Ainda traumatizados com eventos como os da Americanas, os investidores reagiram rápido e passaram a penalizar as companhias mais endividadas. Isso porque as empresas com esse perfil ficam mais fragilizadas em meio a um cenário no qual a taxa básica de juros, a Selic, está no maior patamar em 10 anos e os prêmios de risco pedidos pelo mercado para financiar grupos vulneráveis seguem em alta.
Essa percepção leva muitos detentores de títulos de renda fixa, como debêntures, CRIs e CRAs, a querer se desfazer dos papéis com medo de amargar prejuízos. Na ponta compradora, os interessados pedem descontos cada vez maiores para ficar com esses papéis.
Nas plataformas de investimentos, é possível encontrar à venda títulos privados de empresas conhecidas como Grupo Pão de Açúcar e CSN com retornos tão elevados quanto IPCA + 13% ou IPCA + 10%. Isso pode deixar muita gente salivando. Mas cuidado. Taxas tão altas sempre indicam que os riscos subiram na mesma proporção.
E não são triviais. Um aumento muito forte nos prêmios pode, no limite, inviabilizar o acesso de uma empresa ao financiamento no mercado de capitais. É que o custo financeiro pode ficar tão elevado que passa a destruir o valor da empresa. Além disso, pode disparar cláusulas de vencimentos antecipados nos contratos, o que pressiona ainda mais a situação financeira da corporação. Se isso ocorrer, pode levar a companhia a ter de recorrer à RJ, como foi o caso da Ambipar.
Essa negociação de títulos já emitidos se chama mercado secundário. Os títulos que os investidores querem se desfazer são vendidos por intermédio das corretoras. É um processo semelhante ao do mercado de carros usados. O dono do veículo pode tanto deixar em consignação na vitrine da loja, quanto vender para a própria concessionária, que, depois, negocia com lucro.
No caso do investimento, para passar o título para frente neste momento, é preciso oferecer uma taxa mais alta do que aquela pela qual o investidor comprou o papel – daí os IPCA + 10% ou IPCA + 13% já citados. São ofertas verdadeiras encontradas nas plataformas. Na prática, para quem está vendendo o papel no mercado secundário, isso significa dar um desconto no valor atual do título, o chamado valor presente.
O que determina o juro de um título do tipo IPCA+ é o preço que você paga por ele – porque o valor final de cada um no vencimento é sempre o mesmo. Vamos usar um exemplo fictício: você tinha acabado de investir R$ 1 mil em um CRI que rende IPCA + 4,5%, com prazo de resgate de um ano. Ao fim desse período, você deveria receber R$ 1.093 (bruto), assumindo um IPCA de 4,8% no período. Mas você decidiu vender seu certificado no mercado secundário.
Para achar compradores, você está oferecendo, digamos, um rendimento de IPCA + 10%. No resgate, esse papel vai continuar pagando os mesmos R$ 1.093. Isso quer dizer que você terá que descontar a rentabilidade a mais que está oferecendo para o papel, ou seja, você está aceitando receber R$ 952,09 por aquele CRI, abaixo dos R$ 1.000 que pagou. Quem comprar o CRI a R$ 952,09 e ficar com ele até o vencimento, receberá ao final R$ 1.093, ou o IPCA + 10% no período.
Esse valor do papel atualizado diariamente se chama marcação a mercado. Como isso funciona? Da seguinte maneira: vamos supor que você comprou um título de 10 anos, significa que pela próxima década, dia após dia, os preços do título vão subir e descer de acordo com as expectativas sobre a Selic, a inflação, a situação fiscal do país e um outro tanto de variáveis, como os citados eventos corporativos.
Se você comprou um título no mercado secundário, mas, hipoteticamente, ocorreu um cenário no qual as taxas reais subiram ainda mais, por exemplo, se a inflação acelerou, se vender nesse momento vai amargar um prejuízo. Na situação oposta, se os juros caírem, o título vai valorizar. E quanto mais longos são os títulos, ou seja, quanto mais distantes são os prazos de vencimentos, mais voláteis os preços vão se comportar no dia a dia.
Mas isso só se você vender antes do prazo. Quem levar o papel até o vencimento vai receber exatamente o que contratou. E não faz diferença se foi no lançamento da debênture, CRI ou CRA ou por meio do mercado secundário.
Isso, claro, desde que a companhia não passe por um evento de crédito, como ficar inadimplente ou recorrer à proteção judicial e, eventualmente, renegociar os termos das dívidas. Essa possibilidade é chamada pelo mercado de risco de crédito.
O rendimento do título ao longo do tempo segundo as condições contratadas se chama marcação na curva. Nesse caso, não há volatilidade, porque o valor é projetado conforme as condições previamente estabelecidas até o vencimento.
Portanto, em momentos de estresse no mercado, podem surgir oportunidades para investidores de sangue frio adquirirem papéis com grandes descontos. Porém, como mostram inúmeros casos de recuperação judicial ocorridos nos últimos anos, o risco de crédito aumentou. É preciso ter em mente que o momento atual de juros tão elevados e tantas incertezas no horizonte cobra um preço alto dos grupos mais endividados.
