Finanças
Quem é o novo investidor da Bolsa, que atraiu 440 mil pessoas na quarentena
Mesmo com a forte queda das papéis, B3 viu um aumento de 22,6% em sua base de pessoas físicas entre o final de fevereiro e de abril; o que procura o iniciante no mercado de ações?
O forte tombo do Ibovespa durante a pandemia da Covid-19 não impediu a chegada de novos investidores à Bolsa. E quem vem impulsionando essa alta? É o brasileiro, pessoa física, homem e mulher de todos os estados, principalmente na faixa etária entre 16 e 45 anos — enquanto fundos e estrangeiros reduzem pouco a pouco sua participação na B3 (empresa que opera o mercado de ações no Brasil).
A bolsa brasileira viu um aumento de 22,6% no número de pessoas físicas cadastradas entre o final de fevereiro (antes do tombo dos mercados) e o final de abril, passando de 1,945 milhão para 2,385 milhões. Neste mesmo período, o principal indicador da bolsa paulista (Ibovespa) acumulou perda de 22,7%. No ano, recua 32%.
Em relação ao começo do ano, a base de pessoas físicas da bolsa cresceu 41% até agora. Segundo a B3, o número equivale ao total de CPFs cadastrados (pode haver mais de um registro por pessoa).
Correndo risco, mas com ‘pé no chão‘
O publicitário Carlos Eduardo, de 30 anos, percebeu no começo do ano que seus investimentos em poupança e renda fixa, como CDBs, não rendiam como antes. Ele ouviu dizer que a taxa Selic tinha diminuído e que a bolsa era uma saída para ter retornos mais satisfatórios. A porta de entrada na B3 foram os fundos imobiliários (FIIs), vistos como menos arriscados.
“Eram uma opção um pouco mais conservadora para quem está começando e depois me senti mais à vontade para começar a comprar ações”, conta. Ele diz que começou a ficar mais atento às quedas dos papéis na crise do coronavírus, mas se agarrou a algumas ações que ele já conhecia e via boas oportunidades para o futuro.
A analista de compliance Tatiane Genaro, de 34 anos, conhecia os riscos quando decidiu comprar ações pela primeira vez, em março deste ano — mês em que a bolsa desabou. O cenário econômico havia mudado depressa e ela viu oportunidade de ter um retorno melhor no longo prazo, mesmo correndo mais risco.
Ela diz ter um pouco de receio com as incertezas trazidas pela pandemia, mas acredita que é um bom momento para arriscar. “Por mais que demore um tempo para o mercado melhorar, dá para usar estratégias de diversificação, principalmente com ativos de empresas que tiveram quedas bem consideráveis, mas que têm grande possibilidade de melhora quando essa situação passar”, conta.
Tatiane conta que conseguiu obter um bom retorno com ações mesmo durante a crise e optou por investir mais um pouco do seu dinheiro em maio, de olho em uma possível recuperação do mercado. “Mas sempre com o pé no chão, para não arriscar demais”.
Confiante no médio e longo prazo
Para o professor de finanças do Ibmec, Gilberto Braga, o novo investidor da Bolsa é atraído pela percepção de que a renda fixa não compensa mais e, ao mesmo tempo, de que a pandemia levou a uma queda generalizada no preço de ações tradicionais de infraestrutura e de consumo, que passaram a ser consideradas baratas.
“São pessoas que acreditam que podem estar fazendo uma boa aposta para o médio e longo prazo e que esperam, no mínimo, que os papéis voltem a valer o que valiam antes da Covid-19”, explica o professor. Em sua visão, o novo investidor viu uma oportunidade de negócio, tem algum grau de informação e algum dinheiro a perder de vista.
A forte volatilidade da bolsa obrigou o investidor a prestar menos atenção nos gráficos e mais na análise fundamentalista (que estuda a “saúde” uma empresa), acredita Braga.
“Por incrível que pareça isso se torna mais atraente para quem não é profissional. A pessoa ouve dizer em alguma ‘live’ que tal empresa vai se recuperar lá na frente ou que certo setor vai se beneficiar de políticas governamentais e compra a ação”, diz, acrescentando que muitas das escolhas são feitas não com base estruturada, mas por um “palpite” de percepção.
A especialista em finanças e sócia da escola BSG DuoPrata, Betty Grobman, afirma que o baixo retorno da renda fixa incentivou mais pessoas a irem à bolsa. Mas acredita que o CDI (Certificado de Depósito Interbancário, referência em aplicações atreladas à Selic) ainda tem uma taxa de juro real interessante (descontada a inflação). Isso porque o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) de abril apontou para uma deflação de 0,31%.
“O pessoal desanima com a renda fixa e acaba indo para a Bolsa mesmo sem entender nada. É super válido, mas a qualidade e o ticket médio dos investimentos deve ter piorado, com muita gente entrando com pouco dinheiro e estrangeiros indo embora”, diz.
Estrangeiros saem pela porta dos fundos
Em maio, a proporção de pessoas físicas na bolsa cresceu para o recorde de 24,1%, enquanto os investidores institucionais (fundos) encolheram para 22,9% e os estrangeiros representaram 48,2%.
Com a taxa básica de juros em 3% e expectativas de uma queda histórica do PIB, os estrangeiros vêm retirando cada vez mais recursos da B3. Do começo de 2020 até o dia 8 de maio, eles levaram embora R$ 60,6 bilhões do mercado de ações brasileiro, mais que o recorde de entrada no ano inteiro de 2019 (R$ 44,5 bilhões). O movimento frustrou a expectativa de que 2020 reservava uma enxurrada de dinheiro gringo para dentro do país.