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Ação em foco: sob nova direção, Vale reage a pacote da China e acordo sobre Mariana em outubro

Analistas acreditam que companhia vai superar desafios e mostrar bons resultados – e continuará pagando dividendos

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O início de outubro trouxe um pacote de notícias para os investidores da Vale: a posse do novo presidente da companhia, no dia 1º de outubro, que fez mudanças no alto escalão, e o vaivém nos preços do minério de ferro provocado pela divulgação do pacote de incentivos econômicos da China.

Mas a cereja do bolo ainda está por vir. A empresa, que segue firme entre os papéis mais recomendados por analistas, espera divulgar até o fim do mês um acordo final sobre as indenizações ligadas à tragédia ocorrida em Mariana (MG), em 2015. 

Muita coisa? Pois no dia 24 de outubro tem ainda o balanço da mineradora relativo ao terceiro trimestre do ano.

Otimismo cauteloso

O desafio da Vale não é pequeno: sustentar uma rentabilidade atraente em um ambiente econômico muito mais difícil. Analistas acreditam, entretanto, que a companhia tem condições de seguir apresentando bons resultados – e pagando dividendos generosos – durante um bom tempo. Ressaltam também que os papéis estão bastante descontados na Bolsa.

Neste ano, até 9 de outubro, as ações da Vale (VALE3) acumulavam queda de 14,5%, frente a uma desvalorização de 3% do Ibovespa no mesmo intervalo. Somente este mês, apesar do impulso inicial do minério, os papéis registram perda de 4%, contra recuo de 1,4% do principal índice da B3.

A média das projeções de seis casas de análise (BB Investimentos, Bradesco Corretora, Genial, JP Morgan, Safra e XP) indica um preço-alvo de R$ 76,90 por ação da mineradora – equivalente a um potencial de alta de 23,8% em relação ao fechamento no dia 11 (R$ 62,13). Todas as instituições consideradas possuem recomendação de compra para a Vale.

Sob nova direção

A sucessão na Vale chegou a assustar alguns investidores, que temiam uma interferência do governo federal na escolha do novo presidente, mas a governança da empresa prevaleceu. Com isso, Gustavo Pimenta, que era vice-presidente executivo de finanças e relações com investidores desde 2021, assumiu o comando da mineradora em 1º de outubro. 

Uma solução caseira que agradou o mercado, principalmente pela leitura de continuidade na estratégia cortar custos e destravar valor dos negócios até 2026, com destaque para as operações de minério e cobre no Pará. Pimenta assumiu o posto até então ocupado por Eduardo Bartolomeo, visto por alguns analistas como executivo de grande capacidade técnica, mas pouco jogo de cintura nas interlocuções com entes públicos – um aspecto que pode evoluir com mudança.

Uma semana após tomar posse, Pimenta mudou a vice-presidência executiva de soluções de minério de ferro. Marcello Magistrini Spinelli deu lugar a Rogério Nogueira, que era diretor de desenvolvimento de produtos e negócios da companhia.

Até aqui, as mudanças na cúpula da companhia são bem avaliadas pelo mercado. Entretanto, essas trocas não mudam o desafio de Vale de se manter eficiente e competitiva em um mercado global que, diferentemente da realidade vista em décadas passadas, já não tem mais ventos extremamente favoráveis ao crescimento econômico. Muito pelo contrário. O grande exemplo disso é a China, que avançou como um colosso nos últimos 20 anos e hoje se desdobra em medidas que possam viabilizar o objetivo de alcançar uma expansão próxima de 5% em 2024.

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Pacote da China

Entre o fim de setembro e o início de outubro, o governo chinês apresentou uma série de medidas, como incentivos para que os bancos reduzissem os juros de hipotecas e uma flexibilização na entrada mínima para a compra do primeiro imóvel, de 25% para 15% do valor. E tudo que diz respeito à construção civil na China interessa à Vale, pois a companhia é uma das principais fornecedoras de minério de ferro para o país que responde por mais da metade da produção global de aço.

Na esteira do anúncio, a cotação do minério de ferro saiu da casa de US$ 90 a tonelada para algo perto de US$ 113 a tonelada, um salto de 25% em poucos dias. Esse movimento tem um forte componente especulativo, com grandes traders atuando no mercado futuro, pondera o analista Igor Guedes, da Genial Investimentos. Seja como for, fato é que essa disparada, ainda que temporário, deve jogar para cima o valor médio da commodity neste quarto trimestre. E isso vai favorecer o fluxo de caixa de Vale e, portanto, beneficiando os acionistas.

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De forma conservadora, Guedes projeta que o minério ficará ao redor de US$ 95 a tonelada, em média, entre outubro e dezembro. Segundo João Daronco, analista da Suno Research, qualquer preço acima de US$ 90 a tonelada já é suficiente para impulsionar as receitas da Vale, pois seu custo de produção é bem inferior a esse patamar.

Isso representa uma boa notícia para quem deseja investir na companhia também de olho nos proventos distribuídos. A capacidade de gerar receita é o motor dos resultados financeiros, e amplia consideravelmente as chances de lucro – que depois é distribuído aos acionistas. Guedes, da Genial, estima que as ações da Vale devem apresentar este ano um retorno com dividendos (dividend yield) de aproximadamente 10%. Significa que, somente com os proventos recebidos, os investidores devem ter um ganho equivalente a 10% do preço da ação no mercado.

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Apesar do viés positivo, todos os especialistas consultados pelo InvestNews pregam cautela para quem se animou muito com as medidas chinesas. Para Mary Silva, analista da BB Investimentos, ainda existem incertezas sobre a extensão de tais novidades no mercado imobiliário e, consequentemente, sobre o nível de demanda interna de aço na China no restante do ano. Isso pode voltar a pesar sobre os preços de minério, diz ela.

Expectativa de acordo sobre Mariana (MG)

Um dos anúncios mais aguardados em relação à Vale pode sair neste mês. Trata-se do acordo final no processo de mediação conduzida pelo Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6) com governos e outras entidades públicas, buscando a liquidação das obrigações previstas no Termo de Compromisso (TTAC) relativo à tragédia ocorrida em 2015, em Mariana (MG). Foi quando o rompimento da barragem de Fundão, de propriedade da Samarco, destruiu a cidade, provocando mortes e sérios danos ambientais. A Vale detém metade do capital da empresa, assim como a BHP Billiton Brasil, por isso ambas estão envolvidas no caso.

O último comunicado oficial da Vale sobre valores relativos ao tema, em junho deste ano, trouxe uma proposta de R$ 140 bilhões, considerando obrigações passadas e futuras. Esse montante inclui R$ 37 bilhões já investidos em reparação e compensação, R$ 21 bilhões em “obrigações a fazer” (retirada de sedimentos acumulados na Bacia do rio, por exemplo) e um pagamento em dinheiro, de R$ 82 bilhões, a governos e municípios – em um prazo de 20 anos. Entre os termos apresentados, estão previstas contribuições de 50% da Vale e igual fatia da BHP, como “devedores secundários”, caso a Samarco não possa financiar o acordo sozinha.

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Guedes, da Genial, acredita que o valor final do acordo pode superar R$ 140 bilhões, mas não ficará muito longe disso. Quanto ao prazo de pagamento em dinheiro a governos e municípios, ele lembra que a proposta é de 20 anos, mas entes públicos estão tentando encurtar para 12 anos.

Qualquer que seja o desenho final, especialistas acreditam que haverá um efeito positivo sobre as ações da Vale, por eliminar uma pendência relevante. “Alguns investidores têm medo de aportar recursos na Vale porque não sabem o tamanho desse passivo”, lembra diz Daronco, da Suno. Havendo um compromisso selado, esse risco cai consideravelmente.

Em outra esfera, existem desdobramentos do caso, que correm de maneira independente. São processos de ações coletivas no Reino Unido e Holanda, cujos julgamentos também devem começar neste mês.

Na seara internacional, a Vale firmou um acordo com a BHP, que aceitou retirar uma ação de contribuição movida contra a brasileira. No entanto, caso se conclua que a BHP tem qualquer dever perante os requerentes do Reino Unido, ou caso qualquer obrigação seja atribuída à Vale perante os reclamantes na Holanda, tal responsabilidade será dividida igualmente entre as empresas.

Apesar de estarem ligadas, especialistas ressaltam que as questões envolvendo a barragem de Fundão são diferentes. No Brasil, não se discute mais se a Samarco, Vale e BHP são responsáveis ou não pelo ocorrido, e sim qual o valor total e prazo para as indenizações. No exterior, o assunto ainda irá a julgamento, com análise se cabe ou não responsabilizar as empresas citadas, processos que provavelmente irão se estender por meses.

Com tantos assuntos no radar, o principal conselho dos analistas, no entanto, é ficar de olho nas próximas divulgações da companhia.

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