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Choque com a tentativa de assassinato leva a um clamor global pelo fim da polarização  

Por outro lado, o episódio cria outra polaridade: a imagem de um candidato ensanguentado mas inabalável, em contraste com o hesitante Biden

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Ao lado do choque e indignação com a tentativa de assassinato de Donald Trump, outra mensagem percorreu as muitas declarações de líderes mundiais: algo precisa mudar.

De Abraham Lincoln a Shinzo Abe, assassinatos políticos não são novidade: a década de 1960 nos EUA, por exemplo, viu os assassinatos de dois Kennedys, do militante por direitos civis Martin Luther King e do ativista negro Malcolm X. Mas também é inegável que a crescente polarização testemunhada globalmente hoje está alcançando sua conclusão final na forma de atos de violência.

Vários líderes alertaram que o tiroteio de sábado na Pensilvânia representava um problema mais amplo que as democracias têm enfrentado no mundo todo. A retórica extrema amplificada pelas redes sociais está levando cada vez mais a ataques no mundo real.

“Devemos diminuir a temperatura do debate”, disse o primeiro-ministro australiano Anthony Albanese a repórteres no domingo. “Não há nada a ser ganho com a escalada da retórica que vemos em alguns de nossos debates políticos no mundo democrático.”

Os problemas da democracia ao estilo ocidental, com os EUA como exemplo gritante, são um ponto frequentemente levantado pelas autoridades comunistas na China.

A Ásia, em particular, viu uma série de violências contra líderes nos últimos anos, mais evidente no assassinato de Abe, ex-primeiro-ministro do Japão, em julho de 2022. Embora o Japão tenha leis rigorosas de controle de armas, um agressor usou uma arma caseira para disparar duas vezes em Abe em um evento de campanha, mirando no líder devido aos vínculos dele com uma igreja – o atirador disse que a igreja em questão levou sua família à falência ao pedir doações excessivas.

Alguns meses depois, o ex-líder do Paquistão Imran Khan foi baleado na perna em um evento público, um ataque que ele atribuiu aos seus oponentes políticos. Então, em janeiro deste ano, o líder da oposição sul-coreana Lee Jae-myung foi esfaqueado no pescoço em uma aparição pública. O perpetrador foi condenado a 15 anos de prisão pelo ataque a Lee, que é considerado um candidato líder antes da próxima eleição presidencial em 2027.

Na América Latina, o candidato presidencial equatoriano Fernando Villavicencio foi morto a tiros ao sair de um comício em agosto do ano passado. Sua companheira de chapa, Andrea Gonzalez, agora está concorrendo à eleição de fevereiro em seu lugar.

“Somos uma geração que valoriza a liberdade, a liberdade de sair às ruas sem ser baleado”, disse ela em uma entrevista recente.

Enquanto isso, o Brasil testemunhou sua própria versão do motim no Capitólio dos EUA em 6 de janeiro em janeiro de 2023, quando apoiadores do presidente derrotado Jair Bolsonaro devastaram a capital, Brasília, despojando o palácio presidencial e outras instituições nacionais em protesto à vitória eleitoral de Lula. Cinco anos antes, Bolsonaro tinha sido esfaqueado durante um evento público em Juiz de Fora (MG).

Na Europa, também, a mancha da violência infiltrou-se em uma política cada vez mais amargurada, à medida que a direita nacionalista avança da França à Finlândia.

Na Eslováquia, o primeiro-ministro Robert Fico, ele próprio uma figura política polarizadora, foi baleado em uma tentativa de assassinato em maio. Em sua resposta à tentativa contra Trump, o presidente do país, Peter Pellegrini, alertou sobre a escalada da violência política em todo o mundo, dizendo que eleições devem ser decididas “nas urnas, não atirando nas ruas”.

A violência deve ser condenada nos termos mais fortes e a justiça aplicada, disse Pellegrini, “para que as pessoas não percam a confiança na democracia e nas instituições do Estado democrático e não comecem a fazer justiça com as próprias mãos.”

É difícil saber se alguém está ouvindo esses apelos. O choque do momento certamente é forte, mas a ambição política tem seu próprio impulso.

O presidente da Polônia, Andrzej Duda, aliado de Trump, descreveu a tentativa de assassinato como “um momento chocante” para o mundo, enquanto seu inimigo político, o primeiro-ministro Donald Tusk, disse que a violência “nunca é a resposta” para as diferenças políticas. “Tenho certeza de que isso é algo em que todos podemos concordar”, acrescentou Tusk.

Luiz Inácio Lula da Silva, representante do pólo oposto no espectro político, escreveu: “O atentado contra o ex-presidente Donald Trump deve ser repudiado veementemente por todos os defensores da democracia e do diálogo na política. O que vimos hoje é inaceitável.”

Provavelmente é cedo para dizer o que isso significa para os esforços de Trump de recapturar a Casa Branca, embora os apostadores já vejam o tiroteio como fortalecendo suas chances, com apostas na vitória de Trump em novembro aumentando. No Brasil de 2018, a comoção em torno do atentado contra Bolsonaro elevou a intenção de voto nele de 20% para 26%, de acordo com o Ibope, numa arrancada que pavimentou o caminho do então candidato para a vitória nas urnas. 

Trump é retirado do comício em Butler, Pensilvânia, após o atentado. Foto: Bloomberg

O que é claro agora, de qualquer forma: a imagem de um candidato desafiador, ensanguentado mas inabalável, é um contraste poderoso com o hesitante e às vezes aparentemente confuso Joe Biden, cuja idade se tornou o fator definidor de sua campanha para um segundo mandato.

Em suas reações, alguns líderes ecoaram o desafio do campo de Trump após o tiroteio, comparando o incidente nos EUA à sua situação política doméstica. Geert Wilders, o líder anti-imigração do maior partido governante na Holanda, foi um dos mais enfáticos.

“O que aconteceu nos EUA também pode acontecer na Holanda”, ele postou no X/Twitter. “Não subestimem isso.” Embora Wilders não tenha mencionado incidentes específicos, ele pode ter se referido a Pim Fortuyn, o político libertário e anti-Islã que foi assassinado por um radical de esquerda em 2002.

O “ódio” que mira políticos de direita é “sem precedentes”, disse Wilders. “A retórica de ódio de muitos políticos e mídia de esquerda, que rotulam políticos de direita como racistas e nazistas, não é sem consequências. Eles estão brincando com fogo.”

Giorgia Meloni, da Itália, que em um momento cortejou Trump, sabe bem sobre violência política. Seu país, na década de 1970, viu uma onda devastadora de terrorismo de extrema esquerda e extrema direita. O assassinato do juiz antimáfia Paolo Borsellino, três décadas atrás, foi visto como um ponto de inflexão na política italiana – exceto que levou à ascensão de Silvio Berlusconi, que é visto como um protótipo de Trump.

“No debate político, em todo o mundo, há limites que nunca devem ser ultrapassados”, disse ela. “É um alerta para todos, independentemente da afiliação política, para restaurar a dignidade e a honra à política, contra todas as formas de ódio e violência, e pelo bem de nossas democracias.”

Um dos eventos políticos mais polarizadores dos últimos tempos foi testemunhado no Reino Unido sobre a adesão do país à União Europeia. A decisão chocante de sair da UE no referendo do Brexit em junho de 2016 foi contra a lógica econômica e política predominante e prenunciou a vitória de Trump nos EUA no final daquele mesmo ano.

Uma semana antes do referendo, a parlamentar trabalhista pró-europeia Jo Cox foi morta a tiros e esfaqueada em seu distrito por um agressor de extrema direita. A irmã de Cox, Kim Leadbeater, agora também parlamentar trabalhista, fez uma das contribuições mais pessoais ao debate sobre o caminho a seguir, dizendo à BBC no domingo que não foi feito o suficiente para combater a violência política.

Violência, ameaças, abusos e intimidações têm “um impacto profundamente preocupante em nossa democracia”, disse ela. “Precisamos ter essa conversa sobre como é uma democracia civilizada. Eu venho tendo essa conversa desde que Jo foi assassinada. Infelizmente, sinto que não estamos fazendo grandes progressos.”

Por Alan Crawford e redação InvestNews

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