveu no Ipea naqueles anos: expurgos, projetos extintos por inanição e textos críticos às políticas do governo que “dormiam” nas gavetas.
Pochmann chegou ao Ipea pelas mãos do então ministro Guido Mantega após a queda de Antonio Palocci, no governo Lula 1. O então presidente do instituto era Glauco Arbix, que conservou linhas de pesquisa que eram interpretadas pelo governo como “neoliberais”.
Ainda segundo o jornal, o Boletim de Conjuntura Econômica, publicação trimestral que era comandada por Fabio Giambiagi, economista do BNDES cedido ao Ipea, foi reduzido com o argumento de que a análise do cenário econômico já era feita por diferentes casas financeiras e que não era mais necessário o esforço do órgão.
Além dele, relata o “Estadão”, outros três economistas já aposentados e que trabalhavam no Ipea foram expurgados do órgão logo na chegada de Pochmann: o macroeconomista Regis Bonelli, estudioso dos temas da produtividade; Gervásio Rezende, especialista em economia agrícola; e Otávio Tourinho. Todos “neoliberais”, segundo a classificação que levaram à época.
Em compensação, outras áreas ganharam relevo, como os estudos das Instituições e da democracia, voltados a temas da ciência política e que, em 2009, ganhariam uma diretoria no órgão de pesquisa econômica.
Procurado pelo jornal, Pochmann não se manifestou.
Críticas ao PIX
Pochmann, de acordo com o “Estadão”, já criticou o Pix, meio de pagamento instantâneo criado pelo Banco Central – que, seis meses depois do seu lançamento, já tinha ultrapassado o volume de transações da TED e do DOC no País.
Em 13 de outubro de 2020, o economista publicou no Twitter que, com o Pix, o BC dava “mais um passo na via neocolonial”. “Na sequência, vem a abertura financeira escancarada com o real digital e a sua conversibilidade ao dólar. Condição perfeita ao protetorado dos EUA”, escreveu ele.
Durante o seu mandato à frente do Ipea, entre 2007 e 2012, Pochmann defendeu uma reforma tributária que acabasse com o PIS e a Cofins, dois tributos federais que incidem sobre o consumo, e que criasse um sistema para o Imposto de Renda com 12 faixas de cobrança – em vez das duas existentes à época, diz o “Estadão”.
O modelo previa a cobrança de uma alíquota de 60% para quem tinha renda superior a R$ 50 mil mensais. Além disso, ele disse que deveria haver a cobrança de 1% de imposto sobre grandes fortunas.
Exploração do espaço e crítica a reformas
Em entrevista à agência “Reuters” em setembro de 2021, Pochmann afirmou que o Brasil deveria apostar na geração de riqueza em frentes às quais dedica pouca ou nenhuma atenção, começando pela exploração do “espaço sideral”.
“Brasil não tem GPS. Como podemos dizer que Brasil é país autônomo quando todo seu sistema de informação e comunicação vinculado ao espaço sideral, portanto à internet, depende de empresas que não são brasileiras?”, afirmou.
Na mesma entrevista, Pochmann criticou a concentração do debate econômico à época em temas como a manutenção ou não do teto de gastos e a alta da inflação.
“Não quero menosprezar o problema da inflação, sobretudo num País como o nosso. Mas estabilizemos a inflação, e daí? O que acontecerá? Espontaneamente, virão os investimentos? De onde? Em que setores?”, questionou.
No mês passado, Pochmann usou as redes sociais para criticar as reformas trabalhista e previdenciária. Segundo ele, as mudanças nas leis e o “fiscalismo” colapsaram o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
IBGE
Segundo o governo, ainda não há data marcada para a nomeação.
O IBGE realiza a coleta e publicação dos principais indicadores econômicos, incluindo inflação e dados do PIB. Sob o ex-presidente Jair Bolsonaro, o instituto sofreu cortes orçamentários que levaram a críticas sobre a precisão do censo de 2022.
*Com Estadão Conteúdo e Reuters.
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