Economia
Promessa de Lula, imposto sobre fortunas será grande desafio para Haddad
Tributação pode provocar evasão de investimentos do Brasil, dizem especialistas.
O imposto sobre grandes fortunas (IGF) – previsto pela Constituição de 88 e defendido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em campanha eleitoral –, deve ser um grande desafio para o novo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), caso o petista decida cumprir sua promessa tributária.
O imposto, cujo objetivo é taxas os mais ricos e combater a desigualdade social, ainda depende de aprovação para ser criado, já que nunca foi instituído e regulamentado. Segundo especialista, caso o tributo entre em pauta, ainda será preciso estabelecer os critérios de cobrança e alíquotas de incidência.
Para ser criado, o imposto depende da aprovação de uma lei complementar. São necessários os votos favoráveis de pelo menos 41 senadores e 260 deputados federais.
“O imposto gera uma discussão sobre quais os critérios necessários para que seja criado, que seriam a previsão de incidência, incluída a alíquota. A base de cálculo, que vai definir o universo de contribuintes, tem uma carga subjetiva muito grande, a começar pelo que é e o que poderia ser considerado grande fortuna. Por isso, existe um grande número de projetos parados no Congresso na tentativa de criar esse tributo.”
Ubaldo Juveniz dos Santos Junior, sócio do Juveniz Jr. Rolim Ferraz Advogados
Efeitos do imposto sobre fortunas
O advogado Fernando Brandariz, especialista em planejamento sucessório e proteção de bens, diz que a criação do imposto deve provocar a fuga de capital do Brasil e diminuição dos investimentos nos mercados financeiros e imobiliário, na indústria e outras áreas.
“As pessoas começam a investir em outros países que não cobram impostos de grandes fortunas, veremos uma fuga de capital. Acho pouco provável as pessoas continuarem com seus patrimônios no Brasil.”
Além disso, Brandariz destaca que o imposto provocaria um problema jurídico como a bitributação do patrimônio. Desta forma, o tributo das grandes fortunas só poderia incidir sobre pessoas físicas e não sobre pessoas jurídicas, pois para empresas já existe uma carga tributária própria e específica que sobe gradativamente conforme o patrimônio. “Seria uma inconstitucionalidade”.
Outro problema, segundo ele, seria a fiscalização do pagamento do imposto, já que bens como joias e quadros, que podem ser guardados em casa, entram na declaração do patrimônio e seriam difíceis de serem avaliados. “Alguns países deixaram de cobrar porque o custo para você cobrar e fiscalizar é muito ínfimo pelo custo operacional”, afirmou.
Projetos preveem criação de tributo
Há diversos projetos em tramitação sobre o assunto. Somente durante a pandemia de covid-19, pelo menos quatro novos projetos foram apresentados com o intuito de gerar receita para ajudar o governo federal com os custos da doença, entre eles o do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
“Vimos na pandemia que aumentou número de bilionários no Brasil, assim como aumentaram seus patrimônios, enquanto a imensa maioria passou dificuldade, enfrentou desemprego, fome e miséria. Um tributo serve para arrecadar, é certo, mas precisa ir além disso, a sociedade tem que perceber que existe alguma justiça também no que é cobrado”, afirma a auditora Maria Regina Paiva Duarte, vice-presidente do Instituto Justiça Fiscal e da coordenação da campanha Tributar os Super–Ricos.
Pelo menos 12 dos 37 países que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) cobram o imposto:
- Alemanha
- Espanha
- França
- Dinamarca
- Áustria
- Noruega
- Islândia
- Finlândia
- Luxemburgo
- Suécia
- Suíça
- Holanda
O que são grandes fortunas?
O conceito sobre o que seria uma grande fortuna ainda não foi definido, mas vários projetos citam o valor inicial acima de R$ 10 milhões.
De acordo com os dados de 2018 da Receita Federal, somente 0,2% dos contribuintes do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) declararam bens acima de R$ 10 milhões. Desse total, apenas 30 mil contribuintes da última faixa possuem patrimônio médio de R$ 51 milhões. A riqueza média declarada dos outros 30 mil é em torno de R$ 11,7 milhões.
De acordo com a proposta defendida pelo Instituto Justiça Fiscal (IJF) e as demais entidades da campanha “Tributar os Super-Ricos” e que foi protocolado no Congresso Nacional (PLP 130/2021), grandes fortunas são patrimônios acima de R$ 10 milhões.
Outros projetos classificam como grande fortuna aquele patrimônio superior a 50 mil vezes o salário-mínimo vigente, ou seja, mais de R$ 50 milhões. Uma das propostas pretendia classificar como grande fortuna o patrimônio que fosse 12 mil vezes a isenção mensal do imposto de renda, ou seja, R$ 22 milhões.
Como deve ser a alíquota da cobrança?
Como nenhum projeto foi aprovado, ainda não há uma alíquota definida para a cobrança, que seria anual. A princípio, o imposto seria apenas para pessoas físicas e progressivo, ou seja, quanto maior o patrimônio, maior o pagamento do tributo.
De acordo com a proposta defendida pelo Instituto Justiça Fiscal (IJF), as faixas de alíquotas são para os primeiros cinco anos depois de constituído o imposto:
- Entre 10 e 40 milhões – 1%
- Entre 40 e 80 milhões – 2%
- Acima de 80 milhões – 3%
Após cinco anos, as alíquotas seriam de 0,5%, 1% e 1,5%, nessas mesmas faixas.
No entanto, há outras propostas que apontam outros valores, mas todas têm uma faixa de alíquota bem semelhante, que vai de 0,5% a 3% em incidência anual.
Por exemplo, para quem tem patrimônio acima de R$ 50 milhões, a tributação estimada é de até R$ 1,5 milhão por ano.
Para os abastados com fortuna acima de R$ 22 milhões, seriam apenas 70 mil contribuintes, o que daria uma arrecadação de aproximadamente R$ 40 bilhões ao ano.
“É um tributo que atinge o bolso dos mais abastados, mas que não resolve muita coisa. Portanto, não traz um resultado arrecadatório significativo que resolveria o problema do país. É um tributo que vem para fazer alguma justiça social, porém mais no aspecto moral para dizer que os mais abastados também pagam tributos, e não só os menos abastados.”
Maria Regina, da Tributação dos Super-Ricos
Impacto nos investimentos
Os especialistas ouvidos pelo InvestNews divergem sobre o impacto da taxação sobre fortunas nos investimentos no país. O advogado Ubaldo Juveniz dos Santos Junior também acredita que o imposto deve provocar uma evasão fiscal.
“As pessoas nesta situação também têm mecanismos de evitar e de contornar essa tributação, seja tirando o patrimônio do país, seja tirando o patrimônio da pessoa física, seja saindo do país para outra nação onde a tributação seja menor, seja fazendo qualquer outra coisa para se planejar sob o aspecto tributário e evitar esta incidência”, declarou.
Já a vice-presidente do Instituto de Justiça Fiscal discorda e diz que a taxação não vai provocar uma fuga desesperada de capitais e ativos. Ela argumenta que o motivo é óbvio, já que não se pode levar mansões, iates, grandes empreendimentos do país e diz que mecanismos de transferência de renda e patrimônio já existem, e necessitam de controle e fiscalização da Receita Federal do Brasil.
“Com relação aos ativos e bens móveis, existem empresas e consultorias especializadas em fazer o que dizem ser proteção de patrimônio, planejar sucessões, no fundo são formas de escapar à tributação no Brasil, como já fazem em outras circunstâncias, mesmo sem o IGF. Então, não me parece apropriado dizer que o IGF vai provocar fugas de capitais”, declara.
Maria Regina ressalta que o Brasil tem as mais elevadas taxas de juros do mundo e o retorno dos investimentos é superior ao encontrado em muitos países.
“Há muitas isenções, as aplicações financeiras são taxadas a alíquotas menores, então, realmente, o impacto nos investimentos será muito pequeno.”
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