Surto de gripe aviária no Brasil já causa prejuízo bilionário – mesmo se durar pouco

Pausa nas exportações por dois meses pode gerar até US$ 2,6 bilhões em prejuízo

O Brasil se vangloriou nos últimos três anos de ser o único país livre da gripe aviária entre os maiores produtores mundiais de frango e ovos. Isso valeu até a semana passada. A chegada da infecção viral às granjas comerciais do país traz uma série de incertezas e cenários possíveis, que vão desde uma simples interrupção temporária na exportação de produtos avícolas a um prejuízo bilionário ao setor, com impacto de longo prazo nos preços e sacrifício de dezenas de milhões de animais.

Por enquanto o discurso oficial é de que tudo não vai passar de um caso pontual. O ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, afirmou na sexta-feira passada que os focos são isolados e o governo acredita ser possível resolver a questão rapidamente. Segundo o dirigente, o Brasil poderá voltar a exportar os produtos antes do prazo de 60 dias de suspensão adotado, por exemplo, pela China. O Brasil ainda poderia retomar o status de livre da gripe aviária caso não registre mais nenhum foco em 28 dias, conforme o ministro.

De qualquer modo, algum prejuízo já aconteceu. É que vários países e regiões, entre as quais China, União Europeia, Argentina, África do Sul, Canadá, Chile, Coreia do Sul, México e Uruguai já anunciaram suspensões temporárias de importação de produtos avícolas do Brasil. Outras nações, como Japão e Emirados Árabes Unidos adotaram uma barreira apenas para importações do Rio Grande do Sul.

O grupo de países que já interrompeu as compras do Brasil movimentou cerca de US$ 3 bilhões em importações de frango, ovos e outros produtos no ano passado. Em abril, esses mercados adquiriram US$ 240 milhões em produtos avícolas nacionais. Se as restrições durarem dois meses, as perdas com exportações podem alcançar até US$ 470 milhões, o que equivale a R$ 2,65 bilhões pela taxa de câmbio atual.

Se for considerado todo o mercado comprador de produtos avícolas brasileiro, potencialmente o prejuízo poderia alcançar US$ 1,7 bilhão ou R$ 9,6 bilhões, se a situação se prolongar por 60 dias. Em 2024, o setor exportou US$ 870 milhões em média por mês de carne de frango e ovos.

Emergência sanitária e barreiras de contenção

Um cenário mais extremo da gripe aviária ocorreu nos Estados Unidos que convive desde 2022 com um surto do vírus e ainda não conseguiu controlar a disseminação. Nos últimos três anos, o governo americano gastou mais de US$ 2 bilhões – ou R$ 11 bilhões – em medidas de controle e prevenção, além de indenizações a produtores afetados. Cerca de 170 milhões de aves foram sacrificadas no período.

Um outro efeito foi o aumento dos preços. No caso dos ovos, o valor de uma dúzia triplicou em três anos no mercado americano. Saltou de cerca de US$ 2 no início de 2022 para US$ 6, em março deste ano. No caso do frango, o aumento foi mais modesto, de cerca de 10% nos últimos dois anos.

Um cenário parecido pode acontecer no Brasil? A resposta é: depende. O surto ainda está no início e apenas um foco foi comprovado.

O governo federal já isolou e estabeleceu uma barreira sanitária em um perímetro de 10 quilômetros da cidade de Montenegro (RS), marco zero do aparecimento da infecção em um estabelecimento comercial no país.

Além do controle e fiscalização dos produtores, veículos que transportam frangos, leite, ovos e ração vão passar por limpeza e desinfecção. A Secretaria estadual do Rio Grande do Sul também começou a instalar pontos de desinfecção em todas as estradas que levam à capital Porto Alegre.

O Ministério da Agricultura e Pecuária, o Mapa, vai visitar mais de 500 granjas nos arredores de Montenegro, para uma fiscalização nos locais. Áreas de criação de bovinos e equinos também vão ser monitoradas.

Quem adoece por último, adoece melhor

Um ponto a favor do Brasil é que, por ter sido o último dos grandes exportadores a ser atingido, o governo conta com uma base sólida de informações sobre medidas tomadas por outros países para conter a disseminação do vírus H5N1. Além disso, os organismos de controle tiveram tempo para se preparar, como a implementação de medidas de identificação rápida e, assim, evitar a disseminação descontrolada da infecção.

O governo federal abriu em 2023 um crédito extraordinário de R$ 200 milhões que foi aplicado no Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (Suasa) justamente para ampliar o monitoramento da gripe aviária. A plataforma foi desenvolvida justamente para a rápida identificação, testagem e cuidados sanitários dos casos suspeitos.

A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), que representa as grandes indústrias do setor agropecuário, classificou o foco de Montenegro como pontual. “Todas as medidas necessárias para o contingenciamento da situação foram rapidamente adotadas”, afirmou a entidade. “A situação está sob controle e monitoramento dos órgão governamentais.”

Mas se a situação sair do controle, o Brasil terá de sacrificar dezenas de milhões de aves. Além disso, com a perda desses animais, o valor do frango e dos ovos deve subir no médio prazo. Nos primeiros meses, na verdade, a maior probabilidade é de queda de preços no mercado interno. Isso porque, sem conseguir vender para o exterior, as empresas vão desovar os estoques no próprio país. Porém, com o passar o tempo, as granjas vão passar a produzir menos. Com menor disponibilidade, os preços entram em uma curva de alta, de maneira semelhante ao que ocorre atualmente nos EUA.

Os números do setor nos Estados Unidos mostram que os produtores já sacrificaram 170 milhões de aves, o que equivale a quase 2% do total de animais destinados à produção de carne e ovos. No Brasil, se houver situação semelhante e aplicarmos o mesmo percentual, isso significaria mais de 30 milhões de galináceos abatidos.

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