Com medo da dívida americana, gestores fogem de títulos públicos e mergulham no crédito privado

Déficits crescentes podem tirar dos Treasuries o papel de investimento mais seguro que existe

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Investidores estão tirando dinheiro dos títulos públicos americanos e alocando em dívida corporativa.

Se esse movimento seguir, pode significar a queda de um dos dogmas do mercado: o de que nada é mais seguro do que comprar dívida do governo dos EUA. À medida que os déficits fiscais americanos aumentam — pressionados por cortes de impostos e pelo aumento dos juros —, o governo recorre a mais mais endividamento, e a dívida corporativa pode parecer uma opção mais segura, ao menos para alguns.

Em junho, gestores de fundos sacaram US$ 3,9 bilhões de Treasuries (títulos do Tesouro dos EUA), e compraram US$ 10 bilhões em dívida corporativa nos EUA e na Europa, segundo dados da EPFR Global. Em julho, investidores adicionaram mais US$ 13 bilhões em títulos corporativos de alta qualidade nos EUA — o maior volume líquido de compras registrado na série histórica desde 2015, segundo um relatório separado de estrategistas do Barclays divulgado na sexta-feira.

Michaël Nizard, gestor de portfólio da Edmond de Rothschild Asset Management, começou a migrar de dívida governamental para dívida corporativa no fim do ano passado — e continua mantendo essa posição.

Em nota divulgada na última semana, analistas da BlackRock escreveram: “O crédito se tornou uma escolha clara em termos de qualidade.”

Na medida em que essa mudança acontece, ela tem sido lenta. Os EUA não têm dívida em moeda estrangeira e podem simplesmente emitir mais dólares, se necessário. Quando os gestores ficaram alarmados com as guerras tarifárias em abril, os Treasuries ainda se saíram melhor do que os títulos corporativos — mesmo com a queda generalizada nos preços de ambos. E a demanda estrangeira por Treasuries continua resiliente, com os volumes subindo em maio.

Mas o aperto nos spreads dos títulos corporativos nos últimos meses pode refletir uma percepção de enfraquecimento relativo da dívida pública. O governo dos EUA perdeu sua última nota de classificação “AAA” em maio, quando a Moody’s rebaixou a nota para “Aa1”. A agência citou fatores como o aumento do déficit e do custo dos juros, prevendo que os pagamentos com juros vão consumir cerca de 30% da receita do governo até 2035 — ante 18% em 2024 e 9% em 2021.

E o amplo pacote de cortes de impostos do presidente Donald Trump pode adicionar cerca de US$ 3,4 trilhões ao déficit dos EUA na próxima década, segundo projeções do Escritório de Orçamento do Congresso (CBO), órgão apartidário.

Ao mesmo tempo, os lucros corporativos seguem relativamente fortes e, embora haja sinais iniciais de cautela, as empresas de alta qualidade estão, em geral, gerando lucros suficientes para pagar os juros com folga. Mais empresas americanas estão superando as estimativas de lucros neste trimestre do que no mesmo período do ano passado.

As avaliações dos títulos corporativos têm estado altas recentemente, refletindo a forte demanda dos investidores. Os spreads dos títulos corporativos de grau de investimento nos EUA ficaram abaixo de 0,8 ponto percentual (80 pontos-base) em média em julho até quinta-feira — bem abaixo da média da década, de cerca de 120 pontos-base, segundo dados do índice Bloomberg. Já os spreads de títulos corporativos de alta qualidade denominados em euro ficaram em cerca de 85 pontos-base em julho, ante uma média de cerca de 123 pontos-base na década.

Para alguns gestores, essas avaliações elevadas são motivo de cautela. Gershon Distenfeld, gestor da AllianceBernstein Holding LP, reduziu neste mês uma posição que favorecia risco de crédito em vez de risco de juros. Dominique Braeuninger, gestor multiestratégia da Schroders Investment Management Ltd., também considera que os spreads estão estreitos demais para tornar os títulos corporativos atrativos.

Mesmo com a visão geralmente positiva da BlackRock sobre a dívida corporativa, a gestora está com posição abaixo da média em papéis de longo prazo, justamente por causa dos spreads estreitos — e, ao mesmo tempo, com posição acima da média em crédito de curto prazo.

Mas para muitos analistas, o mundo está mudando, e faz sentido deter mais dívida corporativa neste momento.

“O que temos visto no lado fiscal do governo não é exatamente uma boa notícia”, disse Jason Simpson, estrategista sênior de renda fixa em ETFs da SPDR na State Street Investment Management. “As empresas, por outro lado, parecem seguir em frente tranquilamente.”

(Por Natasha Doff e Cecile Gutscher)

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