Finanças
Após caso Americanas, mercado vê firme retomada do crédito privado em 2024
Passado o susto com rombos contábeis e falta de liquidez, empresas estão prontas para voltar a emitir dívida, na visão de especialistas.
A novela do rombo contábil da Americanas (AMER3), iniciada em janeiro de 2023, pode ter tido um de seus últimos capítulos no dia 19 de dezembro, quando credores aprovaram o plano de recuperação judicial da varejista. Embora o desfecho ainda esteja longe de um final feliz, o episódio alimenta esperanças em relação à recuperação do mercado de crédito privado em 2024.
A descoberta de “inconsistências contábeis” de mais de R$ 40 bilhões no balanço da varejista contribuiu para encarecer a tomada de dinheiro pelas companhias ao longo do ano. Poucos meses após a revelação da fraude, em abril, a Light (LIGT3) recebeu na Justiça o direito de não cumprir suas obrigações financeiras, enxugando de vez a liquidez de recursos para as empresas.
“Os eventos de crédito da Americanas e da Light geraram um estresse no mercado de crédito como um todo”.
Jaqueline Kist, especialista em mercado de capitais e sócia da Matriz Capital.
Tais eventos elevaram o temor de um risco sistêmico neste mercado. Tanto que o Banco Central precisou garantir que havia estabilidade financeira. Ainda assim, o impacto no custo da dívida do setor corporativo foi grande, desestimulando a oferta de linhas de crédito em modalidades como “risco sacado”, de desconto de duplicatas e de antecipação de recebíveis.
Segundo Kist, da Matriz Capital, o impacto foi mais sentido nos fundos de crédito privado, que atuam com títulos como debêntures, CRIs e CRAs de vencimentos longos. “O impacto no preço em uma situação de estresse é muito grande”, afirma.
Kist explica que, em momentos como esse, o que se costuma ver é uma corrida de investidores para resgatar seus recursos, com medo de quedas ainda piores. “E o que aconteceu foi que os fundos tiveram de vender rapidamente seus títulos, tomando deságios grandes justamente porque tinham de vender rápido para não serem mais prejudicados”, emenda.
Pior já passou?
Agora, porém, o setor corporativo no Brasil está pronto para voltar a alavancar, na visão de especialistas. Aliás, desde o início do ciclo de cortes na taxa Selic, em agosto, somado ao fim do ciclo de aperto nos juros dos Estados Unidos, um mês antes, os vendedores de dívida privada começaram a testar o sentimento do investidor com novas emissões.
E os resultados foram animadores, com o prêmio exigido pelos investidores diminuindo gradativamente após o pico alcançado em maio. Esse movimento lança luz para expectativas de uma recuperação firme na concessão de crédito em 2024.
Segundo o diretor-gerente da mesa de operações de um banco estrangeiro, conforme os episódios envolvendo Light e, principalmente, Americanas, vão ficando para trás, prevalece a sensação de que “o pior já passou”, com o mercado se afastando desses eventos e sem o surgimento de outros casos semelhantes.
Para ele, esse sentimento se espalhou na reta final de 2023, em meio à expectativa de que o Federal Reserve irá reduzir a taxa de juros logo no primeiro trimestre do ano que vem. “Essa mudança na política monetária dos EUA tende a revigorar o mercado de títulos local”, emenda o profissional, que falou sob a condição de não ser identificado.
Na estimativa do Banco Safra, após um mercado primário represado em 2023, com a suspensão das principais emissões e maior volatilidade, 2024 deve ter uma acomodação em termos de passivo e expansão por parte de emissores. Para a área de gestão de crédito privado do banco, o mercado de crédito tem espaço para crescer.
E a Americanas?
Já para a Americanas, um novo desafio está apenas começando, dando início a um longo epílogo após o fim do escândalo divulgado pelo então executivo da empresa, Sergio Rial. A aprovação formal dos principais credores ao plano de recuperação judicial torna sócios da varejista alguns dos maiores bancos do país.
Com isso, a empresa terá de colocar em pé uma nova estrutura de governança corporativa a partir de 2024. Vale lembrar que a Americanas teve suspenso o selo de Novo Mercado pela B3. Além disso, a empresa terá o desafio de implementar um modelo de negócios com um fluxo de caixa sustentável.
Na visão de analistas, mesmo com a redução expressiva da dívida, com o plano aprovado prevendo uma capitalização de R$ 24 bilhões, a Americanas terá de enfrentar um cenário competitivo no Brasil, principalmente no âmbito digital, com o avanço de plataformas de origem asiática, realçando o domínio estrangeiro no e-commerce.
Para a XP Investimentos, existem riscos relacionados a melhorias operacionais, um ambiente macroeconômico desafiador para o setor de varejo como um todo e um cenário de competição acirrada. Portanto, trata-se de uma realidade dura e bem diferente do mundo de fantasia da novela. Aliás, a Light ainda negocia com credores nova proposta de pagamento.
Veja também
- CVM acusa ex-CEO e outros sete ex-executivos da Americanas de uso de informações privilegiadas
- Sicupira e filho de Lemann deixam conselho da Americanas, diz fonte
- Em recuperação judicial, Americanas quer vender parte de ativos da fintech Ame
- Polícia Federal indica 41 ex-funcionários da Americanas em investigação sobre fraude
- Beto Sicupira lidera aporte do 3G para salvar a Americanas; desembolso foi de R$ 6,8 bilhões