Finanças
Demanda por título público atrelado à inflação cai e dificulta gestão da dívida pelo Tesouro
A estratégia de longo prazo do Tesouro de ampliar a participação de títulos ligados à inflação pode ser afetada com a menor demanda pelos papeis
O Tesouro Nacional tem visto a demanda por seus títulos ligados à inflação secar, mesmo pagando taxas mais altas em meio ao ambiente de incertezas externas e domésticas, o que torna desafiador o plano do governo para alongar o prazo médio da dívida pública.
Retornos reais acima de 6% ao ano em papeis tão longos quanto os de 20 anos têm sido ofertados nas chamadas NTN-Bs, que pagam um prêmio acima do índice de preços ao consumidor IPCA, mas os volumes efetivamente vendidos nos leilões indicam pouco apetite por parte dos investidores.
Uma fonte do Ministério da Fazenda, falando sob condição de anonimato porque as discussões são privadas, demonstrou preocupação com o cenário, alertando que a estratégia de longo prazo do Tesouro de ampliar a participação de títulos ligados à inflação pode ser afetada.
No mercado, gestores confirmam o mau momento para os papéis.
“Se ano passado foi ruim, este ano está sendo tenebroso para as NTN-Bs”, reconheceu Daniel Leal, estrategista de renda fixa da corretora BCG e ex-coordenador de operações da Dívida Pública no Tesouro. “Está totalmente vazio e cada parte da curva está sofrendo por um motivo diferente.”
Segundo Leal, a média semanal de emissões de NTN-Bs está ficando um pouco abaixo da metade do patamar necessário para o Tesouro atingir o meio do intervalo de participação almejado, que é de 27% a 31% da dívida pública federal este ano. No longo prazo, mirando 2035, o Tesouro busca aumentar esse patamar ainda mais, para 35%, conforme seu Plano Anual de Financiamento.
Ao fim do primeiro trimestre, o percentual havia caído a 29,95%, de 32,00% em março de 2023.
“Esse mercado ruim está afetando bastante o Tesouro, e como consequência ele vai ter uma composição da dívida pior no final do ano do que ele tinha no início do ano”, disse Leal.
O Tesouro busca no longo prazo aumentar a participação de NTN-Bs e títulos prefixados na dívida porque o custo associado a esses papeis é mais previsível e envolve menos riscos do que o associado aos títulos que flutuam com a Selic ou com o câmbio, que podem variar bruscamente devido a choques macroeconômicos.
Profissionais do mercado ouvidos pela Reuters afirmaram que as dificuldades do Tesouro em negociar NTN-Bs nos leilões semanais estão ligadas principalmente à concorrência exercida pelos títulos ofertados no mercado secundário e pelas emissões de debêntures indexadas ao IPCA neste primeiro semestre do ano.
Nas últimas semanas, o avanço dos rendimentos das Treasuries norte-americanas, ponderaram os profissionais, levou à abertura da curva de juros também no Brasil, com consequente redução dos preços dos papeis. A reação de parte do mercado foi vender NTN-Bs para limitar os prejuízos. Em muitos casos, fundos foram obrigados a negociar títulos no mercado secundário por conta de mecanismos de “stop loss” (parada de perdas), que preveem parâmetros automáticos de venda ou compra para amenizar riscos.
“O que temos visto é que há um fluxo vendedor bem relevante. Fundos institucionais estão desmontando posições e vendendo NTN-Bs no secundário, o que acaba levando a uma concorrência com o leilão do Tesouro”, comentou Rafael Sueishi, head de renda fixa da Manchester Investimentos.
O estrategista-chefe da Warren Rena, Sérgio Goldenstein, pontuou que a abertura da curva de juros no Brasil de fato gerou perdas para alguns participantes, que foram obrigados a vender NTN-Bs no mercado secundário.
“Vemos tanto vendas no mercado secundário quanto menor apetite para aquisições de NTN-Bs no mercado primário”, afirmou Goldenstein.
“Um segundo fator é que houve uma emissão muito forte do setor privado de debêntures indexadas ao IPCA, ao longo deste ano. E essas emissões privadas também representam uma concorrência (para os leilões do Tesouro)”, acrescentou.
Dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros (Anbima) mostram que no primeiro quadrimestre de 2024 as emissões de debêntures indexadas ao IPCA somaram 34,1 bilhões de reais — seis vezes os 5,7 bilhões de reais dos quatro primeiros meses do ano passado.
Ao apresentar seu plano de financiamento em janeiro, o Tesouro destacou a importância da ampliação da participação das NTN-Bs, elencando o título e os papeis prefixados entre os fatores dos quais o governo depende para que seja observado um aumento do prazo médio da dívida pública.
Na ocasião, porém, o órgão disse que previa mais emissões de títulos ligados à Selic no curto prazo até que fosse observada uma melhora estrutural na dívida pública, com classificação de risco mais positiva do país e retorno de investidores estrangeiros.
Diante de uma inflação anual que fechou abril em 3,69%, os títulos atrelados ao IPCA também acabam sendo menos procurados, com investidores privilegiando os papeis ligados à taxa básica de juros que, a despeito do ciclo de cortes iniciado em agosto passado, está ainda em 10,50% ao ano.
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