O mercado nem cogita a possibilidade de o Fed deixar de cortar os juros nesta quarta-feira (17). Em todo o globo, a euforia nas ações e o enfraquecimento do dólar mostram que os investidores estão fechados numa única visão: a de que o ciclo de queda nas taxas do banco central americano começa agora, nesta semana.
É fato que esse corte já foi amplamente precificado, ou seja, os investidores estão se antecipando ao movimento. A ferramenta CME FedWatch, que acompanha contratos futuros usados por investidores para apostar nos rumos da política monetária americana, bateu 100% de chance de corte de juros na quarta-feira.
Do total, 96,1% acreditam em uma redução de 0,25 ponto percentual – com a taxa cedendo a 4,25%; o restante acha que vem mais, com uma diminuição de 0,5 ponto. Vindo um corte, será o primeiro do ano. O último foi em dezembro de 2024, e desde então o Fed entrou em modo de espera. Agora, tudo indica que o corte vem.
E fica a pergunta: ainda tem espaço para mais valorização após a reunião de quarta-feira? Na visão do Bank of America (BofA) e do Morgan Stanley, sim, porque a busca por diversificação para fora dos EUA ainda tem muito chão para continuar.
“Estamos apenas no início desse processo de diversificação global”, disse o chefe de estratégia de renda fixa de mercados emergentes globais do BofA, David Hauner, em relatório. Conforme o especialista, o impulso para a saída de recursos dos EUA vai ser sustentado pelo dólar em queda e pela pouca exposição dos fundos internacionais a mercados emergentes – elas ainda estão em níveis historicamente baixos.
Yuri Selinger, estrategista do BofA, ressaltou o cenário de ventos mais favoráveis, inclusive, para 2026, com a possibilidade de a migração de recursos para mercados emergentes se intensificar. “O ambiente atual, diante dos cinco cortes esperados do Fed em 2025 e 2026, é claramente positivo para a demanda dos investidores.”
O Morgan Stanley também reforçou essa visão. Analistas do banco estimaram que a entrada de dinheiro nos mercados emergentes deve ganhar força nos últimos meses do ano. Esse fluxo vai ser bancado pelo maior interesse de fundos globais por ativos de países do grupo, como o Brasil, onde a bolsa local negocia com desconto comparada aos pares internacionais – ou seja, está bem mais barata.
Bolsas nas máximas
A ascensão das bolsas emergentes não é uma aposta. É um fato que já está acontecendo. As bolsas de Nova York têm negociado perto das máximas históricas, e o S&P 500, principal índice de ações dos EUA, acumula alta de 12,7% no ano, até o fechamento de segunda (15).
Ainda assim, é pouco perto do clube dos países em desenvolvimento. O índice MSCI Emerging Markets, que acompanha uma carteira de papéis em 24 países desse grupo, avança mais de 20% em 2025. No Brasil, o Ibovespa está no mesmo patamar: perto de 20%.
Dólar vai continuar mais fraco?
O câmbio é outro preço de mercado que tem antecipado o ciclo de corte de juros pelo Fed. Conforme os investidores buscam outros mercados, enviam seus dólares para o resto do mundo. Resultado: a oferta de moeda americana aumenta no resto do mundo, e o preço dela cai.
É um ciclo virtuoso para o real. Os investimentos aumentam a oferta de dólar no Brasil. Nossa moeda valoriza. Isso traz mais dinheiro de fora, a fim de ganhar com a alta do real. Uma coisa retroalimenta a outra.
No Brasil, o dólar acumula queda de 14% em 2025 frente ao real. A moeda americana também recua 12% comparada ao peso mexicano, por exemplo. Sinal de dinheiro verde em processo de imigração.
O sentimento de dúvida com o dólar já tinha ganhado força no primeiro trimestre, diante das desconfianças em relação à trajetória da dívida americana. Ela está no maior patamar em relação ao PIB desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Se surgem dúvidas sobre a capacidade americana de solvência, uma parte dos investidores deixa de comprar títulos públicos dos EUA e busca dos de outros países.
Resultado: mais dólares para fora dos EUA – ainda que, nesse caso, rumo a títulos públicos de países desenvolvidos. E o movimento seguiu conforme ia se consolidando a ideia do início dos cortes nos juros.
“O dólar continuar fraco sugere uma retomada de fluxo para fora dos EUA”, afirma o codiretor de gestão da Azimut Brasil Wealth Management, Eduardo Carlier.
O Índice Dólar (DXY), que acompanha a variação da divisa dos EUA ante outras seis moedas fortes, registra até setembro um recuo de 10,35%. É a maior desvalorização da moeda americana ante seus pares desde 2017.
Mercado começou a antecipar em junho
A possibilidade do “afrouxamento monetário”, como o mercado chama o ciclo de cortes, já está sendo incorporada nos preços dos ativos desde, pelo menos, o segundo trimestre do ano. A maior parte da subida dos índices das bolsas americanas, por exemplo, ocorreu a partir de junho.
O gatilho foi a divulgação do relatório de projeções de integrantes do Fed na reunião de junho. Trata-se do chamado “Dot Plot”, que costuma ser olhado com lupa pelo mercado, porque pode antecipar as tendências das decisões futuras da autoridade.
O relatório traz as projeções de crescimento do PIB, inflação e nível dos juros feitas pelos integrantes do Fomc, o Copom dos EUA. Esse documento é divulgado apenas em reuniões intercaladas, ou seja, a cada trimestre. Como são os membros do Fomc que decidem os juros, as perspectivas deles sobre o assunto são mais do que perspectivas. São tendências.
Na ocasião, a maioria dos membros do Fomc apontaram para, ao menos, uma queda de juros ainda neste ano. Bastou essa indicação para recuperar o ânimo das bolsas americanas, que vinham de um período de incertezas em meio às turbulências causadas pelo tarifaço pela perspectiva de aumento sem controle do endividamento do governo.
A visão de que o início do ciclo de cortes se aproximava ganhou mais um reforço na última reunião do Fomc, em 30 julho. Na ocasião, dois integrantes expressaram apoio para um corte de 0,25 ponto já naquele encontro. Além disso, o presidente do Fed, Jerome Powell manteve a porta aberta para uma queda de juro a partir de setembro.
A porta abriu de vez em agosto
A sinalização mais contundente para setembro, porém, aconteceu em 22 de agosto no discurso de Powell durante o evento de Jackson Hole, onde se reuniram representantes dos principais BCs do mundo. O presidente do Fed chegou a afirmar que a autoridade poderia precisar cortar os juros diante dos riscos crescentes ao emprego.
O fato de nenhum outro diretor do BC americano ter vindo a público para esfriar os ânimos desde então alimentou ainda mais a expectativa para a reunião desta quarta-feira. Isso porque o Fed busca sempre calibrar antecipadamente essa visão dos investidores para evitar, justamente, uma reversão dos mercados globais, caso ocorra uma grande frustração com a decisão.
Preocupação com o desemprego em alta
O mercado de trabalho americano vem dando mostras de desaceleração. O Fed tem um mandato duplo: controlar a inflação e manter saudável o nível de emprego na economia. A inflação nos EUA, de seu lado, tem se mantido comportada.
O índice de preços de consumo pessoal, o PCE, reconhecido pelo Fed como sua medida preferida de inflação, mostrou estabilidade na leitura anualizada entre julho e agosto. O indicador se manteve pelo segundo mês consecutivo em 2,6% ao ano.
Apesar de estar acima da meta do Fed, de 2% ao ano, o patamar do PCE está dentro da faixa do regime de metas do BC americano, que prevê a possibilidade de a inflação ultrapassar a meta desde que haja “convergência das expectativas” no longo prazo. Em outras palavras: a inflação não precisa estar na meta para o juro começar a cair. Basta que ela esteja claramente em direção à meta.
Daí as atenções do BC americano se voltarem para o nível de desemprego, atualmente em 4,3%, mas com tendência de alta. A taxa está perto do maior nível em 4 anos. Além disso, o índice registrou a terceira elevação seguida nos últimos três meses.
O desemprego subiu de 4,1%, em junho, para 4,2% no mês seguinte e alcançou 4,3% em agosto. O relatório de emprego de agosto também mostrou criação de apenas 22 mil vagas, abaixo do esperado, e mais um sinal amarelo para o mercado de trabalho.
Perguntas sem respostas
Mesmo com a visão dominante sobre o início do corte pelo Fed na quarta-feira, ainda restarão questões importantes, como a intensidade e a extensão do ciclo. Haverá mais duas reuniões de decisão sobre os juros neste ano: uma termina em 29 de outubro; a outra, em 10 de dezembro.
Sobre o futuro, haverá uma dica. É mês de dot-plot. Caso os membros do Fomc ampliem suas perspectivas de mais cortes nos juros para o futuro, alguma euforia extra é quase garantida. Todos também estão de olho no comunicado do Fed e no discurso de Powell em busca de pistas, como sempre.
Sinais de que o Fed pretende pular a reunião de outubro para, por exemplo, para avaliar os dados de inflação e desemprego, podem levar a uma reversão do atual otimismo dos mercados globais. A ferramenta FedWatch aponta que 78% dos investidores esperam a continuidade dos cortes na reunião seguinte. Para dezembro, as apostas são ainda maiores: o mercado vê 98% de chances de mais um corte.
Se o Fed confirmar as expectativas, o início do afrouxamento nos EUA ajudaria a levar outros BCs globais a começar ou retomar seus próprios ciclos de cortes, incluindo o Brasil. “Dado o menor crescimento da economia brasileira e com as expectativas de inflação se ajustando para baixo, o mercado acha que tem espaço para discutir o afrouxamento monetário”, afirma Carlier, da Azimut.
O BofA enxerga a possibilidade de o Comitê de Política Monetária (Copom) iniciar os cortes ainda neste ano. Em um relatório assinado pelo chefe de economia no Brasil do banco americano, Davi Becker, e pela economista Natacha Perez, a casa coloca a Selic em 14,50% no fim de 2025, ou seja, com a visão de uma redução de 0,5 ponto percentual na última reunião do BC no ano. Os economistas projetam os juros brasileiros em 11,25% no fim de 2026 e no patamar de 10,50% em 2027.