Finanças

Shein mira IPO com ‘valuation’ que equivale a soma de 12 grifes globais

Precificação estimada da companhia é de US$ 66 bilhões. Congressistas americanos pedem a proibição do IPO por suspeita de trabalho escravo.

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O pedido confidencial de IPO (oferta inicial de ações) da varejista chinesa Shein em Wall Street esta semana não foi exatamente uma surpresa, uma vez que ela já sinalizava tal intenção meses atrás. A questão é que a precificação estimada da companhia fundada 11 anos atrás é maior que o valor de mercado de empresas renomadas de moda e que têm atuação global há décadas. 

O valuation de US$ 66 bilhões buscado pela chinesa equivale ao valor somado de Ralph Lauren, Gap, VF Corp (dona das marcas Timberland e The North Face), Gildan Activewear (dona da Under Armour e New Balance), Levis, PVH Corp (das marcas Tommy Hilfiger e Calvin Klein), Abercrombie, Ermenezildo Zegna, Carters, Victoria’s Secret, Guess e a gigante americana de departamentos, Burlington (rival da famosa Macy’s).

A avaliação da Shein foi feita em maio, quando a plataforma focada em moda levantou cerca de US$ 2 bilhões, segundo o “The Wall Street Journal” (WSJ). Mas conforme apurou a “Bloomberg”, a meta é alavancar US$ 90 bilhões na oferta inicial de ações – o que a colocaria muito acima de todas as 12 companhias citadas, incluindo a rede H&M, avaliada em US$ 27 bilhões.

A questão é que, por regra da Securities and Exchanges Commission (SEC, ou a CVM americana), empresas em fase de IPO não têm por obrigação divulgar os documentos relativos à listagem, o que inclui detalhes sobre suas finanças e se estas sustentam a precificação buscada.

O WSJ avalia que a varejista arrecadou US$ 23 bilhões em receitas e teve lucro de US$ 800 milhões em todo ano de 2022. É aguardado que esses números sejam maiores hoje.

Resistência ao IPO

A questão é que a plataforma segue enfrentando resistência entre congressistas americanos, que enviaram em maio uma carta à SEC pedindo a proibição do IPO até que a chinesa prove que não utiliza trabalho escravo em suas fábricas parceiras, muito menos na cadeia de fornecedores.

Na carta, os congressistas apontam que existem sérias alegações de que a Shein usaria trabalho escravo ou mal remunerado na região chinesa Uigur, de Xinjiang. Essa região é conhecida pelos uigures, uma população marginalizada na China.

Mas se as práticas forem comprovadas, isso significa que a varejista estará infringindo uma lei americana aprovada em 2021 (Uyghur Forced Labor Prevent Act) e que proíbe a importação de produtos fabricados nessa região dada a associação ao trabalho escravo.

Teclado com carrinho de compras em frente ao logo da Shein 13/10/2020 REUTERS/Dado Ruvic/Ilustração

Desde então, a Proteção de Fronteiras dos EUA e da Alfândega bloqueou bens no valor de US$ 2 bilhões, de produtos eletrônicos à vestuário, segundo a mídia Nikkei Ásia. A proibição está programada para durar oito anos.

“Apoiamos fortemente esse esforço bipartidário para forçar as bolsas de valores dos EUA a proteger os direitos humanos e já passou da hora de elas pararem de permitir que empresas como essa [Shein] tenham acesso aos nossos mercados”, aponta trecho da carta.

TRECHO DE CARTA DE CONGRESISTAS AMERICANOS CONTRA IPO DA SHEIN.

A questão é que as bolsas americanas não têm um “Novo Mercado” como funciona na B3, observa Willian Castro Alves, estrategista da Avenue nos EUA. Esse segmento de listagem conduz as empresas ao mais elevado padrão de governança corporativa, segundo a bolsa brasileira.

“Cada uma das bolsas aqui nos EUA têm suas regras, mas não têm um novo mercado. A SEC e a FINRA possuem regras de publicação de balanço que as companhias têm que prestar contas, mas não necessariamente abrange níveis de governança”.

No entanto, o especialista observa que a varejista protocolou o pedido de oferta em sigilo dada a pressão de congressistas pela proibição do IPO, o que dá tempo para a chinesa estar de acordo com parâmetros impostos pela SEC.

“É mais um movimento dos congressistas para barrar a oferta da Shein, da mesma forma que no governo Trump algumas ações de controle estatal chinês foram bloqueadas”.

willian castro alves, estragista da avenue.

A questão é que a companhia terá de continuar se provando também depois de lançar ações ao mercado, uma vez que o segmento de moda e fast fashion é complexo, na avaliação de Alves, e até por isso, marcas reconhecidas e de peso no setor têm um valor de mercado menor.

“As empresas de varejo de moda vêm perdendo muito espaço, seja por conta de como mudou o consumo, a concorrência que ficou mais acirrada, novas empresas com produtos muito baratos, o que ocasionou inclusive quebras, como o caso da Forever 21, que entrou e saiu de uma RJ. Mas impressiona o valor esperado pelo IPO da Shein, mesmo sendo uma empresa que vem entregando resultados”.

Há cerca de três meses, um acordo entre Shein e o grupo detentor da Forever 21 vai levar as peças da varejista americana para a plataforma da chinesa. Em contrapartida, a Forever 21 vai ganhar acesso à base de mais de 150 milhões de clientes da Shein. Isso deve aumentar o acesso à plataforma da varejista americana que saiu de uma recuperação judicial em 2020.

Boicote da China

A questão é que grupos de direitos humanos acusam Pequim de prender cerca de 10 milhões de uigures e outras minorias muçulmanas em campos de prisioneiros, alegações que as autoridades chinesas negam. Estes campos são, por sua vez, zonas de produção de algodão utilizadas em roupas da Shein, mas também de varejistas ocidentais, como H&M e Nike

Estas marcas se posicionaram contra o suposto uso de trabalho forçado na produção de algodão na província chinesa de Xinjiang, o que revoltou chineses nas redes sociais. Personalidades públicas do país que tinham contratos com as marcas chegaram a romper, segundo a agência France Press (AFP).

Produtos da HM, a segunda maior varejista de roupas do mundo, desapareceram dos sites de e-commerce Taobao e Alibaba no ano passado em retaliação. 

Somado a isso, sanções dos governos americanos e europeus sobre Xinjiang geraram resistência do governo chinês, que chama esses campos de “centros de treinamento vocacional” projetados para combater a pobreza e o extremismo religioso.

No entanto, o comércio exterior da região de Xinjiang saltou 40%, para um recorde de US$ 409,2 bilhões nos primeiros 10 meses de 2023, o que coloca em cheque a eficácia das sanções ocidentais impostas sobre supostos abusos de uigures após relatos de trabalho forçado e outras violações dos direitos humanos.

Enquanto isso, um grupo anônimo batizado de “Shut Down Shein” denuncia supostas práticas anticompetitivas, que vão desde a sonegação do pagamento de bilhões de dólares em tarifas de importação à coleta de dados dos consumidores americanos para uso do partido comunista chinês.

Mas segundo o Washington Post, o grupo é financiado por diversas marcas americanas, além de organizações de direitos humanos.

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