Divórcio Unilateral: entenda a separação que não precisa de acordo em novo Código Civil

Proposta promete simplificar e acelerar a dissolução do vínculo conjugal

Foto: Getty Images/heliopix

Terminar um casamento nunca é fácil. Quando entram na jogada a divisão de bens e a guarda dos filhos, o divórcio pode virar um verdadeiro labirinto: demorado e cheio de desgaste emocional. Mas essa realidade pode mudar.

Um projeto de lei em tramitação no Congresso quer modernizar o Código Civil e trazer o divórcio unilateral para o Brasil. Essa modalidade permite que um dos cônjuges encerre o casamento sozinho, direto no cartório, sem precisar do aval do parceiro.

Na prática, essa nova lei vai permitir que o divórcio seja concretizado caso um dos cônjuges desejar, mesmo sem o concentimento do outro. E, nesse caso, a discussão sobre a divisão de bens e a guarda dos filhos – que muitas vezes acabam atrasando a conclusão do divórcio e gerando muita tensão – aconteça em outro processo.

Como vai funcionar?

A pessoa interessada poderá exigir o pedido de divórcio unilateral no mesmo cartório de Registro Civil em que foi registrado o casamento ou a união estável.

O outro parceiro envolvido terá de ser notificado pessoalmente. Caso não seja encontrado, a notificação acontece por edital, após esgotadas as tentativas de localização.

Cumprida a notificação, o oficial do cartório deverá averbar (mudar) o documento em até cinco dias. A pessoa interessada também poderá retomar seu nome de solteiro, e essa alteração poderá ser registrada automaticamente. O texto não prevê contestação, já que o direito ao divórcio é potestativo (depende apenas da vontade de um dos cônjuges).

LEIA MAIS: Calculadora de divórcio: como proteger o bolso?

Quais são os avanços?

Segundo especialistas em Direito de Família consultados pelo InvestNews, a medida representa um avanço por não estabelecer nenhum outro requisito além da vontade própria de um dos parceiros para concretizar a separação.

Não é necessário comprovar culpa, litígio ou mesmo consenso sobre a partilha de bens ou guarda dos filhos, o que representa uma ruptura em relação ao divórcio extrajudicial realizado hoje – esse exige consenso e a não existência de filhos menores ou inválidos.

O divórcio unilateral direto em cartório elimina a necessidade de homologação judicial, tornando o processo mais rápido e menos burocrático.

Para perceber os avanços, basta olhar para o passado. O Código Civil de 1916, por exemplo, era paternalista. A autoridade e os direitos estavam centrados na figura masculina do pai. A mulher exercia a uma posição de subordinação. Sob aquela lei, a mulher se casava e saía da autoridade do pai para a autoridade do marido.

Muitas décadas depois, esta sistemática social passou por algumas alterações. O Código Civil de 2022 trouxe, por exemplo, conceitos de felicidade e a necessidade de realização pessoal de todos os membros da família.

A nova proposta de reforma do Código Civil, que agora tramita no Congresso, busca ampliar ainda mais a autonomia nas famílias brasileiras, desburocratizar situações que podem ser resolvidas em cartórios para deixar o Judiciário somente com os litígios.

LEIA MAIS: Você pensa em casar? Com planilha e renda fixa, é possível ser feliz

Como é o divórcio unilateral no exterior?

Em países como a Espanha, o chamado “divórcio expresso” permite divórcios administrativos em casos consensuais, mas ainda exige a manifestação conjunta dos cônjuges.

Nos Estados Unidos, alguns estados permitem o “no-fault divorce (divórcio sem culpa)” unilateral, ou seja, sem a necessidade de provar culpa ou obter consentimento, embora o trâmite se dê judicialmente.

Já o modelo brasileiro proposto seria pioneiro ao permitir divórcio unilateral e extrajudicial no cartório, mesmo sem a presença ou anuência do outro cônjuge.

O que fica de fora na proposta brasileira?

O procedimento não permite a inclusão de outros pedidos, como partilha de bens, guarda de filhos, alimentos ou medidas protetivas. Apenas a alteração do nome pode ser solicitada junto ao pedido de divórcio unilateral.

As questões patrimoniais e relativas aos filhos deverão ser resolvidas em trâmites separados. Se houver consenso entre o casal, a partilha de bens e a guarda de filhos poderão ser tratadas perante Cartórios de Títulos e Documentos, sendo obrigatória, no segundo caso, a intervenção do Ministério Público.

LEIA MAIS: Filhos que abandonam os pais podem ficar sem bens; entenda

Ponto de atenção

Os especialistas apontam que a proposta reforça a autonomia da vontade e a liberdade individual. No entanto, há preocupações quanto à proteção de pessoas em situação de vulnerabilidade, especialmente mulheres economicamente dependentes.

Embora o direito à pensão alimentícia não dependa da manutenção do vínculo matrimonial, os especialistas alertam para a necessidade de orientação jurídica adequada, a fim de evitar que os direitos sejam negligenciados no momento da separação.

LEIA MAIS: Regimes de casamento: como eles afetam os investimentos?

Quero segurança jurídica: o que fazer?

Para garantir a segurança jurídica e a Justiça nas mudanças propostas pelo modelo de divórcio unilateral direto em cartório, é essencial que a notificação do cônjuge seja realizada de forma eficaz, com comprovação formal e adequada publicidade do ato, assegurando que ele tome ciência do rompimento do vínculo.

Também é imprescindível que os cartórios adotem procedimentos padronizados, com controle rigoroso de prazos e documentação, evitando interpretações divergentes e garantindo uniformidade na aplicação da norma.

Além disso, devem ser disponibilizados serviços de orientação jurídica gratuita, especialmente voltados a cônjuges em situação de vulnerabilidade, para assegurar o pleno exercício de seus direitos.

O sistema também deve garantir o acesso posterior e facilitado ao Judiciário para tratar de questões como partilha de bens, alimentos e guarda de filhos, de modo a proteger os interesses das partes e evitar prejuízos decorrentes da “desjudicialização” do divórcio.

Agradecimentos: Laísa Santos, advogada especialista em Planejamento Patrimonial e Sucessório; Roberta Capistrano Haramura, do Fabio Kadi Advogados; e Max Bandeira, sócio do Bandeira Damasceno Advogados.

Exit mobile version