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Ações preferenciais resgatáveis voltam ao mercado com mudança na tributação de dividendos

Emissões e reorganizações societárias ganham força em 2025 com uso de instrumento híbrido para distribuir resultados e preservar caixa

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Nos últimos meses, um termo pouco conhecido até entre investidores experientes voltou ao centro do debate no mercado de capitais brasileiro: as ações preferenciais resgatáveis. O instrumento reapareceu com força em emissões recentes e grandes reorganizações societárias, em um contexto marcado pela transição das regras de tributação de dividendos no país e pela busca das companhias por alternativas previstas em lei.

Na prática, essa é uma forma alternativa de destinar lucros aos acionistas sem saída imediata de caixa. O mecanismo funciona como uma capitalização de lucros: o resultado é reconhecido como pertencente ao acionista, o que, do ponto de vista econômico, produz efeito semelhante ao da distribuição de dividendos. É por isso que a operação costuma ser descrita como uma distribuição de dividendos seguida de capitalização.

O que muda aqui é o enquadramento societário. Os recursos saem da conta de lucros acumulados e são transferidos para a conta de capital social. Essa transferência caracteriza a capitalização propriamente dita. Como o capital social aumenta, a empresa precisa emitir novas ações, que são entregues ao acionista como contrapartida. Isso pode ser feito por meio de uma bonificação, por exemplo, na proporção do que o investidor já tem na empresa.

Preservação de caixa

Esse artifício é usado por algumas empresas que preferem preservar caixa. “Em vez de pagar dividendos em dinheiro, a companhia capitaliza os lucros. Isso não significa que o acionista deixa de receber o resultado, mas que ele recebe esse resultado de outra forma, indireta”, explica Tomás Machado de Oliveira, sócio do escritório de advocacia Mattos Filho.

Nesse contexto, a escolha por ações preferenciais — e não ordinárias — não é casual. “Para um acionista minoritário, uma ação ordinária não garante, na prática, acesso ao dinheiro no futuro próximo, pois depende de novas deliberações societárias”, diz o advogado. “Já a ação preferencial resgatável permite que a companhia, quando tiver caixa ou quando a situação financeira permitir, resgate essa ação e entregue ao acionista o valor correspondente.”

O uso mais frequente desse tipo de estrutura em 2025 está diretamente ligado à regra de transição criada pela nova legislação de tributação de dividendos. A norma permite que lucros e resultados apurados até o fim de 2025 sejam distribuídos de forma isenta, desde que a deliberação ocorra ainda neste ano, mesmo que o pagamento aconteça apenas nos anos seguintes.

O problema é que a Lei das S.A. exige que os dividendos deliberados sejam pagos no mesmo exercício. Liberar a distribuição sem o pagamento no mesmo exercício pode gerar questionamentos sob a ótica societária, sobretudo em companhias abertas com acionistas minoritários, segundo Oliveira.

É por causa desse impasse – o interesse do acionista em receber o dividendo antes da tributação e a eventual dificuldade da empresa em tirar do caixa para pagar dividendos já neste ano – que surgiu a “distribuição de dividendos por capitalização”, que é feita por meio das ações preferenciais resgatáveis.

De onde surgiram as ações preferenciais resgatáveis?

As ações preferenciais resgatáveis são uma modalidade de ação preferencial prevista na Lei das S.A. que combina direitos econômicos específicos com a possibilidade de resgate futuro pela própria companhia, conforme regras definidas no estatuto social ou no ato de emissão.

Por reunirem características típicas de ações e elementos que lembram instrumentos de dívida, as preferenciais resgatáveis são frequentemente descritas como híbridas. Do ponto de vista jurídico, porém, continuam sendo ações.

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Impostos e riscos

Embora apareçam associadas ao debate tributário, as ações preferenciais resgatáveis não eliminam impostos nem substituem dividendos tradicionais. O que muda é o momento e a forma do recebimento. “No resgate, não se está mais falando de pagamento de dividendos, mas de resgate de capital”, explica Oliveira. “Até o limite do valor originalmente convertido em ação, o montante recebido tende a ser tratado como isento, por corresponder à devolução de capital, conforme a interpretação tributária predominante.”

Se o resgate ocorrer exatamente pelo valor original, o efeito econômico é semelhante ao do dividendo, apenas postergado no tempo. “Mas, como se trata de uma ação, existe a possibilidade de valorização”, afirma Luiz Felipe Vaz Guimarães, sócio do Pinheiro Neto Advogados. “Se, no momento do resgate, a ação valer mais do que o valor original, esse ganho adicional será tratado como ganho de capital e tributado apenas sobre a diferença.”

Para o investidor, a decisão deixa de ser puramente distributiva e passa a envolver risco. “O acionista troca um valor certo e líquido — o dividendo — por um ativo que permanece investido na empresa”, diz Oliveira. “Não há garantia de prazo, valor ou efetiva realização do resgate, que depende das condições financeiras da companhia e das regras societárias aplicáveis.”

Em algumas estruturas, o acionista pode optar por não ser resgatado. “No caso da Localiza (leia mais abaixo), por exemplo, o acionista pode decidir não ‘ser resgatado’ pela empresa e converter a ação preferencial resgatável em ação ordinária”, observa Guimarães.

Por que agora — e até quando?

Segundo especialistas, esse mecanismo faz sentido principalmente em 2025 por razões tributárias. “Neste ano, o acionista tem um incentivo claro para ‘marcar’ os lucros de forma isenta”, afirma Oliveira. “A preferencial resgatável permite isso sem que a empresa precise se descapitalizar.”

Esse incentivo, porém, tem prazo. “A partir de 2026, quando o regime tributário dos dividendos passa a ser outro, esse fator tende a perder relevância específica”, diz o advogado. “A ação resgatável continua existindo como instrumento societário, mas deixa de ter o mesmo apelo para esse fim.”

Esse movimento já aparece em casos concretos. A Pacaembu Construtora aprovou, em outubro, a emissão de ações preferenciais resgatáveis. Pouco depois, a Axia Energia — empresa criada pela Eletrobras para concentrar seu braço de renováveis — anunciou, em 28 de novembro de 2025, uma proposta para distribuir cerca de R$ 39,9 bilhões de suas reservas por meio desse instrumento.

Em paralelo, operações societárias relevantes — como a reorganização e a dupla listagem da JBS, em maio de 2025, e a incorporação da ClearSale pela Serasa Experian, anunciada em outubro de 2024 — também recorreram a ações resgatáveis como instrumentos transitórios para viabilizar trocas acionárias e ajustes de governança.

Mais recentemente, a Localiza passou a integrar o grupo de companhias que recorrem ao instrumento. Em 6 de dezembro de 2025, a empresa propôs um aumento de capital via bonificação, com emissão de ações preferenciais resgatáveis e convocou assembleia para 29 de dezembro para deliberar sobre um aumento de capital de R$ 2,065 bilhões.

Pela proposta, cada acionista receberia uma ação preferencial resgatável para cada 26 ações ordinárias detidas. As ações seriam entregues gratuitamente, negociadas “ex-direito” a partir de 30 de dezembro e creditadas em 5 de janeiro de 2026.

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