O Instituto para as Obras de Religião (IOR), conhecido como Banco do Vaticano, passava por uma grave crise de credibilidade nos últimos anos do pontificado de Bento 16 (2005-2013). Seu sucessor, Francisco (2013-2025), agora deixa como legado uma reforma exemplar na instituição.
Em setembro de 2010, autoridades italianas iniciaram uma investigação contra o presidente do IOR, Ettore Gotti Tedeschi, por suspeita de lavagem de dinheiro. A investigação foi motivada por duas transferências bancárias que totalizavam €23 milhões, feitas sem a devida comunicação às autoridades, conforme as normas europeias exigem.
Os fundos foram congelados pelas autoridades italianas. Embora o dinheiro tenha sido liberado pouco tempo depois, o incidente levantou suspeitas.
Um indício do que poderia estar acontecendo está numa carta que o arcebispo Carlos Maria Viganò, então Secretário Geral do governo do Vaticano, enviou em 2011 a seus superiores, incluindo Bento 16.
Viganò relatou a existência de uma “rede de corrupção, nepotismo e favorecimento” nos contratos de obras da Cidade do Vaticano. Segundo ele, os serviços eram sempre entregues às mesmas empresas, com preços até o dobro do valor de mercado.
Ou seja: dinheiro ilícito (de superfaturamento, por exemplo) poderia entrar no IOR e sair de lá limpo (como se tivesse vindo de doações de fieis). Essa carta faz parte de um vazamento de documentos sobre casos de corrupção na Santa Sé, que ficou conhecido como “Vatileaks”.
Não houve acusações formais, mas os problemas cresceriam. Em março de 2012, o JPMorgan encerrou a conta que o IOR mantinha ali por falta de transparência nas informações financeiras. Dois meses depois, Ettore Gotti Tedeschi seria demitido do Banco do Vaticano.
A reputação do IOR logo passaria por mais abalos. Em julho de 2012, o Moneyval, comitê europeu contra a lavagem de dinheiro, apontou falhas graves na administração do banco. Em janeiro de 2013, as autoridades italianas chegaram a suspender temporariamente o uso de cartões de crédito no Vaticano.
Bento 16 renunciou em meio a esse turbilhão, em fevereiro de 2013, alegando falta de saúde para exercer adequadamente o pontificado.
As reformas de Francisco
Eleito em março de 2013 com a expectativa de limpar a casa, Francisco colocou a reforma econômica do Vaticano entre suas prioridades. Criou uma comissão especial para propor mudanças e assinou acordos para compartilhar informações financeiras com autoridades internacionais.
Em fevereiro de 2014, criou a Secretaria para a Economia, liderada pelo cardeal George Pell, e o Conselho para a Economia, com membros religiosos e laicos, visando centralizar a contabilidade e impor disciplina orçamentária.
O cardeal Pell revelou €1,1 bilhão em ativos antes não declarados. Em 2015, a Secretaria para a Economia contratou uma auditoria externa abrangente com a PricewaterhouseCoopers (PwC).
Auditorias e governança
Francisco reformou a gestão do Banco do Vaticano com uma revisão exaustiva de contas, fechando milhares que não cumpriam os novos, e rigorosos, critérios. Sob seu comando, o IOR passou a submeter-se a auditorias anuais independentes, e novos estatutos foram aprovados em 2019 tornando obrigatória a auditoria externa e ampliando o conselho supervisor laico.
O Vaticano também fortaleceu sua cooperação internacional. A Autoridade de Informação Financeira (AIF) firmou acordos de troca de informações com vários países, e em 2017, a Itália incluiu o Vaticano em sua “lista de Estados financeiramente confiáveis”. Relatórios anuais da AIF indicaram uma queda significativa em operações suspeitas.
Em 2021, um cardeal italiano, Angelo Becciu, tornou-se o primeiro a responder criminalmente por crimes econômicos no Tribunal do Vaticano, sendo condenado em 2023 por fraude – relativa à compra superfaturada de um prédio em Londres, dez anos antes, com dinheiro da cidade-Estado.
Após 12 anos de papado, Francisco deixa um Vaticano financeiramente mais transparente e responsável. Auditorias independentes, prestação pública de contas e colaboração internacional agora são rotina.
Vamos para um exemplo recente. O Vaticano é formado por duas entidades distintas — a Santa Sé e o Estado da Cidade do Vaticano — que possuem orçamentos separados. Mas as receitas provenientes do Vaticano, inclusive as geradas pelos museus, são usadas para atenuar déficits financeiros da Santa Sé.
O déficit registrado em 2023 beirou €83 milhões. Para atenuar os impactos nas contas, Francisco determinou, em 2024, a redução do orçamento enviado aos cardeais espalhados pelo mundo e pediu que eles se esforçassem para uma meta de déficit zero.