Finanças
Os shoppings reabriram, mas o investidor deve ir às compras?
Mercado precificou positivamente a abertura, mas especialistas divergem sobre o futuro das empresas que administram estes templos do consumo.
Após 83 dias fechados pela pandemia, os shoppings de São Paulo e Rio de Janeiro reabriram na última semana. Inicialmente com horários de funcionamento limitados a 4 horas e 20% da capacidade de lotação, um dos principais polos de consumo da economia brasileira está voltando a funcionar. Mas no “novo normal” da pandemia, o segmento deve enfrentar desafios pela frente.
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O mercado já precificou a reabertura dos shoppings. Segundo dados da Economatica, desde o dia 15 de maio até o fechamento de quarta-feira (10), as ações das operadoras de shoppings tiveram forte valorização na B3: Alianscsonae (ALSO3) avançou 38,86%, seguida de BR Malls (BRML3), que subiu 32,86%. Já as ações das operadoras Iguatemi (IGTA3) e Multiplan (MULT3), valorizaram 30,69% e 25,41%, respectivamente.
Contudo, o mercado ainda questiona se a valorização refletiu um otimismo exagerado ou se o novo patamar de alta é sustentável.
Antes da pandemia, a principal fonte de receita dos shoppings era a locação de espaços para lojistas, assim como o pagamento de luvas dos novos locatários, com valores que podiam chegar a R$ 500 mil. Com a Covid-19 e o fechamento dos shoppings em meados de março, os lojistas enfrentaram um grave desequilíbrio financeiro, o que os levou a renegociar os alugueis e, em casos extremos, à inadimplência, prejudicando ainda mais as operadoras.
Como quarentena era sinônimo de shopping fechado, o mercado também precificou essas perdas. Segundo levantamento da Economatica, no intervalo de 15 de março a 15 de maio, as ações das operadoras apresentaram forte queda. Alianscsonae (ALSO3) e BR Malls (BRML3) foram os mais impactados, caindo 34,52% e 29,59%, respectivamente. Enquanto Iguatemi (IGTA3) e Multiplan (MULT3), recuaram 23,21% e 24,11%.
Muitos desafios pela frente
Apesar do otimismo dos investidores com a reabertura dos shoppings, Flavio Riberi, professor de contabilidade e finanças da Faculdade Fipecafi, adverte que ainda há muitos desafios. O primeiro é o aumento de despesas na operação. Com a pandemia, surgem despesas extraordinárias, como zeladoria, mais investimento em higiene e limpeza, assim como mão de obra para evitar a contaminação.
“Os shoppings tinham uma estrutura de custos muito enxuta que agora vai aumentar, com mais funcionários e cuidados sanitários”, afirma. Enquanto as despesas aumentam, Riberi aponta que as receitas do shopping podem cair com a inadimplência dos contratos de locação. “Mesmo os lojistas retomando as atividades, o lucro ainda impede bancar 100% dos aluguéis, dando espaço para a negociação”, acrescenta.
Além destes fatores, os shoppings ainda devem encarar um novo comportamento do consumidor, que tem a renda restrita com desemprego e que na pandemia perdeu o receio de fazer compras online. “No médio prazo, o e-commerce pode ser uma ameaça. Os shoppings vão precisar repensar a sua verdadeira função”. A recuperação não deve ocorrer no 2º trimestre, de acordo com Riberi e, para não cair na especulação, ele aconselha ao investidor ficar de olho nos balanços das companhias. “É importante comparar os balanços de anos anteriores com os do primeiro trimestre. A alta destas ações não é por causa dos shoppings e sim um impacto macro na bolsa“, diz.
A pergunta que fica: com mais despesa e menos receita, os shoppings estão preparados para encarar a reabertura?
De olho nos fundamentos
Como diria Warren Buffet: “Você só descobre quem está nadando pelado quando a maré está baixa”. No caso dos shoppings, é preciso olhar para o passado para entender com o que o investidor está lidando.
Segundo um levantamento da Sabe Invest, das quatro operadoras de shoppings acima citadas, a Multiplan (MULT3) seria a companhia com o melhor fundamento. Nos últimos 5 anos, a companhia teve um crescimento anual dos lucros de 5,33%. No primeiro trimestre de 2020, mesmo na pandemia, a Multiplan teve lucro de R$ 178 milhões, um aumento de quase 95% se comparada ao mesmo período de 2019.
Olhando para a alavancagem da companhia (relação entre a dívida líquida da companhia e a geração de caixa medida pelo Ebitda), a Multiplan se manteve quase no patamar ideal, que é de 3 vezes. Em 2019, a alavancagem da companhia foi de 3,33. E no 1º trimestre de 2020, foi de 2,5. As dívidas aumentaram apenas 1,16% por ano desde 2015. Por outro lado, a valorização das ações nos últimos 5 anos foi de 51,1%.
A segunda companhia mais forte é o Iguatemi (IGTA3). Nos últimos 5 anos os lucros experimentaram um crescimento anual de 10,2%. Contudo, a pandemia impactou o desempenho. No 1º trimestre de 2020, a companhia lucrou apenas R$ 12,45 milhões, um resultado 77,54% pior de comparado a 2019.
Nos últimos 5 anos, a alavancagem da companhia recuou 8,33% a cada ano. Em 2019, era 2,61. No entanto, no 1º trimestre de 2020 a alavancagem subiu para 4,9. Nos últimos 5 anos, as ações do Iguatemi valorizaram 53,8%.
Em terceiro lugar está a BR Malls (BRML3), que nos últimos 5 anos experimentou um crescimento nos lucros de 83,7% e uma valorização das ações de 19,5%. A companhia apresentou prejuízo apenas em 2017 e na comparação anual do 1º trimestre de 2020 contra o 1º trimestre de 2019, quando recuou 21,84%.
A alavancagem da companhia no 1º trimestre de 2020 foi de 6,7. Nos últimos 5 anos a dívida recuou 14,19% anualmente.
Na última posição, uma companhia ainda difícil de avaliar. É a Aliansce Sonae Shopping Centers (ALSO3), que nasceu fruto da fusão da Aliansce Shopping Centers e Sonae Sierra Brasil, em agosto de 2019. Comparando o 1º trimestre de 2020 com o mesmo período em 2019, o lucro da companhia subiu 147,50%, apesar da pandemia. Mas nos últimos 9 meses, as ações desvalorizaram 16,74%.
Luiz Guilherme Dias, CEO da Sabe Invest conclui que as quatro companhias devem ter resultados ruins ainda no 2º trimestre. Apesar de tudo, garante que estas possuem fundamentos econômicos e caixa suficiente para encarar a retomada. “O mercado está mudando e no futuro precisaremos avaliar as empresas além dos fundamentos econômicos, considerando também questões socioambientais e de governança”, aponta.
O mercado precifica
Apesar de tanta incerteza, o mercado seguiu uma dinâmica semelhante à exposta nos fundamentos das empresas. O InvestNews consultou alguns analistas para entender quais ações do setor se beneficiam com a retomada.
Todos os especialistas concordaram com as dificuldades apresentadas por Riberi no começo da reportagem, que devem impactar também no preço das ações. Para Gustavo Akamine, analista fundamentalista da Constância Investimentos, as ações dos shoppings Iguatemi (IGTA3) e Multiplan (MULT3) foram as menos impactadas com a crise por atender um segmento de renda mais premium.
“Shoppings como estes geralmente têm lojistas com caixa mais forte e folego para aturar a crise. São companhias mais maduras”, aponta. Já BR Malls (BRML3) e Aliansc Sonae (ALSO3), que atendem outro categoria de renda, não tiveram a mesma sorte, sentindo mais os impactos. “Agora na reabertura gradual, as ações seguem este fluxo no curto prazo, que deve durar até o final de 2020”, avalia Akamine.
Pedro Galdi, da Mirae Asset, acredita que a retomada gradual dos shoppings deve atrair os investidores e aposta na liderança de Iguatemi (IGTA3) pela qualidade dos ativos, enquanto coloca Aliansce Sonae (ALSO3) na última posição do setor.
Para Cristiano Correa, professor de finanças do Ibmec, o comportamento das quatro operadoras de shoppings foi semelhante na crise, e deve seguir o mesmo fluxo na recuperação. “Se olharmos na análise gráfica as curvas de quedas e altas são semelhantes. Especialmente para Iguatemi, Multiplan e BR Malls”, afirma e acrescenta que apenas Alianscsonae teve um comportamento diferente, mas sofreu mais em fevereiro.
Quando volta ao ritmo pré-pandemia?
Para Correa, o mercado já precificou a reabertura dos shoppings desde 15 de maio, período desde o qual as ações saltaram quase 60%. No entanto, para as 4 companhias recuperarem o ritmo pré-pandemia na bolsa, ainda deve levar um bom tempo. “O momento ainda é incerto, mas em 15 ou 20 dias será possível precificar a reação da população”, defende. Para Correa, só será possível ter um norte mais claro das ações quando os shoppings começarem a funcionar 8h por dia no lugar de 4h.
Ela reforça que o momento é de cautela e recomenda aos investidores ficar de olho se a empresa é capitalizada antes de sair comprando tudo na bolsa. “Um fator importante é enxergar que o preço médio da ação com base nos últimos 200 dias, que ainda não foi superado por nenhum dos 4 shoppings. O que significa que as companhias estão depreciadas”, afirma.
A última vez que a BR Malls ultrapassou o preço médio foi em maio de 2019. Na última quarta-feira (10), o shopping ficou 13% abaixo da média, mesmo com a retomada.