Economia

Retorno das contas públicas ao azul em 2022 seria ‘pontual’, dizem especialistas

Governo prevê superávit pela primeira vez desde 2014, mas especialistas esperam novo rombo já em 2023.

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O ano de 2022 pode quebrar uma sequência de rombos fiscais que já dura desde 2014, se as previsões do governo se confirmarem. É uma boa notícia para a situação das contas públicas no Brasil, mas deve ser avaliada com cautela. Isso porque a melhora está sendo puxada por fatores pontuais, e a previsão é que as contas voltem para o vermelho em 2023. 

É o que disseram especialistas ouvidos pelo InvestNews após a notícia de que, na última quinta-feira (22), o Ministério da Economia melhorou fortemente sua projeção para o resultado fiscal do governo central em 2022, passando a prever pela primeira vez um superávit, de R$ 13,5 bilhões

O número representa uma forte melhora em relação à estimativa anterior, de julho, quando o governo previa déficit de R$ 59,3 bilhões para as contas do governo central – que inclui Tesouro, Previdência e Banco Central e não contabiliza gastos com o pagamento de juros da dívida pública.

Essa melhora de quase R$ 73 bilhões é puxada pelo ganho de força da arrecadação, enquanto o ritmo redução das despesas deve ser bem menor: entre julho e setembro, o governo aumentou a projeção de receitas líquidas em quase R$ 70 bilhões, enquanto as despesas totais estimadas foram reduzidas em R$ 2,9 bilhões

A retomada da atividade econômica brasileira chegou a surpreender positivamente nos últimos meses, o que beneficia a arrecadação de impostos de maneira geral. No entanto, especialistas citam que os principais fatores que puxaram a receita para cima em 2022 e não devem se repetir em 2023.

Entre eles estão, por exemplo, o impulso da arrecadação por causa da inflação em alta na maior parte do ano e o forte pagamento de dividendos de estatais – especialmente a Petrobras (PETR3 e PETR4), cujo maior acionista e, portanto, maior destinatário dos proventos é a União. 

Visão aérea de uma plataforma da Petrobras na Bacia de Campos, a P-52 REUTERS/Bruno Domingos (BRAZIL)

Além desses tópicos, economistas lembram que a guerra na Ucrânia elevou o valor das commodities. O Brasil, como país exportador, se beneficiou desse cenário e o governo arrecadou mais com a comercialização desses produtos. 

“A gente vendeu bastante. Se a gente vende bastante, quando a gente converte para real é um valor muito superior ao que vinha vendo no ano passado. Se a gente tem vendas maiores, os impostos são maiores, e isso se traduz em arrecadação maior”, explica Bruno Komura, analista da Ouro Preto Investimentos. 

Outro fator apontado por especialistas é a a receita com concessões e privatizações em 2022. Thiago Martello, especialista em investimentos, cita por exemplo a privatização da Eletrobras (ELET3 e ELET6) em junho.

Luciano Costa, economista-chefe da Monte Bravo Investimentos, resume o cenário: “indiscutivelmente a gente está tendo um ano no qual a arrecadação está surpreendendo bastante. O ganho que se está tendo com o crescimento maior da economia, uma inflação um pouco mais alta e receitas não administradas como royalties, dividendos de estatais e também as receitas de concessão estão levando a essa revisão do superávit primário.” 

Boa notícia agora, preocupação à frente

Os especialistas concordam que a possibilidade de as contas públicas fecharem 2022 no azul é uma boa notícia – especialmente por reduzir a necessidade de o governo emitir mais dívida para cobrir rombos. No entanto, a situação fiscal do país continua sendo fonte de forte preocupação.

“Qualquer superávit que a gente tenha é positivo, porque faz a não dívida subir. O único problema é que esse superávit é temporário. A gente vê que para os próximos anos a nossa tendência é ter déficit. Isso quer dizer, então, aumento da dívida”. 

Bruno Komura, analista da Ouro Preto Investimentos.

Milene Dellatore, analista de risco e investimentos e CEO do Grupo Mide, complementa: “superávit maioria das vezes é uma boa notícia, porém o bloqueio necessário para respeitar o teto mostra que o Brasil continua gastando muito e gastando mal – ainda sendo necessário o auxílio de empresas estatais (as mesmas que o ministro Paulo Guedes quer privatizar) e commodities para conseguir aumento na receita.”

Ela se refere ao corte de mais R$ 2,6 bilhões anunciado pelo governo também na última quinta-feira. A medida foi necessária para não romper o teto de gastos, regra fiscal que limita o crescimento das despesas públicas à inflação do ano anterior.

“Grande parte dos números da receita não vem de economia feita pelo governo, que, muito pelo contrário, em ano eleitoral vem implementando uma série de ações que ampliam a despesas, como cortes de tributos sobre combustíveis, produtos industrializados e repasses extras aos programas sociais”, diz Dellatore. 

Para Simone Pasianotto, economista chefe da Reag Investimentos, o retorno das contas públicas para o campo positivo em 2022 é algo “extremamente pontual”. 

“Não é uma melhora nem conjuntural e nem estrutural, é pontual. É extremamente pontual. Porque ela advém desse movimento de maior pagamento de dividendos por parte das estatais federais como forma de compensação, e não de uma melhora estrutural ou uma melhora da conjuntura econômica que proporcionou maior arrecadação. A projeção é de que as contas vão voltar para o vermelho em 2023.”

Simone Pasianotto, economista chefe da Reag Investimentos

Luciano Costa, da Monte Bravo, também vê com preocupação os prognósticos para 2023, mesmo se houver, de fato, superávit em 2022. Isso porque, para ele, a melhora se baseia em um “ganho que não é recorrente, porque provavelmente alguns dos fatores que estão ajudando não são permanentes”. 

O economista cita preocupações à frente, como aumento da remuneração dos servidores, elevação permanente do Auxílio Brasil e discussões sobre elevação do salário mínimo

“Essa notícia (superávit em 2022) de curto prazo é boa, mas não tira o risco de médio prazo, que é essa questão de 2023, que também vai acabar perdurando pelos próximos anos num novo mandato, quem quer que seja o presidente eleito”, diz Costa.

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