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Como saber se tenho herança em meu nome?

Veja o caminho para pesquisar cartórios, tribunais e até dinheiro esquecido em bancos

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Nem todo mundo sabe se tem direito a uma herança.  Quer um exemplo? Briga entre pais e filhos pode causar embaraços no planejamento sucessório e gerar dúvidas sobre se há bens a receber. Essa descoberta, portanto, exige pesquisa. A boa notícia é que a digitalização e a integração de dados públicos encurtaram esse processo de busca no Brasil.

O primeiro passo começa na “caça” de testamento feito por familiares diretos, como pais ou parentes, e amigos mais próximos.

O testamento é o caminho menos burocrático para transmitir bens aos herdeiros necessários, que recebem 50% do patrimônio obrigatório, e para qualquer outra pessoa, independentemente do grau de parentesco (caso dos outros 50%).

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Texto que chegou ao Senado exclui cônjuges como herdeiros necessários/ Ilustração de João Brito

Testamento público

A existência de um testamento pode ser verificada na Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados, a CENSEC.

O serviço, que é gerido pelo Cartório Notarial do Brasil, reúne informações de todos os tabelionatos (cartório de notas). Para acessar o sistema, é preciso fazer um cadastro e ter em mãos a certidão de óbito da pessoa falecida.

Importante salientar que a certidão de óbito pode ser solicitada por qualquer pessoa no Brasil. Basta saber o Cartório de Registro Civil em que o documento foi emitido e solicitar uma segunda via, cujo custo varia por Estado – em São Paulo, o valor é de R$ 43,01.

A Arpen-Brasil (Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais) também emite a segunda via do documento por meio do site registrocivil.org.br. Mas é fundamental informar, na solicitação, o cartório que guarda a certidão original.

Fábio Botelho Egas, advogado especialista em sucessão e família de São Paulo, lembra que a CENSEC só lista testamentos públicos. “O documento é redigido por tabelião e reconhecido por testemunhas”, diz o especialista.

Se o testamento for público, a CENSEC sinaliza onde o documento está localizado (nome do cartório), quem o fez e a data.

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Testamento particular

Já no testamento particular, feito sem nenhuma interferência do poder público, é o testamenteiro quem dará ciência sobre a existência do documento. “O testamenteiro é a pessoa nomeada pelo dono do testamento responsável por fazer cumprir a sua vontade sucessória”, explica Egas.

“Após a morte de quem deixou o testamento, o testamenteiro precisa protocolar um pedido de reconhecimento da existência de testamento particular. Essa informação entra nos arquivos da Justiça”, completa o especialista.

Nos dois tipos de testamento (público e privado), se houver algum bem deixado por uma pessoa, o beneficiário será notificado pelo juiz para iniciar o processo de partilha. 

Como a pessoa que tem herança é localizada?

Após o falecimento, sempre que houver bens e dívidas, será  necessário fazer um inventário, cujo prazo legal é de 60 dias, a contar da data da morte, segundo determina o artigo 611 do Código Civil.

A legislação também diz que se houver herdeiro menor de idade ou incapaz, testamento ou ausência de consenso entre os beneficiários da herança, o inventário será judicial, ou seja, mediado na Justiça.

No caso do inventário judicial, a pessoa que fez a abertura do inventário (cônjuge ou companheiro, descendente ou ascendente, testamenteiro) deverá apresentar a lista de todos os herdeiros do falecido, bem como os bens a serem partilhados.

Juliana Orticelli, advogada especializada em Direito de Família e Sucessões do escritório Marina Dinamarco, explica que na citação dos herdeiros é primordial que conste o endereço de todos eles.

“Na hipótese de um herdeiro não ser localizado, será realizada a sua citação por edital, quando os jornais oficiais disponibilizam essa informação para que o interessado ingresse no processo judicial”, diz a especialista.

Se o inventário for extrajudicial, não há necessidade dessa formalização. Nesta modalidade, os herdeiros são maiores de 18 anos e têm consenso sobre a divisão dos bens existentes, que serão partilhados em acordo registrado por todos eles em cartório. 

E quando não há herdeiros?

Caso nenhum herdeiro seja localizado, após cinco anos da publicação do edital, o patrimônio da pessoa falecida é incorporado pelo poder público, diz Samir Farhat, advogado do escritório Arbach & Farhat.

“A herança vacante é transmitida ao município, a depender de sua localização, ou à União, se situada em território federal. A administração desses bens, até a sua definitiva transferência à administração pública, ficará a cargo de pessoa nomeada pelo juízo onde se processa o inventário”, explica Farhat.

O especialista reforça que os editais de intimação de herdeiros são publicados pelo tribunal da área em que a pessoa morreu. O possível herdeiro, portanto, precisa fazer uma busca ativa nesta região dentro do prazo estipulado.

Um projeto de lei em tramitação no Senado, entretanto, quer dar outro destino às heranças sem herdeiros. De autoria do senador Flávio Arns (Rede-PR), o PL 6.281/2019 pretende destinar esses bens às instituições de assistência social.

O texto da lei está em tramitação lenta. Sua última movimentação, de dezembro de 2022, apontava que o PL estava na Secretaria de Apoio à Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

Herança dividida sem conhecimento do herdeiro

O herdeiro excluído da partilha do patrimônio deve ingressar com uma ação de petição de herança para exigir a parte que lhe cabe, segundo determina o Código Civil.

“Caso seja comprovado que o indivíduo deveria receber uma parte da herança, os outros herdeiros serão obrigados a restituir os bens que lhe tocaram indevidamente”, explica a advogada Juliana Orticelli. 

 Há prazo para solicitar a herança?

O herdeiro tem prazo de dez anos, a contar da data do falecimento do autor da herança, para requerer participação na partilha. Passado este período, ele não terá direito a receber a herança.

Os especialistas reforçam que também há um prazo legal de quatro anos para um testamento ser contestado – contados a partir da abertura do processo de sucessão.

O prazo muda no caso de filho concebido fora do casamento e que consegue provar a filiação após a morte do pai. A advogada Juliana Orticelli explica que, neste caso, o prazo passa a contar “do reconhecimento da paternidade e não da data do falecimento [quando ocorre a abertura da sucessão]”. 

Foi o que aconteceu no espólio de Antônio Carlos Bernardes Gomes, o Mussum (1941-1994), integrante de “Os Trapalhões”. Em seu testamento, o humorista deixou patrimônio para cinco filhos reconhecidos. Um sexto herdeiro, porém, conseguiu via exame de DNA provar que também era filho de Mussum, após a morte do artista. Agora, bens e direitos autorais de uso de imagem do humorista estão sob discussão na Justiça para a inclusão do sexto herdeiro como beneficiário.

Outras fontes de pesquisa

Os especialistas consultados pelo InvestNews apontam que existem outras fontes de dados que podem apontar para a existência de bens que um herdeiro pode ter direito.

Uma dessas fontes são os cartórios de registro de imóveis. O Saec (Serviço de Atendimento Eletrônico Compartilhado), lançado pela Corregedoria Nacional de Justiça em 2021, agrega todas as informações de transações vinculadas a imóveis.

O SVR (Sistema de Valores a Receber), do Banco Central, também pode ser consultado. Nele, o solicitante ingressa com o CPF e a data de nascimento do falecido para verificar se ele deixou dinheiro em contas bancárias. É preciso entrar em contato com os bancos para saber como retirar os valores.

No buscador da Susep (Superintendência de Seguros Privados) é possível saber informações sobre seguros de vida e quem são os beneficiários das apólices (contratos).

“Também é importante a realização de uma pesquisa em nome do falecido e em nome do herdeiro nos tribunais, para averiguar se existe ou existiu algum inventário dos bens deixados pelo falecido”, reforça a advogada Juliana Orticelli.

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