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‘Tem que tomar decisões, mesmo que tenha medo’, diz sobrevivente da Tragédia dos Andes

Aos 72 anos, Fernando Parrado relembra história que inspirou filme indicado ao Oscar, e fala sobre liderança e outros aprendizados da tragédia.

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“Não pensem que vão ter um futuro brilhante. As coisas mudam às vezes. E passado já passou. Eu vivo o presente.” A frase é de uma pessoa que aprendeu sobre a vida ao se aproximar da morte como nunca havia pensado ser possível. Fernando Parrado é um dos 16 sobreviventes do acidente de avião em 1972 – que ficou conhecido como a “Tragédia dos Andes” – e que hoje dá palestras sobre sua experiência. 

A história do acidente inspirou o filme espanhol “Sociedade da Neve”, indicado ao Oscar 2024 na categoria filme internacional. O longa conta a história do voo uruguaio que caiu com 45 pessoas a bordo nas montanhas geladas da fronteira entre a Argentina e o Chile. Entre a queda do avião e o resgate do grupo de sobreviventes, foram mais de dois meses.

Fernando Parrado (Imagem: Reprodução/Evento BTG Summit 2024)

Em palestra realizada em evento do BTG Pactual em São Paulo, nesta quinta-feira (21), Parrado lembrou as partes mais emblemáticas da história, como o pacto entre os sobreviventes para se alimentar dos corpos congelados das pessoas que haviam morrido. “Foi o momento de tirar o verniz de ser civilizado”, conta.

Decisões e escolhas 

Ao descrever as condições em que o grupo estava vivendo no entorno da fuselagem e os desafios que se impunham, como a queda de uma avalanche e a descoberta por um sinal de rádio que as buscas tinham sido finalizadas, Parrado diz: “o inferno era um lugar cômodo comparado com o que estávamos passando naquele momento.”

E foi em meio a esses pensamentos e sensações que ele decidiu: “quero ir embora”. Sem saber ao certo como faria isso, Parrado decidiu escalar uma montanha em busca de uma saída. Sem equipamento apropriado além de um bastão de alumínio e debilitados fisicamente, Parrado e um companheiro fizeram a viagem a pé pelos Andes. O difícil percurso durou 10 dias até que eles encontrassem o homem a quem pediram socorro. 

Tragédia dos Andes (Foto: Reprodução/Instagram/Nando Parrado)

Deu certo. Mas, para quem admira a coragem em lançar-se montanha acima sem qualquer estrutura para isso, Parrado lembra da tomada de decisão sem relacioná-la com esse sentimento.

“Estar prontos e ter coragem não teria nos salvado. As decisões com medo, ainda que venha de coragem, são decisões iguais. Tem que tomar decisões, mesmo que tenha medo.” 

Fernando parrado

Mas ele não nega que houve um momento em que questionou a própria decisão – embora, por falta de opção, não tenha cogitado voltar atrás. 

“Olhamos para baixo e as nuvens estavam abaixo de nós. Eu pensei: ‘o que estou fazendo?’. Até que chegamos ao topo. Vi um vale verde com umas casas, mas era miragem. O que vi na verdade eram mais montanhas. Meu amigo me abraçou e disse: ‘estamos mortos, não?’. Eu não voltei. Uma vez que se passou da porta invisível da morte, tudo vale. Subimos sem parar. Se parar, morre.”

Lideranças

Durante o longo período que o grupo passou na neve, o uruguaio se lembra do surgimento de lideranças, citando especialmente Marcelo Pérez del Castillo, capitão do time de rugby que os passageiros formavam. 

“Marcelo, nosso capitão, tomou a melhor decisão que eu já vi na minha vida – e eu já falei com muitos CEOs de bancos em minha vida. Marcelo nunca havia visto neve, nunca havia tido treinamento de sobrevivência. Mas disse: ‘a temperatura vai baixar à noite. Vamos construir uma parede que impeça que o vento entre’. Isso nos permitiu sobreviver 2 meses e meio. Se querem falar de pressão, recordem-se de Marcelo.”

Castillo e mais 7 morreriam dias depois, vítimas de uma avalanche. “Os líderes iam morrendo e iam surgindo novos líderes”, lembra Parrado. “Éramos uma grande equipe. Ninguém era melhor do que ninguém.” 

Novo olhar sobre a vida

Ao voltar para casa e reencontrar seu pai, Parrado estava determinado a não deixar de aproveitar momentos com ele. O uruguaio também realizou o sonho de se casar e formar uma família. Hoje, ele dá palestras sobre sua experiência. 

“Para trás não vamos modificar mais. Mas não vamos perder a segunda parte de nossa única vida”, diz.

“Por sorte tive fracassos, mas também tive êxitos, e a vida seguiu”, conta o sobrevivente, hoje aos 72 anos. Sobre a esposa e filhas, ele diz: “a segunda parte da minha única vida”. 

Fernando Parrado (Imagem: Reprodução/Evento BTG Summit 2024)

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