Economia
Selic: juro real na estratosfera ‘para sempre’?
O Focus prevê juros de pelo menos 5% acima da inflação até 2027. Entenda o que está por trás desse pessimismo
Não faz tanto tempo. Em dezembro de 2019, a inflação e a Selic estavam basicamente no mesmo patamar: IPCA, 4,30%; Selic, 4,50%. Isso deixava o Brasil com um juro real, aquele além da inflação, em nipônicos 0,2%.
E a aposta do Relatório Focus para dali a um ano (que é a que conta para o mercado) não era tão diferente disso. Apontava para um juro real de germânicos 0,9%. Logo em seguida, a pandemia veio e bagunçou o coreto, transformando em lixo qualquer previsão para 2020, 2021, 2022… “Normal”, diria Nassim Nicholas Taleb.
Corta para 2024. O Brasil e boa parte do planeta seguem sob juros fora da curva. O objetivo, claro, é matar a inflação que ficou represada no auge da pandemia – e que rompeu as comportas a partir de 2021.
Só que o momento de pânico já é história. Nosso pico de inflação rolou lááá em abril de 2022: 10,13%. O dos EUA, em fevereiro daquele ano: 5,6% (pelo núcleo do PCE, o índice para o qual o Fed traça sua meta de inflação).
Bom, desde lá, os dois índices já baixaram bem. O IPCA, você sabe, está 4,50%; o núcleo do PCE, em 2,8%.
Nos EUA, por mais que a manutenção dos juros em 5,50% siga incomodando o mercado, as previsões para o longo prazo são otimistas. Os próprios dirigentes do Fed preveem inflação em 2,2% para o final de 2025, com juros abaixo de 4%. Para 2026, estimam o núcleo PCE em 2% – na meta do BC americano –, e a taxa básica do Fed em 3%. Ou seja: juro real de 1%.
No Brasil a realidade é outra. O Focus tem dado um balde de água fria para quem sonha com a volta de um juro real nível OCDE por aqui. Neste momento, ele está em 6,25% (Selic de 10,75% menos IPCA de 4,50%). Para o fim do ano, o tarô dos analistas consultados semanalmente pelo BC mostram um juro real de ainda pesados 5,25%.
Nem é esse o balde gelado. O problema é a ausência de perspectiva para uma melhora decente no longo prazo. Veja só os juros reais que o Focus prevê para o final de cada um dos próximos anos:
2025: 4,99% (Selic a 8,50% menos IPCA a 3,51%)
2026: 5,00% (Selic a 8,50% menos IPCA a 3,51%)
2027: 5,00% (Selic a 8,50% menos IPCA a 3,51%)
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Ou seja: Selic sempre alta e inflação jamais no centro da meta, de 3%. Aí fica a pergunta: por que tanto pessimismo?
A resposta, nesse caso, não tem a ver com exterior. É uma questão doméstica: os gastos do governo. O Novo Arcabouço Fiscal afrouxou os limites legais para o aumento das despesas públicas. E o dinheiro extra que o governo injeta na economia ajuda a puxar a inflação para cima.
A lógica é simples: se há mais dinheiro em circulação do que coisas para comprar com esse dinheiro, os preços sobem. O fator “coisas para comprar com esse dinheiro” você pode ler como “PIB” mesmo, ou seja, aquilo que o país produz. Caso a grana extra não se transforme em PIB, ela corrói o valor da moeda. Inflação. E não é bancando aumento salariais para o funcionalismo, por exemplo, que gasto público vira PIB.
Para contextualizar: quando o governo gasta mais do que arrecada em impostos, ele precisa pegar emprestado para cobrir o rombo. Logo, um bom termômetro para a saúde da economia é a relação dívida/PIB. Grosso modo, quanto mais próxima de 100% do PIB estiver a dívida total do governo, pior.
E, de fato, as perspectivas não são das melhores. A relação dívida/PIB cresceu desde o início do governo Lula, e deve seguir nesse caminho.
Dezembro de 2022: 71,7%
Dezembro de 2023: 74,3%
Dezembro de 2024 (estimativa da OCDE): 80%
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Junte isso a uma meta agressiva para os padrões brasileiros, a de 3% (patamar poucas vezes atingido na história). E temos a tempestade perfeita. Para buscar os 3% num cenário rampante de dívida, só com uma Selic nas alturas mesmo.
Mexer na meta, por outro lado, seria temerário. Como já foi bastante discutido no início deste governo, isso simplesmente minaria a credibilidade da nossa política econômica. “Para mexer na meta, só quando estabilizar a relação dívida/PIB. Tem de ficar claro que ela vai estabilizar”, diz o economista Sergio Werlang, professor da FGV e ex-diretor de Política Econômica do Banco Central.
Werlang, como diversos economistas, calcula que algo como 4% seria uma meta mais factível – que não pediria uma Selic tão pesada e, por consequência, ajudaria a trazer os juros reais a um patamar menos venezuelano.
Mas é aquilo: sem a arrumar a cozinha primeiro, não dá para mudar o cardápio.
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