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Financiamento imobiliário dispara, mas alta de juros e desemprego alertam bancos

A Selic pode estar baixa agora por conta da pandemia, mas a perspectiva é que uma futura alta possa pressionar as parcelas dos financiamentos.

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Ter a primeira casa em Suzano, na região metropolitana de São Paulo, parecia um sonho distante quando o tatuador Fernando do Prado e a técnica em farmácia Jenifer Ferreira ficaram noivos em janeiro.

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Eles logo perceberam, porém, que estaria ao alcance deles se usassem suas economias como entrada, com o pagamento do financiamento de um apartamento de tamanho semelhante na periferia da maior cidade da América do Sul custando menos da metade do aluguel mensal equivalente.

“Significou muito para nós começarmos nossas vidas juntos já possuindo nossa casa”, disse Jenifer depois que o sonho do casal se tornou realidade em setembro com a compra de um apartamento de dois quartos.

A forte queda nas taxas de juros deflagrou um boom de financiamento imobiliário no Brasil, tornando viável a compra da casa própria para milhares como Jenifer e Fernando e permitindo a outros mudar para imóveis maiores ou comprar uma casa de praia ou de campo.

O aumento é bem-vindo para os bancos Itaú Unibanco, Bradesco e Santander Brasil, cujas carteiras de crédito ficaram sob pressão com a crise do coronavírus.

A Covid-19 também gerou perdas enormes de empregos e um aumento, pelo menos inicial, dos ativos problemáticos nos financiamentos imobiliários, o que pode se mostrar um caminho potencialmente traiçoeiro mais à frente para tomadores e credores, a depender do desenrolar da crise.

O último boom imobiliário do Brasil terminou mal, mas os banqueiros dizem que este é diferente, pois é impulsionado por taxas de juros baixas e é sustentado por cuidadosos modelos de crédito.

“O mercado imobiliário no Brasil está bem abaixo de seu potencial, deixando muito espaço para crescimento, apesar do estresse econômico”, disse Danilo Caffaro, diretor de crédito imobiliário do Itaú.

Os financiamentos imobiliários aumentaram 49% no acumulado do ano até outubro em relação ao mesmo período de 2019, para seu maior volume mensal desde 1994, mostraram dados da associação de financiamentos imobiliários do Brasil, a Abecip, impulsionados pela queda na taxa Selic para 2%, ante mais de 14% em 2016.

Comprar um imóvel agora se tornou muito mais competitivo e cada queda de um ponto percentual nas taxas de juros traz o financiamento imobiliário ao alcance de mais 2,8 milhões de famílias, diz a associação de incorporadoras imobiliárias, a Abrainc.

“As taxas baixas tornam o financiamento imobiliário muito mais palatável e permitem que mais e mais pessoas aproveitem… Então, aquelas pessoas que não foram atingidas pela pandemia mantiveram seus planos de aquisição”, disse Cristiane Portella, presidente da Abecip.

Sinais de alerta

O mercado de financiamento imobiliário no Brasil ainda é nascente, com empréstimos imobiliários em aberto totalizando R$ 720 bilhões, ou cerca de 10% do PIB, o que é menos da metade da proporção no Chile e um quinto da participação nos Estados Unidos.

Economistas estimam que o Brasil tenha um déficit habitacional de cerca de 4,5 milhões de unidades, uma lacuna tentadora para bancos e incorporadores.

Rafael Menin, presidente da MRV, prevê que as vendas de casas surfarão uma onda de alta pelos próximos 20 a 30 anos se as taxas de juros continuarem em níveis baixos.

Porém, a expectativa é que a Selic suba nos próximos anos. Uma pesquisa do Banco Central dá uma previsão para a taxa básica de juros chegar em 3% em 2021, 4,5% em 2022 e 6% em 2023. Mesmo assim, o financiamento imobiliário se tornou uma das áreas de crédito de crescimento mais rápido para os bancos, ávidos por empréstimos com garantias, já que a Covid-19 ameaça colocar consumidores e empresas em situação de inadimplência.

Mas, embora as hipotecas pareçam um caminho de menor risco, alguns céticos alertam que pode haver algum tropeço. Isso ocorre em parte porque, ao contrário dos bancos norte-americanos, que vendem quase todos seus financiamentos imobiliários a investidores, os bancos brasileiros mantêm a maioria em seus balanços.

Na Caixa Econômica Federal, esses financiamentos representam 66% de sua carteira de empréstimos, enquanto os bancos do setor privado têm de 6% a 8%.

Os bancos insistem que modelos de crédito cautelosos com garantias manterão os riscos baixos e, embora os reguladores proíbam os tomadores de empréstimos de financiar mais de 80% do valor de uma casa, os credores têm mantido, em média, esse índice mais baixo, próximo de 60%.

No entanto, o volume de ativos problemáticos chegou a aumentar, atingindo o recorde de 6% de todos os empréstimos imobiliários em aberto de todos os bancos no primeiro semestre de 2020, mostram dados do Banco Central em relatório de estabilidade financeira.

Os financiamentos imobiliários responderam por 61% de todos os empréstimos concedidos como parte do amplo programa de concessão de carência do setor bancário durante a pandemia, apontou o regulador.

Isso representou um soluço temporário, já que 80% dos tomadores de empréstimos retomaram os pagamentos regulares em setembro, disse o BC à Reuters. Os tomadores continuam solicitando períodos de carência, mas em um ritmo menor, disse o regulador.

Erros passados

Há pouco mais de cinco anos, um boom imobiliário terminou com os bancos retomando centenas de apartamentos e prédios inteiros, dos quais se desfizeram com descontos posteriormente.

Mas bancos e construtoras dizem que esses erros não se repetirão por causa dos juros baixos e novas regras de distratos.

No entanto, existem riscos no horizonte e um aumento na taxa básica de juros – que os economistas veem como provável em meio à crescente preocupação com a situação fiscal do Brasil – assim como a inflação, pode elevar o custo de alguns financiamentos.

Os empréstimos imobiliários com taxa variável ainda representam apenas 3% do total, mas dados recentes do BC mostram que eles estão em alta, expondo os mutuários a qualquer aumento nas taxas. E outro aumento do desemprego, que já está em 14,6%, também pode representar um risco até para quem tem empréstimos com taxa fixa.

“Pode haver alguns problemas aqui e ali para os bancos, mas não vejo um risco sistêmico. Ao contrário da última crise imobiliária, os preços das moradias e dos juros estão baixos no momento”, disse o analista Fábio Fonseca, sócio da JGP Gestão de Recursos.

Mesmo assim, há sinais de aumento dos preços, com os valores em alguns bairros de São Paulo subindo em 2020. A Cyrela disse que a demanda aumentou os preços de lançamentos no bairro do Brooklin, em São Paulo, em cerca de 5% em menos de um ano, embora nem todas as cidades tenham visto esses ganhos.

O diretor de crédito imobiliário do Bradesco, Romero Albuquerque, disse que, embora a turbulência provocada pela pandemia de Covid-19 tenha levado seu banco e outros a aumentar os critérios de concessão de crédito, ainda há muito a ser feito.

“As baixas taxas de juros tornaram o financiamento imobiliário tão mais barato que a demanda é enorme, mesmo considerando apenas os pagadores muito bons”, disse ele.

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